O cumprimento de regras concorrenciais - o que se chama de compliance - deve começar a ganhar espaço entre as pequenas e médias empresas. Seria uma etapa natural no desenvolvimento do ambiente de negócios brasileiro, já que hoje a questão está cada vez mais consolidada no radar das grandes empresas.
A incorporação de compliance pelas empresas seria análoga à do Sistema Público de Escrituração Digital (Sped), obrigatório antes para as empresas com maior faturamento. Da mesma forma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), responsável pela manutenção da concorrência, estaria atento antes para as empresas de maior porte.
Esta primeira fase, todavia, em que o órgão antitruste dá prioridade a casos envolvendo grandes conglomerados, mostra-se cada vez mais resolvida no Brasil. Diante de punições duras dadas às empresas, são cada vez mais frequentes a assinatura de Termos de Compromisso de Cessação (TCC), em que a empresa reconhece a culpa pela prática indevida e não vai à julgamento.
"Algo que se nota nos últimos anos de atuação, e que também já de algum modo endereça e dialoga com adesão à politica de defesa da concorrência, é o aumento razoável e significativo de soluções negociadas", disse o presidente do Cade, Vinícius Marques de Carvalho, em seminário promovido pelo Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes), na ultima quinta-feira (28).
Ele diz que alguns anos antes, a maior parte das decisões do Cade era unilateral, quer dizer, sem acordo com as empresas. Já em 2013, o número de TCC disparou para 53, bem acima de 2012 (5), 2011 (3) e 2010 (11). Na quarta-feira (20), por exemplo, as gigantes sul-coreanas Samsung e LG assinaram termos assumindo participação na conduta investigada pelo Cade. Além disso, pagarão, respectivamente, R$ 8,9 e R$ 33,8 milhões a título de contribuição pecuniária.
Na medida em que o ambiente concorrencial brasileiro se desenvolve, a tendência é que as PME precisem ficar cada vez mais atentas para temas como compliance. Esse cenário já é realidade em países onde a defesa à concorrência já está mais amadurecida, disse ao DCI o presidente do Cedes, João Grandino Rodas, que também já presidiu o Cade.
Na visão dele, para as empresas de menor porte o desconhecimento das regras é um dos principais impasses. "As empresas nem sempre sabem o que estão fazendo de errado", afirma. O desconhecimento é um problema ainda mais grave diante da vulnerabilidade econômica das PME, diz ele, que podem quebrar diante de uma multa imposta pelo Cade.
Na perspectiva do órgão antitruste, uma das dificuldades é a falta de capilaridade para fiscalizar as empresas de menor porte, espalhadas pelo Brasil. Por outro lado, Grandino destaca que qualquer cidadão pode fazer uma reclamação sobre impasse concorrencial, no sentido de pedir uma indenização. Esse tipo de denúncia, diz ele, poderia contrapor a falta de capilaridade do Cade.
Supermercados
Mesmo que as questões de concorrência possam parecer distantes de empresas de menor porte, o ex-presidente do Cade afirma que em segmentos mais emblemáticos os problemas são comuns. Seriam os casos envolvendo supermercados e postos de gasolina, por exemplo.
Numa cidade pequena, por exemplo, com apenas um supermercado, seria fácil imaginar uma situação de abuso de poder dominante, afirma Grandino. Outras práticas, como favorecer mercadorias no ponto de venda, firmar contratos de exclusividade ou ainda fazer venda casada também seriam frequentes.
Nas redes maiores, até a venda de produtos com marcas próprias, por parte do supermercado, poderia ser alvo de uma investigação por parte do Cade.
Os postos de gasolina, por sua vez, são o ramo onde é mais evidente a formação de cartel, prática em que os empresários combinam o preço do produto, prejudicando os consumidores.
Em março deste ano, o Cade lançou um caderno com estudos sobre o ramo de varejo de combustíveis. A introdução do documento traz que "a atividade econômica foi escolhida dada sua representatividade para o sistema de defesa da concorrência, uma vez que se trata de um segmento com alto número de denúncias de cartéis e com jurisprudência já sedimentada".
A formação de cartel no ramo de combustíveis já foi investigada em várias ocasiões pelo Cade, envolvendo inclusive escutas telefônicas. Já em 2010 a extinta Secretaria de Direito Econômico (SDE) identificava que "a revenda de combustíveis e derivados de petróleo é o setor com maior número de denúncias de prática de cartel; cerca de quatro por semana, superando 200 denúncias por ano", diz a cartilha.
Talvez o aspecto mais relevante na identificação de um cartel por parte dos órgãos antitruste é a dimensão geográfica do mercado relevante para a empresa. Em municípios pequenos, com poucos postos, o grau de concentração do negócio tende a ser elevado, o que facilita a prática ilegal.
por Roberto Dumke
Fonte: DCI – SP
Via Fenacon
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