Segundo sábia expressão latina, a lei não socorre os que dormem (“dormientibus non succurrit jus”). Essa regra encontra-se refletida no artigo 177 do Código de Processo Civil (CPC), segundo o qual os atos processuais serão realizados nos prazos previstos em lei.
No campo do direito processual tributário, a lei prevê diversos prazos para realização de atos, seja por parte da Fazenda, seja do contribuinte.
Como não poderia deixar de ser, a não observação do termo legal resulta em sérias consequências ao infrator, seja a Fazenda, seja o contribuinte.
O desrespeito ao prazo de 360 dias implica desoneração dos juros que seriam exigíveis após o decurso desse período
Muito embora a lei tenha fixado prazos específicos para a realização de determinados atos, pouco tem sido dito sobre as consequências decorrentes do desrespeito dessas normas pela administração pública.
A Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, estendeu a lista de direitos e garantias fundamentais a que se refere o artigo 5º, acrescentando-lhe o inciso LXXVIII para assegurar a todos o direito à razoável duração do processo judicial ou administrativo, bem assim aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Por sua vez, o artigo 37 da Carta Magna submete a administração pública de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios aos princípios da moralidade e da eficiência, sob pena de responsabilização pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Adota-se nessa matéria a teoria da responsabilidade objetiva do Estado, com fundamento no risco que é inerente à atividade estatal. Fica também assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
No âmbito federal, o regimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) aprovado pela Portaria nº 256 (Ricarf), de 22 de junho de 2009, do ministro da Fazenda, estabelece, há muito, o prazo máximo de seis meses, prorrogável por igual período, para inclusão de feito na pauta de julgamento, sob pena de perda do mandato do conselheiro designado para relatá-lo (artigo 45, II, do Ricarf)
Em se tratando de julgamentos convertidos em diligência – assim entendido o procedimento destinado à coleta de informações ou outros elementos de interesse da administração tributária, inclusive para atender exigência de instrução processual -, o prazo para conclusão dos trabalhos pela administração tributária é de três meses (artigo 50, II do Ricarf).
Na prática, é sabido que tais normas raramente são observadas em função do elevado número de processos e da complexidade das matérias discutidas.
Nada disso justifica, contudo, o excesso de prazo verificado no julgamento de processos administrativos federais, que não raro, consomem mais de dez anos para que se chegue a um desfecho.
Preocupado com essa questão, o legislador houve por bem fixar, por meio do artigo 24 da Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007, o prazo máximo de 360 dias para prolação de decisão administrativa, contados a partir do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte.
Trata-se de medida muito bem-vinda em nosso ordenamento, pois como ensinava Rui Barbosa, justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada.
Lamentavelmente, apesar da existência de lei determinando essa obrigatoriedade, são raríssimos os casos em que essa determinação é obedecida.
É verdade que a referida lei não estabelece penalidades àqueles que a descumprirem, mas isso não significa que o contribuinte possa ficar aguardando indefinidamente uma decisão que ao final lhe seja desfavorável, pois admitir isso significaria concordar com a sua penalização por evento ao qual não deu causa, qual seja, e exigência de juros moratórios provocada pela ineficiência da administração.
Aliás, fosse isso admissível, a Fazenda estaria se aproveitando da própria torpeza para penalizar o contribuinte, infringindo princípio consagrado há séculos pelo direito romano (nemo auditur propriam turpitudinem allegans).
Assim, a partir do advento da Lei nº 11.457, de 2007, o desrespeito ao prazo de 360 dias implica, em nossa interpretação, desoneração dos juros que seriam exigíveis após o decurso desse período, pois nesse caso inverte-se a mora, que deixa de ser do contribuinte, e passa a ser da administração tributária.
O afastamento da exigência de juros nesse caso pode ser requerida em qualquer momento processual, não havendo que se falar em necessidade de pré-questionamento por se tratar de matéria de ordem pública.
Isso significa que se no curso do processo administrativo federal a impugnação oposta pelo contribuinte não for decidida no prazo de 360 dias, os juros apurados pela administração tributária após esse período não são exigíveis. Da mesma forma, os juros no caso de recurso voluntário contra decisão de primeiro grau, ou de recurso especial contra decisão proferida por uma das turmas do Carf, também deixam de ser devidos após o decurso do se não for proferida decisão no prazo de 360 dias.
Esse entendimento aplica-se não apenas aos casos de juros exigidos, mas ainda não pagos – em relação aos quais o contribuinte deve contestar a cobrança -, como também no caso de juros já pagos, ensejando repetição ou compensação mediante propositura de ação judicial.
Em se tratando de processo administrativo estadual ou municipal cuja duração não se submeta a qualquer prazo de duração, caberá ao Poder Judiciário fixá-lo, conforme pacífica jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
por Vinícius Branco é sócio de Levy & Salomão Advogados
Fonte: Valor Econômico.
Via Notícias Fiscais
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