1 Introdução
Dentre as medidas de ajuste fiscal propostas pelo Ministro da Fazenda figura a Medida Provisória nº 668, de 30 de janeiro de 2015, que aumentou a carga tributária representada pelas contribuições sociais do PIS/COFINS incidentes sobre a importação de bens e serviços, instituídas pela Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, com fundamento no art. 149, § 2º, inciso II, e 195, inciso IV da CF.
Basicamente, as alíquotas que eram de 1,65% e de 7,6% para o PIS e COFINS, respectivamente, passaram para 2,1% e 9,65%, respectivamente. Outrossim, fixou-se as alíquotas de 1,65% e de 7,6% em relação ao PIS e a COFINS-importação, respectivamente, para a hipótese do inciso II, do art. 3º da Lei nº 10.865/04. Elevou-se, também, as alíquotas dessas duas contribuições previstas nos §§ 1º, 2º, 3º, 5º, 9º e 10, do art. 8º da Lei nº 10.865/04 variando esse aumento de 0,95% a 16,48%, tornando a legislação bastante complexa e mais caótica do que já era.
O presente estudo, entretanto, versará exclusivamente sob o aspecto jurídico-constitucional dessa elevação brutal levada a efeito pela Medida Provisória nº 668/2015, tendo em vista algumas manifestações doutrinárias no sentido de sua inconstitucionalidade formal e material.
2 A questão do nível de tributação é de natureza política
Cumpre assinalar, desde logo, que a questão do nível de imposição tributária insere-se no âmbito da política tributária, portanto, fora do alcance das considerações de natureza jurídica que somente ganham relevo jurídico quando o peso da carga tributária representar violação do princípio constitucional que veda a utilização de tributo com o efeito de confisco, o que não é o caso sob exame.
A majoração das alíquotas em questão, em parte, deriva do fato de o STF ter declarado a inconstitucionalidade da inclusão do valor do ICMS e do valor das próprias contribuições sociais na base de cálculo das contribuições sociais do PIS/COFINS-Importação. (RE nº 559.937/RS, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. para Acórdão Min. Dias Toffoli, DJe de 4-4-2013). No RE nº 559.607 já havia sido reconhecida a existência de repercussão geral sobre o tema constitucional em questão.
É claro que a declaração da inconstitucionalidade parcial do art. 7º da Lei nº 10.865/04, implicando redução da base de cálculo das contribuições sociais em tela, após quase dez anos de vigência, representou uma queda na arrecadação tributária da União, cujos efeitos se assemelham às hipóteses do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal em que se exigem medidas de compensação por meio de aumento de receitas, para manter o equilíbrio das contas públicas.
A matéria não é nova. Já tivemos experiência com a edição da Lei Complementar nº 110, de 29-6-2001, que instituiu a contribuição social devida pelos empregadores em caso de injusta despedida do empregado à razão de 10% sobre o montante de todos os depósitos devidos ao FGTS, além do adicional de 0,5% incidente sobre a contribuição mensal de 8% a cargo do empregador, com o fim específico de buscar fontes de recursos financeiros para custear as despesas com a reposição das correções monetárias sonegadas dos saldos das contas vinculadas, por força de decisões judiciais. Como se sabe, a Caixa Econômica Federal sonegou a correção monetária do período de 1-12-1988 a 28-2-1989 em decorrência do Plano Verão (16,64%) e do período correspondente ao mês de abril de 1980 como resultado do Plano Collor I (44,8%). A CEF foi condenada pela Justiça a repor as atualizações monetárias sonegadas nos saldos das contas vinculadas do FGTS.
Completadas as reposições, isto é, cessada a causa ensejadora dos adicionais da multa e da contribuição ao FGTS, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei Complementar nº 200/2012 extinguindo a partir de 1º de junho de 2013 aqueles adicionais, por desnecessários.
Entretanto, o Executivo, de forma astuta, vetou a medida legislativa aprovada, sob o absurdo argumento de que o projeto legislativo aprovado ofendia a Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 14) por ausência de estimativa de impacto orçamentário financeiro e da falta de indicação de medidas compensatórias, como se tratasse de concessão de benefício fiscal (redução de tributo).
3 Da Medida Provisória em matéria tributária
No nosso entender, a medida provisória não atende ao princípio da legalidade tributária. A respeito escrevemos:
“Esse princípio pressupõe prévio consentimento da sociedade no quantum da tributação, através do órgão de representação popular, o que inexistirá no caso de instituição de tributo por Medida Provisória. Incogitável, outrossim, a hipótese de o tributo, depois de criado ou majorado, sujeitar-se ao desaparecimento com efeito ex nunc ao cabo de 60 ou 120 dias, se rejeitada ou cessada a eficácia da Medida Provisória que instituiu ou majorou o tributo. O que é pior, a omissão do Congresso Nacional em disciplinar, com prazo de 60 dias, as relações jurídicas decorrentes da Medida Provisória rejeitada ou caducada beneficiará o Poder Executivo que a editou, pois, nesse caso, os efeitos já produzidos serão conservados, isto é, não dará ensejo à repetição de indébito, fato que poderá levar o Executivo a cometer abusos”. [1]
Não é, entretanto, o entendimento do STF que dá a última palavra em matéria constitucional. Naquela Alta Corte de Justiça do País apenas o Ministro José Celso de Melo posicionou-se contra o emprego da medida provisória para veicular questões de natureza tributária.
Portanto, em tese, é cabível a medida provisória em matéria tributária, pois essa matéria não figura no elenco das proibições do § 1º, do art. 62 da CF, que é taxativo.
4 As restrições ao uso da Medida Provisória não se aplicam ao caso sob exame
Entretanto, dispõe o § 2º, do art. 62 da CF que a medida provisória que institui ou majora impostos, com exceção dos impostos de importação, de exportação, de produtos industrializados, de operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários, e impostos extraordinários, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada.
Não é o caso sob exame, por duas razões: (a) a aludida restrição não se aplica a contribuições sociais, mas apenas a impostos; (b) a Medida Provisória sob comento foi editada em 30 de janeiro de 2015, logo, de duas uma: ou ela será convertida em lei no prazo de 120 dias (incluindo a prorrogação por 60 dias), ou ela perderá eficácia, hipótese em que caberá ao Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas dela decorrentes, no prazo de 60 dias após a rejeição ou perda de eficácia, sob pena de perenização dos efeitos concretos (§§3º e 11, do art. 62 da CF).
Finalmente, o art. 246 da CF veda “a adoção de medida provisória na regulamentação de artigo da Constituição, cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda promulgada entre janeiro de 1995 até a promulgação desta emenda, inclusive”. Esse artigo foi acrescentado pela EC nº 6, de 15-8-1995. A EC nº 7, da mesma data repete essa redação. O mesmo acontece com a EC nº 32, de 11-9-2001.
Se considerarmos a ultima redação dada ao art. 246 da CF pela EC nº 32/01, por sinal, idêntica àquela conferida pela EC nº 6/95, chegaremos à conclusão de que a medida provisória não poderá regular os artigos da Constituição que tiveram as redações alteradas entre 1º de janeiro de 1995 e 11 de setembro de 2001.
É certo que a EC nº 20, de 15 de dezembro de 1998, alterou a redação do art. 195, I, b da CF, modificando a base de cálculo da contribuição social incidente sobre o “faturamento” para “receita ou faturamento”.
Logo, essa contribuição social incidente sobre o faturamento ou receita, tecnicamente, está inserida dentro do período definido no art. 246 da CF.
Contudo, as contribuições sociais do PIS/COFINS-Importação têm duplo fundamento constitucional, o inciso II, do § 2º, do art. 149, e o inciso IV, do art. 195 da CF, ambos acrescidos pela EC nº 42/03. Elas têm, portanto, um caráter hibrido, ou seja, servem tanto como instrumento de intervenção estatal na economia, como também, de fonte de financiamento da Seguridade Social”. [2]
O Fato Gerador dessas contribuições sociais não é a totalidade da receita bruta, mas apenas aquela representada pela “entrada de bens estrangeiros no território nacional ou o pagamento, o crédito, a entrega, o emprego ou a remessa de valores a residentes ou domiciliados no exterior como contraprestação do serviço prestado” (art. 3º da Lei nº 10.865/04).
Essas contribuições diferem, portanto, das contribuições sociais incidentes sobre a receita ou faturamento a que se refere o art. 195, I, b da CF, correspondentes ao PIS/COFINS, instituídas pelas Leis Complementares ns. 7/70, 70/9, respectivamente, e Leis ns. 10.637/02 e 10.833/03. As duas últimas leis instituíram o PIS e a COFINS não cumulativa, respectivamente.
Alterado o fato gerador em qualquer de seus elementos, no caso, elemento quantitativo, altera-se a natureza do tributo.
Positivamente, as contribuições do PIS/COFINS-Importação não sofrem as restrições do art. 246 da CF, pelo que a Medida Provisória 668/15, nesse particular, não padece de vício de natureza constitucional.
5 Do requisito da urgência e relevância
Quanto ao requisito da urgência e relevância, segundo o entendimento da Corte Suprema , insere-se no âmbito de apreciação do Congresso Nacional a não ser naqueles casos óbvios, cuja falta de urgência salta aos olhos como, por exemplo, na hipótese de mera alteração da denominação de um órgão do poder público.
Até hoje não se vê caso de rejeição ou de devolução da Medida Provisória enviada pelo Executivo ao Congresso Nacional por ausência do requesito da urgência e relevância. A devolução da Medida Provisória nº 669/15 que versava sobre a substituição da contribuição previdenciária incidente sobre a folha de remuneração foi feita de forma imotivada, por razões puramente políticas.
6 Conclusão
Dessa forma, concluímos pela inexistência de inconstitucionalidade formal ou material na Medida Provisória nº 668/15 que promoveu a elevação de alíquotas do PIS/COFINS-Importação que não se confundem com as contribuições sociais do PIS/COFINS incidentes sobre o faturamento ou receita bruta de que trata o art. 195, I, b da CF.
SP, 18-5-15.
por Kiyoshi Harada Jurista, com 30 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
Fonte: Harada Advogados
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