O governo federal publicou nesta quarta-feira (22/7) a Medida Provisória 685/2015 para tentar facilitar a fiscalização tributária. De acordo com a MP, enviada ao Congresso mas já em vigor, as empresas devem enviar, até 30 de setembro de cada ano, um informe sobre planejamentos feitos no ano anterior que tenham resultado em redução do pagamento de tributos. A norma prevê ainda a consulta prévia da Receita sobre as mudanças planejadas.
A Receita Federal afirma que devem ser declaradas operações tributárias que, além de terem resultado em redução no pagamento de tributos, não tenham “razões extratributárias relevantes”. Na opinião de especialistas, foi uma maneira que o Fazenda encontrou de tratar do “propósito negocial” das operações fiscais sem usar a expressão, que ainda é alvo de inúmeros embates jurisdicionais, principalmente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
O planejamento tributário é como é conhecida a elisão fiscal: o uso de mecanismos legais e legítimos por empresas com o intuito de pagar menos impostos. No entanto, o Fisco Federal trabalha com a tese (que ainda não conta com jurisprudência pacífica) de que a elisão só é legítima se o planejamento tiver “propósito negocial” — ou seja, não pode ser feito com o único objetivo de pagar menos impostos.
Com a nova Medida Provisória, caso a Receita não reconheça as operações como planejamento legítimo, o contribuinte será intimado para pagar os tributos devidos em 30 dias, com juros de mora.
Mas o problema, segundo advogados ouvidos pela revista Consultor Jurídico, está no artigo 12 da MP. Diz o texto que, caso a empresa não repasse ao Fisco as informações da forma descrita na Medida Provisória, a Fazenda considerará que a omissão foi dolosa. Isso quer dizer que será aplicada a multa de 150% sobre o valor devido, que é a sanção imposta a fraudes tributárias.
A tributarista Ana Carolina Gandra Piá de Andrade, do Bichara Advogados, afirma que tanto o propósito negocial quanto o negócio jurídico, ambos mencionados na MP, são "temas ainda não normatizados", e por isso a legalidade da exigência "parece questionável".
Ela também critica o artigo 12, que trata da falta de informações na declaração do planejamento. Segundo a advogada, "o próprio Carf já se posicionou pela impossibilidade da presunção de dolo".
Regulamentação e jurisprudência
Segundo a advogada Elisabeth Libertuci, consultora de Direito Tributário do Trench, Rossi e Watanabe Advogados, a intenção do Fisco é agir como um consultor, mas não há regulamentação para isso. Ela conta que, em 2000, quando se discutia a regulamentação do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional, o tema surgiu, mas nunca foi resolvido.
Naquela época, lembra a advogada, se debatia de que forma a Fazenda poderia desconsiderar atos jurídicos feitos com a intenção de não pagar impostos. Duas correntes se tornaram majoritárias. Uma defendia a criação de um foro, ou uma espécie de conselho paritário, com o objetivo específico de discutir o que poderia ou não ser desconsiderado pela fiscalização tributária. A outra militava pela criação de uma regulamentação posterior, a ser escrita pela Fazenda.
Ganhou a segunda, e a Lei Complementar 104 estabeleceu que o Fisco pode desconsiderar atos jurídicos praticados com a intenção de “dissimular fato gerador de imposto”, desde que “observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”. Só que essa lei ordinária nunca foi feita, lamenta Elisabeth Libertuci.
“Veio uma saída quase que pela porta dos fundos: você me conta o que fez e eu te digo se você podia ou não ter feito. Se eu entender que não, você está automaticamente autuado”, comenta a advogada.
Ela também critica a menção a “omissão dolosa” no caso de faltar informações na declaração do planejamento tributário. “É uma mensagem subliminar. 'Se você não levar a informação, está nos autorizando a, além de autuar, tratar o caso como fraude fiscal e aplicar uma multa de 150%'. É um critério de inibição, como se estivesse colocando o contribuinte contra a parede.”
Fiscalização prévia
Para o professor da USP Fernando Facury Scaff, sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Piheiro e Scaff, a MP é inconstitucional. Segundo ele, a norma obriga o contribuinte a informar ao Fisco sobre “todo e qualquer ajuste que pretenda realizar”.
“Com isso, a liberdade negocial, prevista na Constituição Federal, será substancialmente cerceada. É uma tutela prévia, parece-me inconstitucional." O professor lembra ainda que o verbo utilizado no artigo 7º da MP, que define declaração dos planejamentos, "é ‘deverá’ e não ‘poderá’, criando uma obrigação, não uma faculade”.
Para Scaff, a Medida Provisória cria “uma forma autoritária de fiscalizar”. “A coisa se inverteu. Não tenho mais liberdade de fazer do jeito que entendo mais adequado. Todo mundo, todo dia, busca pagar menos imposto, mas agora sou obrigado a prestar contas prévias à Receita.”
Fonte: Conjur
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