quinta-feira, 16 de julho de 2015

16/07 Créditos de PIS e COFINS: acórdão do CARF adota critério de custo por absorção, da legislação do imposto de renda, no conceito de insumos. Frete entre estabelecimentos e crédito extemporâneo. Questões conexas

O propósito deste breve comentário é noticiar a existência de um interessante precedente, proferido pelo CARF, a respeito do alcance do que sejam "insumos", na forma usada pelo inciso II, do art. 3º, das Leis nº 10.637, de 30.12.2002, e nº 10.833, de 29.12.2003.

Trata-se do acórdão n. 3403-002718, proferido em 29.1.2014, pela 4ª Câmara da 3ª Turma Ordinária da 3ª Seção do CARF, publicado em 21.3.2014. A controvérsia girou em torno de pedido de ressarcimento de saldo credor da contribuição ao PIS, cumulado com compensações, realizadas com base no crédito pleiteado.

O crédito objeto de pedido de ressarcimento gerou um debate envolvendo várias questões atualmente em voga, como os requisitos para aproveitamento de crédito extemporâneo, as hipóteses em que os gastos com frete de produtos entre estabelecimentos do próprio contribuinte são ou não autorizados, a possibilidade de aproveitamento de crédito na aquisição de insumos de produtores rurais pessoas físicas, entre outras questões.

Mas o ponto mais interessante a relatar dessa decisão, e no qual focaremos, é a definição da abrangência do conceito de "insumo", na forma usada pela legislação do PIS e da COFINS não cumulativos.

Conceito de "insumo"

O relator do caso, Conselheiro Marcos Tranchesi Ortiz, deixou consignado expressamente o entendimento de que o critério de custos e despesas, utilizado pela legislação do IRPJ, deve ser adotado para fins de apuração dos créditos das duas contribuições, quando incidentes sobre os insumos de produção ou da prestação de serviços. E o fez de maneira bem fundamentada, conforme veremos a seguir.

Em primeiro lugar, acompanhando a tendência já quase pacificada da jurisprudência administrativa (01), afastou a adoção do conceito de "insumo" adotado pela a Instrução Normativa SRF nº 247, de 11.11.2002, e pela a Instrução Normativa SRF nº 404, de 12.3.2004, sabidamente baseado na legislação do IPI e do ICMS, por restringir, sem qualquer base legal, a eficácia do inciso II do art. 3º das Leis nº 10.637 e 10.833, para fins da apuração dos créditos de PIS e COFINS.

No entanto, ao fazê-lo, longe de apenas seguir um entendimento quase pacificado, manifestou coerência com o resto da fundamentação expedida no aresto. O relator do acórdão comunga do entendimento de que a não-cumulatividade do PIS e da COFINS não tem matriz constitucional, o que permitiu que a decisão pela adoção ou não da cumulatividade, bem como sobre o regramento de sua operacionalidade, fossem exercidos dentro de uma esfera de discricionariedade conferida ao legislador ordinário.

Tal discricionariedade possibilitou, prossegue o voto, a adoção de uma não-cumulatividade imprópria, "imprópria por cotejar, de um lado, base de cálculo composta pela totalidade das receitas da pessoa jurídica e, de outro, não admitir senão determinadas deduções, definidas em lista taxativa. Imprópria também porque o direito de crédito garantido não corresponde, sempre e necessariamente, aos valores de PIS e de COFINS efetivamente devidos na incidência anterior", nas palavras do relator do caso.

Em razão dessa peculiaridade do regime não cumulativo do PIS e da COFINS, é possível perceber a impropriedade em lançar mão de conceitos extraídos da legislação do IPI e do ICMS, uma vez que esses impostos visam onerar operações sucessivas numa mesma cadeia econômica, enquanto as duas contribuições incidem sobre fato jurídico específico, a obtenção de receita, fato este independente de acontecimentos anteriores ou posteriores. Assim, as diferenças na sistemática adotada entre os regimes não cumulativos citados decorreriam da natureza específica de cada um dos respectivos tributos.

Prossegue ressaltando o relator que, se as hipóteses de incidência do IPI e do ICMS gravam a circulação econômica de uma coisa, o direito de crédito que realiza a não-cumulatividade desses dois impostos resulta do ingresso desta coisa, e de outras que com ela interagem, para, transformadas, se submeterem a nova etapa de circulação, de modo que a limitação do que sejam "insumos", no caso desses dois tributos, justifica-se em função dessa inerência.

Já quanto ao PIS e à COFINS, tal não ocorre. Se estas duas contribuições oneram o fato jurídico consistente na obtenção de receita, conclui o relator, citando as lições de RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA,

"constituem-se em insumos para a produção de bens ou serviços não apenas as matérias-primas, os produtos intermediários, os materiais de embalagem e outros bens quando sofram alteração, mas todos os custos diretos e indiretos de produção, e até mesmo despesas que não sejam registradas contabilmente a débito do custo, mas que contribuam para a produção (02)".

Explica o relator do acórdão nº 3403-002718, que o entendimento fundamenta-se no conceito de "custo por absorção", usado pela legislação do IRPJ para determinar os custos da atividade produtiva na apuração do resultado tributável; e que, por esse critério - enunciado pelo art. 13 do Decreto-lei nº 1.598, de 26.12.1977, e reproduzido no art. 290 do RIR/99 -, os custos de produção dos bens e serviços deve compreender todos os custos diretos e indiretos necessários para colocar o item em condições de venda ou de prestar os serviços.

Na esteira dessa argumentação, conclui o conselheiro, que, além de outros itens que possam ser considerados no conceito de "insumos", tomando por base o critério de "custo por absorção" utilizado na legislação do IRPJ, deve-se sempre considerar

"(i) o custo de aquisição dos materiais envolvidos na produção, (ii) o custo de mão-de-obra direta, compreendendo a remuneração do pessoal vinculado à produção e os respectivos encargos sociais e previdenciários, e (iii) os gastos gerais de fabricação, também chamados de custos indiretos, entre os quais inspeção, manutenção, almoxarifado, supervisão, depreciação, energia, seguros, etc".

Ao adotar o conceito de "custo por absorção", o acórdão n. 3403-002718 manifesta um entendimento bastante coerente e razoável do que sejam, atualmente, "insumos" de produção ou de prestação de serviços, levando em consideração que o regime jurídico do PIS e da COFINS não cumulativos, bem como sua própria estruturação jurídica como norma tributária, visam gravar a obtenção de receitas. Tal fato, considerado à luz do elemento finalístico da não cumulatividade, qual seja, a desoneração da incidência em cascata observada em diversos setores da produção industrial e da prestação de serviços, permite conferir maior efetividade aos objetivos visados pelas Leis nº 10.637 e 10.833, ao veicular um conceito de "insumos" coerente com a realidade dos custos empresariais necessários à obtenção daquelas mesmas receitas que serão objeto da tributação.

De modo que o precedente aqui comentado traz considerações importantes ao debate, principalmente se levarmos em conta que a tendência atual majoritária, na jurisprudência do CARF, é afastar a adoção do conceito de "insumos" trazido pela IN SRF nº 247 e pela IN SRF nº 404, mas, na mesma medida, afastar o critério de custos e despesas, na forma posta pela legislação do imposto de renda (03), o que nos parece um entendimento equivocado.

Registre-se que a adoção do conceito de custo por absorção, previsto na legislação do imposto de renda, é um critério seguro para se determinar a vinculação de um determinado gasto com a produção. Isso não significa, por essa linha, que toda e qualquer despesa necessária para a legislação do imposto de renda (RIR/99, art. 299) gera créditos das contribuições em questão, como já se entendeu em outros precedentes. O entendimento adotado é no sentido de que insumo é somente aquele gasto vinculado à produção, sendo o custo por absorção mero critério para identificação dessa vinculação.

Fretes

O acórdão nº 3403-002718 examinou também a questão do direito ao crédito, das contribuições, sobre os gastos realizados com frete, no transporte de produtos entre estabelecimentos do próprio contribuinte.

Coerentemente com a definição de "insumo" exposta acima, o conselheiro relator da decisão objeto destes comentários entendeu que os gastos com frete, no transporte de produtos inacabados, entre unidades fabris do próprio contribuinte, ou destas para estabelecimentos de terceiros, dão direito ao crédito por constituírem custo de produção, na forma do art. 290 do RIR/99, enquadrando-se, portanto, no conceito de insumo.

Em raciocínio semelhante, o acórdão ponderou que os gastos com frete, na aquisição de matérias-primas, materiais para embalagens ou produtos intermediários, também estão incluídos no custo da aquisição daqueles produtos, autorizando o creditamento com base no inciso I do art. 3º (bens adquiridos para revenda).

No entanto, apesar de ter manifestado esse entendimento bastante abrangente - e, a nosso ver, correto, repita-se - quanto ao conceito de "insumo", no que tange a interpretação do inciso IX do art. 3º, da Lei nº 10.833, o qual autoriza o crédito com gastos de frete nas operações de venda, o conselheiro seguiu o entendimento atualmente majoritário no CARF, de que, na hipótese, apenas os gastos diretamente vinculados a operações de venda têm o condão de gerar créditos de PIS e COFINS, com base no inciso IX do art. 3º. Como, no caso concreto, prossegue a decisão, o transporte de produtos acabados, entre estabelecimentos do próprio contribuinte, não se enquadra em nenhuma das três hipóteses mencionadas, a glosa do crédito neste quesito foi mantida.

Apesar de os gastos com frete, a depender da hipótese, poderem, realmente, ser enquadrados ora no conceito de insumos, ora no conceito de despesas em operações de vendas, nos parece que, quanto a esta última hipótese, não deve ser levada em conta a existência de uma vinculação direta à determinada operação de venda. Muitas vezes, por questões de logística, os produtos vendidos necessitam antes transitar por outros estabelecimentos do contribuinte até chegar ao seu destino final, qual seja, o comprador.

Esta hipótese está dentro da previsão do inciso IX, do art. 3º, da Lei nº 10.833, o qual não restringe a sua aplicação aos gastos com frete no transporte direto da empresa ao comprador, mas o "frete na operação de venda", a qual pode, perfeitamente, contar com etapas distintas, por razões de logística, até sua entrega final.

Exemplos concretos de decisões baseadas nesse mesmo entendimento podem ser vistos nos acórdãos nº 3202-000594, nº 3202-000595, nº 3202-000596 e nº 3202-000597, todos julgados em 28.11.2012. Nestas decisões, foi negado o crédito porque, na operação de venda analisada, o produto vendido era anteriormente enviado para um dos diversos centros de distribuição da empresa, justamente aquele localizado mais próximo ao adquirente, para depois ser remetido a este. O CARF, no entanto, negou o direito ao crédito em razão de o transporte das mercadorias vendidas ter sido feita por etapas, e não diretamente ao comprador.

Ainda que o acórdão nº 3403-002718 não entre em detalhes a esse respeito, a distinção adotada quanto às possibilidades de creditamento dos gastos com frete segue a linha predominante da atual jurisprudência do CARF de não conceder o crédito quando o transporte, entre estabelecimentos do próprio contribuinte, for de produtos acabados, a menos que numa operação de venda direta ao adquirente. Esse entendimento reconhece o direito de crédito apenas quando os produtos transportados entre os estabelecimentos forem produtos inacabados, em elaboração, ou matéria-prima (04).

E, como visto, este critério é discutível, pois o transporte de produtos acabados entre os estabelecimentos pode estar inserido numa operação de venda. A nosso ver, este é o critério legal: o gasto com frete referir-se a uma operação de venda e não se, na operação de venda, o transporte é feito diretamente ao adquirente ou se, por questões logísticas, deve passar primeiro por outros estabelecimentos do produtor.

Créditos extemporâneos

Por fim, interessante registrar que o acórdão nº 3403-002718 reconheceu a possibilidade de aproveitamento extemporâneo de créditos de PIS e COFINS sem que haja obrigação de retificar a DACON com a consequente apuração da contribuição paga a maior, se houver, ou alteração do saldo do trimestre a ser repassado para o trimestre seguinte, como exigia o Fisco na autuação (05).

Segundo o entendimento manifestado, o aproveitamento extemporâneo pode ser feito de duas maneiras: ou (i) no mês em que o crédito foi gerado, retificando a DACON do período, e dos subsequentes, bem como a DCTF, para, então, compensar com DCOMP, o valor que recolhido a maior, inclusive atualizado; ou (ii) aproveitar o crédito no período de apuração corrente, incluindo na DACON, sem qualquer retificação de declarações passadas, mas aproveitando-o pelo seu valor nominal, sem atualização.

A decisão parece correta porque não existe qualquer dispositivo, na legislação do PIS e da COFINS não-cumulativos, que obrigue o contribuinte a proceder à retificação de documentos para o aproveitamento extemporâneos de créditos. Há apenas a autorização expressa para o seu aproveitamento nos meses subsequentes, quando não usados no respectivo mês de apuração (§ 4º do art. 3º das Leis nº 10.637 e 10.833), e a vedação ao cômputo de qualquer atualização monetária ou incidência de juros sobre os créditos extemporâneos (art. 13 da Lei nº 10.833, aplicável também aos créditos de PIS por força do inciso VI do art. 15).

Assim, a legislação permite o aproveitamento extemporâneo, desde que sem qualquer atualização monetária. Por outro lado, se o contribuinte quiser apropriar o crédito no mês em que foi gerado, daí sim nasce a necessidade de retificação da DACON e DCTF, em razão das alterações que serão processadas em decorrência do cômputo do crédito extemporâneo, as quais precisam ser levadas ao conhecimento do Fisco, até porque o aproveitamento do crédito fatalmente irá diminuir o valor devido de PIS e COFINS, gerando indébito tributário, o qual poderá ser objeto de pedido de restituição e compensação. É sobre o valor recolhido a maior que o acórdão nº 3403-002718 reconhece o direito à atualização.

Em suma, trata-se de decisão importante a respeito da sistemática não cumulativa das contribuições ao PIS e COFINS. Embora os temas julgados não sejam inéditos, a decisão merece destaque pela sua fundamentação técnica bastante profunda.

Notas

(01) Dizemos "quase pacificada" porque, apesar da imensa maioria das decisões atuais militar no sentido de afastar a aplicação das mencionadas instruções normativas na definição do que sejam "insumos", é possível, não obstante, relatar a existência de decisões relativamente recentes que validaram a aplicação do conceito na forma dada pela RFB, mediante aquelas instruções normativas. É o caso, por exemplo, do acórdão 3302-002530, de 25.3.2013 (publicado no DOU em 1.4.2013) ou do acórdão 3808-003595, de 23.10.2012 (publicado no DOU em 21.1.2013). Reafirme-se, todavia, a tendência majoritária da jurisprudência administrativa no sentido de declarar a ilegalidade das restrições ao conceito de insumos, veiculadas pela IN SRF n. 247 e pela a INSRF n. 404.

(02) "Aspectos Relacionados à ?Não-Cumulatividade? da COFINS e da Contribuição ao PIS". In: PIS e COFINS - Questões Atuais e Polêmicas. Coord. Marcelo Magalhães Peixoto e Octavio Campos Fischer. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p 47.

(03) Com efeito, se além do acórdão n. 3403-002718, objeto destes comentários, é possível citarmos outros precedentes que adotam os critérios da legislação do IRPJ (por exemplo, os acórdão n. 3803-003749, de 28.11.2012, e n. 3401-002389, de 25.9.2013), a maioria das decisões atuais vem se manifestando efetivamente pela não adoção dos parâmetros dados pela legislação do imposto de renda. A esse respeito, vide, a guisa de exemplo, os seguintes acórdãos: n. 3403-002824 de 27.2.2014; n. 3403-002764 e n. 3403-002765, e n. 3403-002783 e 3403-002784, todos de 25.2.2014; 3202-001003, de 26.11.2013; 3102-002045, de 25.9.2013; e os acórdãos n. 3302-002260, n. 3302-002261 e n. 3302-002263, todos de 20.8.2013.

(04) Nesse sentido, são os seguintes acórdãos: n. 3302-001166, n. 3302-001167, n. 3302-001168, n. 3302-001171 e n. 3302-001172, todos de 11.8.2011; n. 3403-001556 a 3403-001564, todos de 25.4.2012; n. 3802-001310 a n. 3802-001322, todos julgados em 26.9.2012; n. 3803-003595, de 23.10.2012; n. 3403-001994 a n. 3403-002010, julgados em 21.3.2013; n. 3302-002025, n. 3302-002026 e n. 3302-002027, de 23.4.2013; n. 3302-002260, n. 3302-002261, n. 3302-002262 e 3302-002263, de 20.8.2013; n. 3102-002043 em. 3102-002044, julgados em 25.9.2013; n. 3801-002668, de 29.1.2014; 3302-002464 a 3302-002472, todos de 26.2.2014; e n. 3402-002361, julgado na sessão de 25.4.2014.

(05) Esse entendimento da Receita Federal, sobre a exigência de retificação prévia da DCTF e da DACON, para o aproveitamento de créditos extemporâneos pode ser visto nas seguintes soluções de consulta: SC n. 11, proferida pela 9ª Região Fiscal, em 18.1.2013; SC n. 169, também proferida pela 9ª Região Fiscal, em 29.8.2012; SC n. 73, proferida pela 10ª Região Fiscal, em 20.4.2012; SC n. 225, proferida pela 9ª Região Fiscal, em 8.11.2011; e SC n. 156, proferida pela 6ª Região Fiscal em 9.12.2010.

por Bruno Fajersztajn
      Fernando Mariz Masagão

Fonte: FISCOSoft

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