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Como compromisso de campanha, a candidata à Presidência da República Marina Silva (PSB) prometeu que, se eleita, irá encaminhar ao Congresso Nacional um projeto de reforma do Sistema Tributário Nacional, com o objetivo de diminuir a carga tributária hoje suportada pelas empresas e pelos cidadãos brasileiros.
O propósito da candidata é, sem dúvida, louvável. Contudo, para que a carga tributária possa diminuir sem que essa diminuição gere dificuldades de caixa insolúveis para os governos da União, dos estados e dos municípios (sem esquecer o Distrito Federal), antes de tudo seria necessário reformar o próprio Estado brasileiro.
Isso porque, se o propósito final da arrecadação é o de prover o Estado dos meios monetários para que ele cumpra as suas finalidades, não adianta pensarmos em diminuição da carga tributária sem que, necessariamente, pensemos também ou na diminuição do Estado, ou na racionalização das tarefas por ele executadas.
Pode ser que a candidata Marina Silva esteja pensando nisso: talvez por isso ela já tenha se pronunciado sobre a necessidade de as instituições financeiras privadas adotarem uma posição mais agressiva no financiamento da atividade empresarial, assumindo parte do papel hoje cumprido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o que diminuiria a necessidade de constantes aportes de recursos (públicos) nesse banco por parte do Tesouro Nacional.
Compromissos de campanha à parte, como cidadão e eleitor gostaria que todo e qualquer candidato à Presidência da República, ao governo de cada estado, ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados assumisse o compromisso irretratável de trabalhar com real afinco por uma reforma tributária que simplificasse, e muito, o Sistema Tributário Nacional.
Mais do que a inflação, mais do que a falta de infraestrutura material, mais do que a carência de mão de obra especializada, o nosso Sistema Tributário é um dos grandes óbices para o crescimento do Brasil. Explico.
Não é possível que uma simples operação de compra e veda de mercadoria ou a prestação de um serviço estejam sujeitas a múltiplas incidências tributárias, de parte de dois ou três entres tributantes diferentes[1].
Para acabar com a guerra fiscal, que serve, fundamentalmente, para empobrecer o Estado brasileiro com um todo, não é desejável que a circulação de mercadorias no território nacional esteja sujeita à legislação emanada de 26 estados e do Distrito Federal, ou que os serviços prestados no Brasil sujeitem-se, em regra, à legislação de mais de 5 mil municípios.
É desnecessário que o lucro auferido pelas empresas brasileiras esteja sujeito a dois tributos criados e cobrados pelo mesmo ente tributante, com bases de cálculo em muito semelhantes[2], da mesma forma como ocorre com as importações, que pagam quatro tributos criados e cobrados pelo mesmo ente[3].
Afora os problemas até aqui exemplificados sobre o grande número de incidências tributárias a que um evento de cunho econômico pode estar sujeito, a legislação de regência de cada um dos tributos hoje cobrados no Brasil é extensa, complexa e, por vezes, contraditória, o que leva o contribuinte a precisar despender enormes recursos, não só monetários, mas também humanos e materiais, para tentar cumprir com as obrigações que a legislação tributária lhe impõe.
Tais complexidades e contradições vêm levando a um número crescente de autuações fiscais, abarrotando as cortes administrativas e o Judiciário de demandas tributárias que se arrastam por anos, não só criando óbices cada vez maiores para uma efetiva prestação do serviço jurisdicional pelo Estado, mas também privando-o de recursos que há muito poderiam estar em seus cofres, fossem os procedimentos tributários mais claros e fáceis.
Se os problemas aqui apontados fossem solucionados por uma reforma no Sistema Tributário Nacional, talvez não fosse necessário sequer diminuir a carga tributária hoje suportada pela sociedade brasileira: os ganhos econômicos gerados pela simplificação do Sistema compensariam, e muito, qualquer diminuição no volume de tributos arrecadados pelo Estado.
Para que isso possa acontecer é relativamente simples: basta que aqueles que em 1º de janeiro próximo tomarão posse dos cargos para os quais foram eleitos tenham vontade de trabalhar um pouquinho pelo Brasil.
Todos nós iremos agradecer.
[1] Na compra e venda de mercadorias: incidência do Imposto Estadual sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de Comunicação e Transporte (ICMS) e das Contribuições, a cargo da União, para o Financiamento da Seguridade Social sobre a Receita ou Faturamento (COFINS) e para o Programa de Integração Social (PIS), além, eventualmente, da incidência, também a cargo da União, do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); na prestação de serviços, Além da Contribuição para o PIS e da COFINS, o Imposto Municipal sobre os Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
[2] O Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR) e a Contribuição Social sobre o Lucro (CSSL), ambos instituídos pela União.
3 A União sujeita as importações ao Imposto de Importação (II), ao IPI, à COFINS Importação e à Contribuição para o PIS Importação, sem mencionar o ICMS estadual devido no desembaraço aduaneiro do bem importado.
por Régis Fernando de Ribeiro Braga é professor orientador do programa de LL.M. em Direito Tributário do Insper e advogado em São Paulo.
Fonte: Conjur
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