A guarda compartilhada foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro através da Lei 11.698/2008, que regulamentou referido instituto[1], sendo posteriormente, pelo advento da Lei 13.058/2016, alçada à regra legal a ser observada, mesmo na hipótese de ausência de consenso entre os genitores.
A medida é possível quando pai(s) e mãe(s) se revelarem interessados em deter a guarda dos filhos comuns e aptos e dispostos a exercer verdadeiramente o poder familiar[2], uma vez que, por expresso mandamento constitucional[3], deverá sempre prevalecer os direitos e interesses da criança e do adolescente, de forma integral[4] e com absoluta prioridade, ainda que em detrimento de conveniências, posições, opiniões ou desejos egoísticos dos pais
Diversos dispositivos legais reforçam que tais responsabilidades e deveres são atribuídos a todos os genitores[6], de forma conjunta e concomitante[7], em igualdade de condições[8] e na proporção de seus meios e recursos[9], rendimentos do trabalho e dos bens de cada um dos ascendentes envolvidos[10].
A obrigação alimentar de pais e mães para com os filhos é verdadeiro dever familiar, incondicional e irrenunciável, previsto constitucional e legalmente, sendo que todos os genitores, conjuntamente, deverão contribuir, em pecúnia ou em natura, na proporção de seus meios e recursos, a fim de prover, sempre que possível, o mais integralmente possível as necessidades dos filhos comuns.
A implantação da guarda compartilhada não exonera, suspende, posterga ou diminui a obrigação alimentar dos pais para com os filhos, obrigação esta que permanece, integralmente, como indeclinável atribuição derivada do exercício do poder familiar, inerente ao dever de proteção integral à criança e ao adolescente.
No compartilhamento da guarda, todos os pais se revestem da qualidade, por obrigação legal, de alimentantes dos filhos, mesmo quando o respectivo acordo homologado judicialmente ou decisão judicial,acaso existentes, se mostrarem omissos neste ponto, uma vez que tal obrigação alimentar deriva de disposições, constitucionais e legais, expressas e cogentes.
O atual Código de Processo Civil, confirmando assertiva acima mencionada, expressamente prevê que nas homologações de divórcio ou nas separações consensuais, ambos os cônjuges deverão informar qual o valor cada um destinará a título de contribuição para criação e educação dos filhos[11]. Desta feita, em qualquer decisão judicial ou homologatória de acordo que preveja a implantação do regime da guarda compartilhada, obrigatória e expressamente, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentados de forma válida[12], deverá constar a forma e a extensão como cada um dos genitores, pai(s) e mãe(s), prestará os alimentos aos filhos comuns.
A fixação da verba alimentar direcionada à assistência, criação, sustento e educação dos filhos, ao ser fixada, deverá efetivamente respeitar o binômio necessidade/possibilidade, bem como os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, corresponsabilidade[13] e da vedação do enriquecimento ilícito, buscando sempre o resguardo, com absoluta prioridade, de forma integral, dos direitos e interesses da criança e do adolescente.
Importante consignar que, em decorrência do princípio da vedação do enriquecimento ilícito, a verba alimentar não pode ser fixada em patamar que fomente o ócio ou desestimule os estudos do menor alimentando.
Em virtude do mesmo princípio, bem como pelo fato dos alimentos representarem direito personalíssimo dos filhos menores, os valores percebidos à título de pensão alimentícia não podem ser utilizados para, direta ou indiretamente, fazer frente à gastos e despesas de terceiros, principalmente dos genitores, sobre quem recaia a obrigação legal de sustento dos filhos menores.
Feitos os necessários esclarecimentos a respeito de alguns pontos decorrentes do compartilhamento da guarda e seus reflexos nas obrigações e relações oriundas do vínculo jurídico de filiação, em especial do exercício do poder familiar, cabe agora analisar quais são os efeitos tributários gerados pela aplicação de tal modalidade de guarda, em especial, no que se refere ao imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza.
No campo tributário, a primeira questão a ser resolvida é a seguinte: na guarda compartilhada, como há, em igualdade de condições, a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres concernentes ao poder familiar, ambos os genitores poderiam, concomitantemente, deduzir, mensalmente ou na declaração de ajuste anual, o montante legal referente aos filhos, atribuindo a estes a qualidade de dependentes[14]?
A resposta ao quesito acima, segundo a legislação vigente, é negativa, uma vez que o parágrafo 4º do artigo 35 da Lei 9.250/1995 é expresso ao determinar que “é vedada a dedução concomitante do montante referente a um mesmo dependente, na determinação da base de cálculo do imposto, por mais de um contribuinte”.
Reforçando tal regra, que o filho poderá ser considerado dependente de apenas um dos genitores, em 31 de outubro de 2017, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa RFB 1.756/2017 que, entre outros, buscando tratar especificamente da questão da guarda compartilhada, deu nova redação ao parágrafo 3º do artigo 90 da Instrução Normativa RFB 1.500/2014, passando tal dispositivo a conter a seguinte previsão:
"Art. 90. Podem ser considerados dependentes:
(...)
§ 3º No caso de filhos de pais separados: (...)
II - havendo guarda compartilhada, cada filho(a) pode ser considerado como dependente de apenas um dos pais."
Desta feita, caso todos os genitores, na guarda compartilhada, pretendam atribuir ao filho a qualidade de dependente para fins de imposto de renda, deverão os mesmo chegar a um acordo e decidir a qual deles caberá tal privilégio, preferencialmente solicitando que tal definição seja expressamente consignada na decisão judicial ou homologatório de transação extrajudicial, sob pena de, na falta de consenso, arcarem com as consequências derivadas de tal infração à legislação tributária.
Por outro lado, caso a decisão judicial ou a transação extrajudicial homologada preveja taxativamente a forma pela qual todos os genitores envolvidos prestarão alimentos ao filho comum, os pais, se assim preferirem, poderão, até mesmo de forma concomitante, qualificar os filhos em suas declarações como alimentando, para fins de determinação da base de cálculo do imposto de renda[15].
A vantagem de atribuir aos filhos a condição de alimentando, ao invés de dependente, reside no fato de que a dedução atinente à pensão alimentícia,diversamente do que ocorre com as deduções relacionadas aos dependentes, não encontra, na grande maioria dos casos, limitação legal[16]. Ressalva que merece ser feita é a seguinte: uma mesma despesa específica não poderá ser utilizada, simultaneamente, por ambos os pais, para fins de determinação da base de cálculo do tributo, não podendo haver duplicidade de dedução, sob pena de posterior glosa.
Apresentado o cenário vigente na legislação tributária atual, cabe aos genitores, no compartilhamento da guarda,após analisarem as opções que estão à sua disposição, efetuarem seu planejamento tributário e, ao final, escolher a opção que oferece uma tributação mais justa, lembrando que os filhos, salvo reduzidas exceções,só poderão ter uma única qualificação na declaração anual de ajuste, não podendo figurar, em regra,sincronicamente como dependente e alimentando na mesma declaração anual de ajuste.
Assim, chega-se à conclusão de que a guarda compartilhada, quando aplicada efetivamente de acordo com suas características legalmente definidas — buscando a plena proteção do melhor interesse dos filhos, com transparência, boa-fé, lealdade e igualdade de direitos, deveres e responsabilidades entre os genitores —, além de ser, indiscutivelmente, a melhor solução para garantir o pleno desenvolvimento físico, psíquico e mental das crianças e dos adolescentes, bem como um importante instrumento na prevenção e combate à alienação parental, também se mostra a melhor alternativa para as finanças dos genitores.
Devido à custódia jurídica conjunta e à divisão equilibrada do tempo de convivência com os ascendentes envolvidos, as despesas dos menores serão absorvidas e divididas, proporcionalmente, de forma mais igualitária, possibilitando, ainda, em alguns casos, a obtenção de benefícios tributários, podendo até mesmo ocasionar a redução da base de cálculo do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, diminuindo o valor do tributo a ser pago e/ou aumentando o valor da restituição a ser futuramente recebida.
[1] Código Civil. Artigo 1.583, parágrafo 1º.
[2] Código Civil. Artigo 1.584, parágrafo 2º.
[3] Constituição Federal. Artigo 227.
[4] Lei 8.069/1990. Artigo 3º.
[5] Código Civil. Artigo 1.630.
[6] Lei 8.069/1990. Artigo 22.
[7] Código Civil. Artigo 1.566, IV, artigo 1.579, artigo 1.696, artigo 1.701 e artigo 1.724.
[8] Lei 8.069/1990. Artigo 21.
[9] Código Civil. Artigo 1.703.
[10] Código Civil. Artigo 1.688.
[11] Código de Processo Civil. Artigo 731, IV.
[12] Código de Processo Civil. Artigo 489, parágrafo 1º, incisos I a IV.
[13] Lei 8.069/1990, artigo 22; Código Civil, artigo 1.703.
[14] Lei 9.250/1995. Artigo 35, parágrafo 3º.
[15] Lei 9.250/1995. Artigo 4º, II e artigo 8º, II, f.
[16] STJ. REsp 812.465/RS. Órgão Julgador: Primeira Turma. Relator: ministro Luiz Fux. Data da Publicação/Fonte: DJe 29/05/2008
Fernando Salzer e Silva é advogado.
Fonte: Conjur
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