A ordem tributária pode ser definida, em conjunto com os princípios republicano, federativo e democrático, como um arcabouço normativo tendente a disciplinar a ação tributária como um todo, exercida pelo Poder Público, com o intuito de arrecadar recursos para o Estado e resguardar o erário de ataques criminosos, tendentes a dilapidar os tesouros comuns. Ou seja, o principal objetivo da regulação do sistema tributário é arrecadar recursos e resguardar o cofre público dos ataques tendentes a dilapidar o patrimônio público.
As administrações tributárias, por sua vez, podem ser retratadas por um conjunto de ações praticadas pelas autoridades lançadoras, que têm por objetivo precípuo fazer com que o contribuinte cumpra os preceitos da legislação tributária e as consequentes obrigações principal e acessória, com o primordial objetivo de incrementar o erário público e não permitir que esse mesmo erário seja dilapidado.
Essas ações e atividades praticadas no âmbito fazendário devem ser realizadas num ambiente tecnicamente preparado, não sendo esta, ressalte-se, uma liberalidade das administrações públicas, mas sim uma obrigação. A competência privativa para executar as ações realizadas pela administração tributária, no que se refere à constituição do crédito tributário, é das autoridades lançadoras, as quais, ressalte-se, são as únicas que têm poder de realizar o lançamento.
A administração tributária, para ser efetiva e eficaz, exige elevado grau de autonomia financeira e funcional. Existem quatro problemas básicos que desencadeiam as maiores dificuldades, mormente no âmbito municipal: a falta de condições materiais e de estrutura para dar guarida à ação fiscalizatória; a falta de vontade política na busca pela receita própria; a vontade de não tributar os seus eleitores; e, finalmente a proximidade do administrado com o administrador.
O procedimento fiscalizatório ou a ação fiscal, como também é conhecido, é o conjunto das atividades de supervisão e controle do efetivo e integral cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, incluindo desde a identificação dos desvios no cumprimento das mesmas, até a aplicação de sanções de ofício pelo descumprimento tributário, e, ainda, a formulação da representação fiscal para fins penais.
Citam-se, na oportunidade, algumas das prerrogativas da autoridade lançadora: pode e deve proceder à constituição do crédito tributário, o qual será formalizado pelo lançamento; pode e deve iniciar o procedimento fiscalizatório quando observar indício de qualquer infração tributária ou descumprimento de obrigação acessória. Possui livre acesso a documentos e informações que interessam ao fisco, podendo formular questionários para aprimorar o serviço de auditoria. Pode requisitar e obter o auxílio da força pública policial sem autorização judicial quando impedido de adentrar no recinto do domicílio do contribuinte. Tem o dever de controlar as receitas tributárias transferidas. Possui fé pública no desempenho de suas atribuições funcionais; tem o direito de receber e portar carteira funcional, expedida por autoridade competente, revestida de fé pública e equivalente a documento de identidade para quaisquer fins legais em todo o território nacional.
Menciona-se, igualmente, na oportunidade, alguns deveres inerentes à ação fiscal: tem a autoridade lançadora o dever de zelar pela correta execução de suas funções e pela aplicação da legislação tributária. Deve observar e respeitar o sigilo fiscal em todos os atos que praticar e nos procedimentos em que atuar. Deve respeito no trato com o contribuinte, sendo obrigado a comunicar os atos praticados etc.
É muito importante salientar que a Constituição Federal, como lei maior, trata a questão tributária em detalhes e, dentre eles, faz forte referência aos princípios constitucionais tributários e ao poder de tributar, lembrando que tais princípios foram estabelecidos para a proteção do contribuinte e não para o Estado.
No que toca às administrações tributárias, faz-se mister recordar que, ainda antes do advento da Emenda Constitucional nº 42/2003, a Carta Magna determinava em seu artigo 37, inciso XVIII, que a Administração Fazendária tem preferência sobre os demais setores administrativos.
Com o advento da Emenda Constitucional 42/2003, os entes federados brasileiros passaram a ter autonomia em relação a investimentos na modernização das estruturas fazendárias; em assim sendo, a melhora na qualidade do sistema tributário local não é uma questão de vontade do gestor público, mas sim, de uma obrigação que lhe compete, considerando o verdadeiro sentido da destinação da receita tributária, que é o atendimento às necessidades públicas.
Tanto isso é verdade que o artigo 167, IV, da Constituição Federal, muito embora proíba expressamente a vinculação da receita de impostos a órgão público, fundo ou despesa, excetua, dentre outras hipóteses, especial destinação da receita de impostos às administrações tributárias, de forma a torná-las mais eficientes.
Tem-se, portanto, que não é facultado ao gestor público vincular receita de imposto para atividades específicas, com exceção da saúde, educação, atividades de administração tributária e prestação de garantias às prestações de crédito por antecipação de receita. Essa determinação de vincular receita de imposto para as atividades de administração tributária, em nosso entendimento, não é uma faculdade e sim uma obrigação constitucional, e, tanto isso é verdade, que em relação à saúde e a educação, os percentuais já foram estabelecidos pela própria Constituição Federal.
A previsão constitucional de vinculação de receita de impostos para as atividades de administração tributária (artigo 167, inciso VI da CF) é obrigatória porque não haveria sentido excetuar uma possibilidade de vinculação de receita advinda da arrecadação de impostos somente para abrilhantar o texto constitucional, ou ainda, se não fosse para cumpri-lo no modo como ocorre exatamente com o par saúde e educação. Em resumo, se fosse facultativa, não haveria necessidade de tal regra estar inserida na Constituição Federal. Se lá está é porque a Carta Magna está determinando que tal regra seja devidamente cumprida.
Ou seja, a Constituição Federal, além de excetuar a proibição de vinculação de receita de imposto para as atividades de educação e de saúde, acabou dispondo acerca de percentuais a serem obrigatoriamente aplicados para essa finalidade. Neste diapasão, forçoso é concluir que não se trata de uma faculdade a vinculação de receita do produto advindo de impostos, mas de uma obrigatoriedade, que deve ser estendida para as atividades de administração tributária.
Esta determinação constitucional não é simpática aos governantes porque tais vinculações, ao menos numa visão macro, obviamente, engessam a Administração Pública e as suas ações consistentes em manter a qualidade de vida de uma população como um todo, mas não obstante a gostar ou não gostar, devem ter ciência de que se trata de uma determinação constitucional que está inserida no sistema para ser cumprida.
O não cumprimento do referenciado comando constitucional nos leva ao que temos hoje: contadores prestando serviços para o fisco. Contadores fazendo o papel que deve ser realizado pelo fisco. Contadores trabalhando para cobrir a ineficiência estrutural das administrações tributárias. Ou seja, contribuintes pagando por uma conta que não deveria ser deles, posto que a Constituição Federal obriga os entes tributantes a aparelharem materialmente os setores especializados na constituição do crédito tributário.
Não se pode, ademais, deixar de lembrar, igualmente, que a minirreforma tributária advinda com a Emenda Constitucional 42/2003, conforme se pode verificar do artigo 37, XXII, da Constituição Federal (já acima transcrito), inseriu as autoridades lançadoras de tributos das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) como carreira típica de Estado e essencial ao seu funcionamento, o que significa dizer que esses profissionais, como integrantes de carreira de Estado, deverão ter condições de cumprir o seu papel de constituidores do crédito tributário, nos termos do artigo 142 do Código Tributário Nacional, em sua forma plena e com condições materiais para o exercício da tarefa.
Neste caso, não há mais espaço para administrações tributárias ineficientes e sem estrutura material. Os municípios, em especial, pecam nesse quesito em particular. Sempre com o pretexto de que não há recursos financeiros, estes entes ditos federados (muitos deles querem sê-lo nos direitos, mas não o são nos deveres) esquecem-se de sua missão constitucional, que é a de arrecadar para cumprir suas metas na satisfação das necessidades básicas de uma população.
Muitos municípios, principalmente os de pequeno porte, sequer possuem em seu quadro funcional, a figura da autoridade lançadora e quando resolvem efetuar tal contratação, esses profissionais, na sua grande maioria, por falta de preparo técnico e ausência de exigência de nível de escolaridade compatível com a função, acabam por desempenhar o seu papel de forma não conciliável com o rígido sistema constitucional brasileiro, em prejuízo da arrecadação, da própria população, dando margem a ações políticas isentas de transparência em relação à busca de recursos para guarnecer o erário público. Os vencimentos desses profissionais, por outro lado, também não espelham a responsabilidade que o cargo exige, fazendo-os dependentes dos governantes municipais, que, infelizmente, não os consideram como autoridades, mas como verdadeiros subalternos, o que facilita a interferência política na constituição do crédito tributário.
Em resumo, pode-se concluir que esse comportamento e essa ineficiência do fisco, percebida, principalmente em muitos dos municípios brasileiros, em total dissonância ao que prevê a ordem constitucional, prejudica de forma direta a arrecadação municipal. Em nosso entendimento, portanto, os entes tributantes, em especial os municípios, têm o dever de se equipar materialmente, a fim de proteger a arrecadação municipal, inclusive aquela advinda com as transferências tributárias constitucionais, com a criação de um fundo para as atividades de administração tributária, em obediência à exceção ao princípio da proibição de vinculação de receita de impostos, insculpido no artigo 167, IV, da Constituição Federal.
por Cleide Regina Furlani Pompermaier é procuradora do município de Blumenau (SC), membro do Conselho Municipal de Contribuintes, especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal de Santa Catarina e professora universitária de Direito Tributário.
Fonte: Conjur
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