quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

24/02 Processos administrativos tributários devem terminar em prazo razoável

Muitos contribuintes quando sofrem autos de infração e apresentam defesas e recursos administrativos, verificam demora excessiva nas decisões dos órgãos julgadores tanto na primeira quanto na segunda instância. Com isso, tais pendências tributárias são acrescidas de juros, além da correção monetária. A suposta dívida atinge valores que ameaçam o patrimônio dos contribuintes, de forma a lhes causar sérios transtornos.

Tal situação pode ser resolvida judicialmente, ante o evidente abuso que a excessiva demora nos julgamentos representa.

A primeira e mais relevante norma a ser invocada nesses casos é o inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional 45 de 8 de dezembro de 2004, a garantir que:

“a todos, no âmbito judicial ou administrativo são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Todos os níveis de governo (federal, estadual e municipal) devem obediência expressa a tal norma.

No âmbito federal a matéria é regulada pela Lei 9.784 de 29 de janeiro de 1999, que “regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.”

O artigo 1º dessa lei registra que seu objetivo é estabelecer “normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.”

A Lei 11.457 de 16 de março de 2007 em seu artigo 24 determina que

“É obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.”

Mesmo que as legislações estaduais e municipais não adotem norma similar, não podem ignorar o mandamento contido no artigo 5º da Constituição Federal, já mencionado.

No estado de São Paulo a Lei Complementar 939 de 3 de abril de  2003 que institui o código de direitos, garantias e obrigações do contribuinte, determina em seu artigo 8º que a “Administração Tributária atuará em obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, interesse público, eficiência e motivação dos atos administrativos.”

Tal redação praticamente repete a norma do artigo 37 da Constituição Federal, em cumprimento ao artigo 111 da Constituição do Estado: “A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.”

Os municípios nas respectivas leis orgânicas adotam os mesmos princípios e, mesmo que os omitam, obrigam-se ao cumprimento do determinado na Constituição Federal.

Embora não haja definição legal do que é prazo razoável, claro está que decisões administrativas não podem ultrapassar o prazo de cinco anos, que é o adotado no Código Tributário Nacional nos casos de decadência ou prescrição. 

Quando defesas ou recursos aguardam julgamento há mais de cinco anos tal demora prejudica o governo e o contribuinte. O primeiro poderia apressar eventual cobrança de seus créditos e o segundo livrar-se dessa pendência. Isso atinge especialmente as empresas obrigadas a tornar públicas suas contas e contabilizar os valores como contingências ou pendências. Exatamente por isso muitos contribuintes procuram a Justiça para que  autoridades cumpram obrigações pelas quais são pagas. 

Já foi noticiada na ConJur em 5 de março de 2014 decisão da Justiça Federal ordenando ao fisco federal que resolvesse em 10 dias processo que aguardava solução por mais de um ano. Pode o leitor encontrar a íntegra da sentença anexada à matéria então divulgada, onde se faz referência a jurisprudência do STJ.

Parece-nos perfeitamente aplicáveis no caso dessas demoras a prescrição intercorrente. Alegam algumas autoridades fazendárias que, face ao grande volume de processos a julgar, o prazo de 360 dias não pode ser praticado e que não existiria tal forma de prescrição no caso. Como é público e notório, tais pessoas ignoram garantias do contribuinte. Veja-se a respeito o decidido no REsp 855.525/RS (1ª Turma, relator ministro José Delgado, v.u., DJ de 18.12.2006), cuja ementa segue transcrita:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. FEITO PARALISADO HÁ MAIS DE 5 ANOS. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO. ART. 219, § 5º, DO CPC (REDAÇÃO DA LEI Nº 11.280/2006). DIREITO SUPERVENIENTE E INTERTEMPORAL.

A jurisprudência dos tribunais pátrios já vem reconhecendo a prescrição intercorrente mesmo em relação a processos administrativos. Nesse sentido a 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já decidiu:

“DIREITO TRIBUTÁRIO – IMPUGNAÇÃO – DECADÊNCIA – O Estado tem cinco anos para constituir definitivamente o crédito tributário, o que equivale a dizer que, no prazo de cinco anos, deve julgar a impugnação havida, pena de decadência. Apelação provida.” (Apelação Cível 59603816-6, Relator Dês. Romeu Elias de Souza)

“PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO-ARTIGO 151, III, CTN – Durante a reclamação ou recurso administrativo, está suspensa a exigibilidade do credito administrativo, não correndo prescrição – Entretanto, quando se está diante de incomum inércia, com a paralisação incompreensível do procedimento durante sete anos, sob pena de se aceitar a própria imprescritibilidade, não há como deixar de reconhecer a prescrição.”(Ap. 597200054, Rel. Des. Armínio José Abreu Lima da Rosa)

Também há  posições doutrinárias na mesma direção. A professora Maria Helena Diniz, em seu Dicionário Jurídico (Ed. Saraiva, 1988, Vol. 3, pág. 699) define a prescrição intercorrente como aquela que “...é admitida pela doutrina e jurisprudência, surgindo após a propositura da ação. Dá-se quando, suspensa ou interrompida a exigibilidade, o processo administrativo ou judicial fica paralisado por incúria da Fazenda Pública.”

Ensina ainda o professor Walmir Luiz Becker que:

“Seria contrário ao princípio constitucional da moralidade administrativa, consagrado no art. 37 da Constituição Federal de 1988, admitir-se que a administração tributária, em face de um processo administrativo fiscal, pudesse ficar inerte pelo tempo que bem entendesse, sem maiores cuidados quanto à movimentação deste, no pressuposto de que não estaria sujeita à decadência ou prescrição, enquanto não proferida a decisão final do julgador administrativo.”  (14/3/2001, em tributario.net)

Conclui-se, portanto, que qualquer processo administrativo resultante de autuação tributária deve ser concluído em prazo razoável, aplicando-se na demora a prescrição intercorrente. Ninguém pode ser obrigado a sujeitar-se aos abusos do fisco, quando tem direito a ver a sua situação definida em prazo determinado. Quando entender necessário, deve o contribuinte acionar o Judiciário para obter decisão imediata do caso, quando o prazo legal estiver ultrapassado.

por Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

Fonte: Conjur

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