O Estado de Santa Catarina acaba de anunciar que vai retirar a maioria dos produtos da sistemática da substituição tributária, até então eficiente ferramenta de arrecadação que concentra o recolhimento do ICMS no início da cadeia produtiva. A decisão decorre do novo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que, ao julgar o Recurso Extraordinário 593849, decidiu que o contribuinte deve receber a diferença do imposto nos casos em que o valor de venda do produto for menor que o presumido.
Inicialmente aplicada para mercadorias ou serviços que atendessem os pressupostos de (i) produção concentrada, (ii) distribuição pulverizada, (iii) dificuldade de fiscalização, e (iv) impacto significativo na arrecadação (e.g. combustíveis, telecomunicações, automóveis, cigarros), mantinha total alinhamento aos seus princípios instituidores. Na segunda metade dos anos 2000 passou a abarcar outros setores não enquadrados nestes pressupostos, apenas como mecanismo de maximização da arrecadação e facilitação da fiscalização tributária estadual.
A evolução e aplicação prática do regime de substituição tributária acabou por afastar o instituto de suas raízes, provocando desvio de finalidade (hoje centrada exclusivamente na fiscalização e arrecadação) e aplicação generalizada do instituto.
Dentre os potenciais malefícios causados pela generalização da substituição tributária podemos citar (i) impacto do desenho constitucional do ICMS, que é um imposto plurifásico não-cumulativo, (ii) violação à liberdade de exercício das atividades econômicas e à livre concorrência, pois interfere decisivamente na liberdade de fixação de preços; (iii) aplicação do regime a empresas de menor porte com consequências significativas para a sua competitividade; (iv) indexação da economia em razão do cálculo da margem de valor agregado (MVA) por pesquisas de mercado, cujo custo é embutido no preço final da mercadoria e que, por sua vez, impacta as revisões futuras das MVAs, e assim por diante, num círculo vicioso; (v) afastamento da realidade na aplicação de MVA obtida por média ponderada dos produtos, que pode ser subavaliada ou superavalidada, oprimindo a legalidade na presunção do fato de forma distorcida da realidade, e relativizando a legalidade, podendo acarretar aumento do imposto devido através de simples ato do Poder Executivo, sem necessidade de lei para alterar a alíquota ou a base de cálculo estabelecida pelo legislador; e (vi) prejuízo às empresas optantes pelo Simples Nacional que operam com mercadorias e serviços sujeitos à substituição tributária à medida que arcam com o imposto antecipadamente retido à alíquota cheia e não têm direito ao crédito respectivo.
A nova posição do STF[1] pela “definitividade da incidência da substituição tributária”[2], abre precedente para cobrança do ICMS retido a menor, aumentando a complexidade para os Fiscos diante da dificuldade prática de se processar o ressarcimento e o complemento do imposto e trazendo maior nível de insegurança para os contribuintes.
A tentativa de burlar a lei complementar e legitimar uma bitributação pretendida pelo Convênio CONFAZ 52/2017 não passou no crivo preliminar do STF. A medida cautelar requerida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.866 foi parcialmente concedida pela presidente do STF, suspendendo, dentre outras, a cláusula que pretendida a inclusão do ICMS/ST em sua própria base de cálculo.
As Fazendas Estaduais estão agitadas. As recentes decisões do STF revelam o fracasso da ST e prenunciam seu fim: até a eficiência, que por anos foi o argumento de apoio das Fazendas Estaduais para aplicação indiscriminada da ST ficou prejudicada. Quem está em busca de eficiência deve diminuir ao máximo a aplicação da ST, à exemplo do Estado de Santa Catarina que fará a retirada gradativa da ST para a grande maioria dos produtos, permanecendo apenas para os setores iniciais aos quais se destinava, i.e, combustíveis, cigarros, bebidas e automóveis.
É sob essa perspectiva que iremos abordar o tema amanhã, dia 07.03.2018, no 3º Seminário promovido pelo Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP, no âmbito do projeto de pesquisa Observatório da Reforma Tributária.
O Seminário será transmitido ao vivo pelo site da Fundação e do JOTA.
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[1] Conforme julgamento de Repercussão Geral no Recurso Extraordinário (RE) 593849, Tema 201.
[2] No julgamento da ADI 1851, ocorrido em 2002, o STF fixou interpretação de que: “O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não-realização final.”
Eurico Marcos Diniz de Santi – Professor da FGV Direito SP e Diretor do Centro de Cidadania Fiscal
Lina Santin – advogada, sócia do escritório Santi Estevão & Cabrera Advogados, mestranda da FGV Direito/SP e membro do Núcleo de Direito Tributário Aplicado da mesma instituição
Fonte: Jota.info/
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