segunda-feira, 27 de outubro de 2014

27/10 Pressão na economia

A presidente reeleita, Dilma Rousseff, não deu indicação explícita de como vai conduzir a economia. Por meio das críticas extremas que fez a seus adversários durante a campanha, pareceu indicar de modo implícito que não pretende fazer mudança alguma. Mas a pressão por novidades parte mesmo do entorno da presidente.

A pressão parte de Lula. De economistas próximos do petismo ou ex-integrantes de governos petistas. A presidente terá dificuldade de nomear uma equipe econômica com credibilidade e que aceite continuar o programa dilmiano nos mesmos termos de 2011-2014. O que resultará da resistência de Dilma e dessas pressões é mistério até para quem trabalhou na equipe econômica do primeiro mandato.

A presidente muito se queixou dos efeitos da crise mundial sobre a economia em seu governo. As melhorias previstas para os próximos anos não favorecerão o Brasil no estado em que está. Sem mudanças domésticas, haverá o risco de correção abrupta.

As mudanças de curto prazo, aquelas necessárias só para estabilizar a economia em crescimento de baixo a moderado, envolvem a contenção provisória da alta do consumo. O instrumento será alguma combinação de redução de gasto público, aumento de impostos e alta de juros.

O peso do "ajuste" pode ser distribuído de modo socialmente mais ou menos justo. Mas implica contenção do consumo, de salários. Não é preciso talhar gastos de programas sociais. Mas, por um tempo, eles terão de crescer mais devagar ou quase nada.

CRISE MUNDIAL

A economia global deve andar mais rápido nos próximos cinco anos. Ainda assim, há risco de a transição para dias melhores ser acidentada. E o crescimento estará longe do ritmo anterior à crise de 2008; o balanço dos motores da economia mundial será diferente, pois os grandes "emergentes" crescerão mais devagar, como a China.

O andar da carruagem global não determina o ritmo do Brasil, embora o influencie. A influência será tanto mais nociva quanto mais a economia permanecer "frágil". Ainda que ventos não sejam muito contrários, sem mudança o país terá dificuldade de sair da quase-estagnação.

A fim de se fortalecer, o país terá de passar por uma transição, voluntária e organizada, ou turbulenta imposta pelo "mercado". "Mercado" significa apenas os credores do governo e do país.

O crescimento menos rápido de "emergentes" tende a reduzir os preços de nossas exportações (de ferro, comida etc.). Caso o crescimento americano se firme e Europa e Japão não desandem, haverá mudança na política monetária internacional. Ou seja, haverá menos capital barato sobrando no mundo.

A baixa relativa do preço das mercadorias que vendemos e o crédito mais escasso tendem a evidenciar mais um sintoma de nossos problemas: excesso de consumo.

O Brasil consome mais que produz. Compra no exterior esses bens e serviços que faltam. Isto é, tem deficit em conta-corrente. Para financiá-lo, precisa de empréstimos e/ou investimentos do exterior, "em dólar". Dentro de certos limites e se a economia cresce bem, o deficit é financiável de modo tranquilo.

Em meados de 2005, o Brasil tinha um raro superavit em conta-corrente, de 1,9% do PIB. Em setembro passado, o deficit chegou a 3,7% do PIB. Uma brutal inversão de 5,6% do PIB.

FRAGILIZAÇÃO

O país ainda financia com certa tranquilidade o deficit, que, em outros tempos, prenunciaria crise (seca de crédito, desvalorização da moeda, recessão, visita ao FMI). Não foi assim agora porque a economia tem estado mais arrumada: dívida pública ainda controlada, grandes reservas internacionais (dinheiro no caixa "em dólar").

Mas a economia se desarranjou aos poucos nos últimos cinco anos. Passou a crescer quase nada (quem não cresce não tem como pagar dívidas).

O país não cresce porque a produtividade não aumenta, porque há pouco investimento e porque o país agrega agora menos gente a sua força de trabalho. O investimento privado caiu; o governo gastou mais, mas não investiu mais em "obras". O consumo cresceu ainda bem, embora em velocidade decrescente; a produção estagnou.

Em parte, o crescimento do consumo foi bancado por excesso de gasto do governo (mais dívida, via gasto direto ou redução de impostos) e por meio de crédito artificialmente barato dos grandes públicos. Tais excessos se evidenciam em deficit externo e inflação persistente.

O novo cenário mundial pode dificultar o financiamento do deficit externo. O Brasil enfrentará tal situação com menos instrumentos de reação: se não pode baixar juros (dada a inflação), o governo não tem como gastar mais. De resto, o governo sofre de descrédito por maquiar os números das contas públicas, fazer pouco-caso de reformas e intervir de modo contraproducente na economia.

Em caso de descrédito agudo, o "ajuste" será imposto pela indisposição dos credores de financiar tais desequilíbrios: a moeda vai se desvalorizar, a inflação será mais pressionada, o juro subirá, os salários reais cairão. A alternativa ao ajuste voluntário é permanecer na quase-estagnação (crescer até 2% ao ano), à espera de uma arrumação de casa imposta de fora, caótica e perigosa.

por VINICIUS TORRES FREIRE

Fonte: Folha de S. Paulo
Via Fenacon

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