Mesmo após um ano do início da vigência da Lei nº 12.741/2012 e mais de um ano e meio de sua publicação poucos são os estabelecimentos que se adequaram às novas regras trazidas pela intitulada "Lei da Transparência" e são inúmeras as dúvidas quanto ao cumprimento da obrigação de indicar nos documentos a carga tributária incidente na operação ou prestação.
Publicada no DOU de 10.12.2012, a "Lei da Transparência" entrou em vigor em 10.06.2013, contudo o dispositivo que previa a aplicação de penalidades aos estabelecimentos que deixassem de cumpri-la foi alterado pela Lei nº 12.868/2013, para estabelecer que somente haveria aplicação das penalidades doze meses após o início da vigência, ou seja, a partir de 10.06.2014.
Diante da ausência de norma coercitiva (penalidade) e das dificuldades em cumprir o estabelecido pela Lei nº 12.741, sobretudo no que se refere a apuração da carga tributária incidente na formação do preço das mercadorias e serviços, muitos estabelecimentos postergaram o cumprimento da obrigatoriedade, de forma que atualmente poucas são as empresas que estão aptas à informar em seus documentos fiscais ou equivalentes o percentual dos tributos.
Em 06.06.2014, véspera do prazo fixado pela Lei nº 12.868/2013 para início da aplicação das penalidades, atendendo ao apelo das empresas que ainda não estavam preparadas para cumprir a obrigação, foi publicada no DOU a Medida Provisória nº 649/2014 para alterar a redação do artigo 5º da Lei nº 12.741/2012 e estabelecer que até 31.12.2014 a fiscalização teria caráter exclusivamente orientador.
Contudo, não convertida em lei, a Medida Provisória nº 649/2014 teve seu prazo de vigência encerrado em 03.10.2014, ou seja, desde 04.10.2014 os contribuintes que deixarem de cumprir as disposições da "Lei da Transparência" estarão sujeitos "às sanções previstas no Capítulo VII do Título I da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990" (art. 5º, Lei nº 12.741/12).
Obrigatoriedade de divulgação da carga tributária aos consumidores
No que tange ao cumprimento da obrigação estabelecida "Lei da Transparência", primeiramente, é preciso esclarecer que a mencionada obrigação não decorre da necessidade de atender a exigência fiscal/tributária, mas da necessidade de cumprir um direito garantido aos consumidores pelo §5º do artigo 150 da Constituição Federal, a saber:
"§5º A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços".
Desta forma, visando garantir aos consumidores o direito constitucional de conhecer a carga tributária incidente no preço pago na aquisição de mercadorias e serviços, a Lei nº 12.741/2014 estabeleceu a obrigatoriedade dos estabelecimentos indicarem em documento fiscal, equivalente a fiscal ou em painel afixado em local visível o valor aproximado dos tributos federais, estaduais e municipais, incidentes sobre mercadorias e serviços.
Entre os tributos que devem ser considerados na apuração da carga tributária, quando influírem na formação do preço, a Lei nº 12.741/2012 e o Decreto nº 8.264/2014 listaram:
a) Imposto sobre Operações relativas a Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS;
b) Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS;
c) Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI;
d) Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários - IOF, na hipótese de produtos financeiros sobre os quais incida diretamente o tributo;
e) Contribuição Social para o Programa de Integração Social - PIS e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público - Pasep, limitada à tributação incidente sobre a operação de venda ao consumidor;
f) Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins, limitada à tributação incidente sobre a operação de venda ao consumidor;
g) Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, incidente sobre a importação e a comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados, e álcool etílico combustível - Cide.
h) Imposto de Importação, PIS/Pasep-Importação e à Cofins-Importação, na hipótese de produtos cujos insumos ou componentes sejam oriundos de operações de comércio exterior e representem percentual superior a 20% do preço de venda;
i) Contribuição Previdenciária, sempre que o pagamento de pessoal constituir item de custo direto do serviço ou produto fornecido ao consumidor.
De acordo com o disposto na Lei nº 12.741/2012 e no Decreto nº 8.264/2014, os estabelececimentos devem apurar os valores aproximados do montante dos referidos tributos incidentes na operação ou prestação, podendo:
"ser calculados e fornecidos, semestralmente, por instituição de âmbito nacional reconhecidamente idônea, voltada primordialmente à apuração e análise de dados econômicos" e baseados em "médias estimadas dos diversos tributos e baseados nas tabelas da Nomenclatura Comum do Mercosul - NCM e da Nomenclatura Brasileira de Serviços - NBS" (art. 5º, Dec. nº 8.264/2014).
No tocante ao procedimento para informação dos referidos valores aos consumidores é importante observar que, embora a Lei não tenha estabelecido a obrigatoriedade de segregar os valores por ente tributante, o Decreto nº 8.264/2014, estabeleceu em seu artigo 2º, que:
"nas vendas ao consumidor, a informação, nos documentos fiscais, relativa ao valor aproximado dos tributos federais, estaduais e municipais que influem na formação dos preços de mercadorias e serviços, constará de três resultados segregados para cada ente tributante, que aglutinarão as somas dos valores ou percentuais apurados em cada ente".
Inovações estabelecidas pelo Decreto nº 8.264/2014
Com o escopo de regulamentar a Lei nº 12.741/2012, foi publicado no DOU de 06.06.2014 o Decreto 8.264/2014 que, embora tenha traçado algumas diretrizes para o cumprimento da obrigação de divulgar aos consumidores o valor dos tributos incidentes no preço das mercadorias e serviços, limitou-se em muitos de seus dispositivos a repetir os termos da referida Lei.
Entre as novidades estabelecidas pelo Decreto nº 8.264/2014, a necessidade de segregar os tributos por ente tributante parece ser a mais impactante, visto que, até então, o entendimento que vinha prevalecendo era no sentido de que deveria ser informado um único valor compreendendo a totalidade dos tributos.
Outras pontos significativos que merecem no Decreto nº 8.264/2014 são:
a) a possibilidade de informar a carga tributária relativa à última etapa da cadeia produtiva, "acrescida de percentual ou valor nominal estimado a título de IPI, substituição tributária e outra incidência tributária anterior monofásica eventualmente ocorrida" (art. 3º, §7º);
b) a limitação à possibilidade das informações serem prestadas através de "painel afixado em local visível do estabelecimento" somente nas hipóteses em que "não seja obrigatória a emissão de documento fiscal ou equivalente" (art. 4º);
c) a possibilidade do cálculo ser elaborado com "médias estimadas dos diversos tributos e baseados nas tabelas da Nomenclatura Comum do Mercosul - NCM e da Nomenclatura Brasileira de Serviços - NBS" (art. 5º, parágrafo único);
d) o esclarecimento de que a indicação dos "valores e percentuais (...) têm caráter meramente informativo, visando somente ao esclarecimento dos consumidores" (art. 6º);
e) a faculdade do Microempreendedor Individual - MEI, optante do Simples Nacional, optar ou não pelo cumprimento da obrigação (art. 8º);
f) a possibilidade da Microempresa e a Empresa de Pequeno Porte, optantes do Simples Nacional, informar "apenas a alíquota a que se encontram sujeitas nos termos do referido regime, desde que acrescida de percentual ou valor nominal estimado a título de IPI, substituição tributária e outra incidência tributária anterior monofásica eventualmente ocorrida" (art. 9º).
Como se vê, apesar do Decreto nº 8.264/2014 ter esclarecido alguns pontos quanto ao cumprimento da "Lei da Transparência", não estabeleceu muitas novidades/explicações quanto a forma de sua apuração, restando aos contribuintes a esperança de que as normas a serem editadas pelo Ministério da Fazenda, Ministério da Justiça e Secretaria da Micro e Pequena Empresa da Presidência da República, em conformidade com o artigo 10 do referido Decreto, sejam mais elucidativas.
Apuração da carga tributária e conceito de consumidor
É importante observar que, apesar do Decreto nº 8.264/2014 ter abrangido dúvidas relevantes quanto ao cumprimento da Lei nº 12.741/2012, não foram muito significativos os esclarecimentos relativos ao cálculo da carga tributária e quanto à definição de consumidor final a ser adotado para o cumprimento da obrigação, pontos que concentram as maiores dúvidas das empresas até o momento.
Assim, diante da ausência de previsão específica e considerando que a "Lei da Transparência", embora vinculada à normas fiscais/tributárias, visa atender uma necessidade da área consumerista (Direito do Consumidor), prevalece o entendimento de que deve ser adotado conceito de consumidor estabelecido no artigo 2º, do Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei nº 8.078/90), a saber:
"Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".
Nesse ínterim, convém ressaltar que, embora existam várias correntes doutrinárias quanto a abrangência do termo "consumidor", o Superior Tribunal de Justiça - STJ pacificou entendimento quanto a aplicação da teoria finalista, no sentido de que considera-se consumidor, para fins de aplicação do CDC, a pessoa física ou jurídica destinatária final do bem ou serviço, a saber:
"DIREITO CIVIL E DIREITO DO CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL DE CARGAS. ATRASO. CDC. AFASTAMENTO. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. APLICAÇÃO.
1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica.
2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo.
3. Em situações excepcionais, todavia, esta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista, para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade.
4. Na hipótese em análise, percebe-se que, pelo panorama fático delineado pelas instâncias ordinárias e dos fatos incontroversos fixados ao longo do processo, não é possível identificar nenhum tipo de vulnerabilidade da recorrida, de modo que a aplicação do CDC deve ser afastada, devendo ser preservada a aplicação da teoria finalista na relação jurídica estabelecida entre as partes.
5. Recurso especial conhecido e provido".
(STJ - Resp 1358231/SP - Dje 17/06/2013 - Rel. Min. Nancy Andrighi)
Portanto, considerando que o escopo da Lei nº 12.741/2012 é informar o consumidor, em linhas gerais, para sua aplicação, deve-se considerar consumidor qualquer pessoa física ou jurídica que adquirir produtos ou serviços para consumo próprio, sem vinculá-lo à operação ou prestação subsequente.
Conclusão
Decorridos mais de 25 anos da promulgação da Constituição Federal, a "Lei da Transparência" veio para garantir aos consumidores o direito de ser informado quanto ao montante dos tributos incidentes nos preços das mercadorias e serviços que adquirir.
No entanto, a complexidade do sistema tributário brasileiro tem dificultado sobretudo a apuração da carga tributária incidente nas operações e prestações, o que faz com que, entre os contribuintes que estejam informando a carga tributária aos consumidores, poucos cumpram a obrigação de forma adequada.
Contudo, diante do encerramento do prazo de vigência da Medida Provisória nº 649/2014, desde 04.10.2014 os estabelecimentos que descumprirem as disposições da "Lei da Transparência" estão sujeitos às penalidades estabelecidas pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).
por Flavia de Almeida Silva
Fonte: Fiscosoft
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