Nada obstante haja, em partes do mundo, algum entusiasmo em se discutir a construção de muros, a era da cooperação e integração é a grande aposta deste século na maioria das democracias, numa tendência que alcança a tributação internacional.
O projeto BEPS (Base Erosion Profit Shifting), iniciado em 2013, surgiu com a inquietude de líderes mundiais que, juntos, sentiram o impacto da perda de uma média de US$ 240 bilhões em arrecadação anual fruto da erosão da base tributária. A pauta foi, então, conduzida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), e o resultado se materializou em um pacote de 15 planos de ação a serem cumpridos por mais de cem jurisdições, em conjunto com os países-membro da organização.
O Plano de Ação nº 13 trouxe a Declaração País a País (DPP), ou "Country by Country Reporting". O Brasil, em conjunto com outros países não integrantes da OCDE, tem empenhado esforços para acompanhar os passos do Fisco global.
Instituída pela IN RFB 1.681, publicada em novembro de 2016, a DPP deverá ser, em regra, submetida anualmente pelo controlador final residente no Brasil, e contará com o fornecimento de informações específicas, – tais como ativos tangíveis, capital social, número de empregados, entre outros -; de empresas integrantes de grupos multinacionais, com receita consolidada total igual ou maior a R$ 2,26 bi. O objetivo é facilitar o acesso do Fisco aos arranjos financeiros envolvendo os preços de transferência utilizados pelas multinacionais.
A troca de informações quando mal administrada pode causar efeitos perversos às empresas
O Padrão de Declaração Comum, ou CRS (Common Reporting Standard), também passou a ser adotado pelo Brasil. Após a internalização da Convenção sobre Assistência Mútua Administrativa em Matéria Tributária, a IN RFB 1680/2016 estabeleceu o CRS para definir as informações e os procedimentos que deverão ser obedecidos pelas instituições financeiras quando do intercâmbio de dados entre os países signatários.
Buscando intensificar a troca de informações entre jurisdições internacionais veio a implementação do FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act), formalizada pelo Decreto 8.506/2015, após acordo intergovernamental celebrado entre Brasil e EUA. Segundo a Receita Federal, dados de 1.555 contribuintes brasileiros foram transmitidos para os Estados Unidos já em 30 de setembro de 2015, tendo sido identificado o saldo de R$ 1,056 bi em contas de 1.282 pessoas físicas.
Além de chanceladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando do julgamento do RE 601.314, as iniciativas seguem a tendência mundial de cooperação entre os Fiscos. Todavia, não podemos abrir mão da proteção aos contribuintes.
Padrões de confidencialidade de vários países não passam no teste das diretrizes implementadas pela OCDE, além de contarem com histórico de vazamentos. No Brasil, na corrida presidencial de 2010, dados fiscais sigilosos de pessoas ligadas ao principal partido de oposição foram acessados indevidamente por auditores da Receita Federal. Na ocasião, as informações seguiram para a equipe da pré-campanha da então candidata da situação.
O problema é global. Ano passado, uma auditoria oficial realizada nos Estados Unidos identificou que funcionários do "Internal Revenue Service" negligenciaram políticas de privacidade ao enviarem e-mails internos contendo informações de contribuintes sem se valerem da criptografia, incorrendo em grave risco de vazamento dos dados. No Canadá, a autoridade fiscal Canada Revenue Agency, em um ato sem explicação, enviou, em 2014, para a CBC News, um relatório completo contendo informações sigilosas de contribuintes. Na lista, nomes de vários artistas, intelectuais e políticos, com seus respectivos endereços e pedidos de restituição de imposto de renda, em razão de doações feitas para, por exemplo, galerias de arte.
Episódios como esses provam que a troca de informações, quando mal administrada, pode, em verdade, causar efeitos perversos às empresas, cuja consequência seria a desconfiança de seus acionistas e de futuros investidores, alcançando efeito totalmente contrário ao pretendido. Mesmo as pessoas físicas poderiam ser fortemente afetadas, sujeitando-se a exposições sem precedentes, com seus dados confidenciais sendo repassados dentro de uma rede sem fronteiras.
Os contribuintes, sejam pessoas físicas ou jurídicas, são detentores de direitos fundamentais e, como tais, merecem proteção. Amadorismos na gestão da informação e a quebra de confiança são ingredientes frequentes em nações que não souberam conduzir de forma apropriada uma questão tão séria como a proteção de dados. Isso é uma barreira ao desenvolvimento da cooperação e da integração. Daí porque, o Brasil, deve reafirmar o seu compromisso com a devida guarda de informações, para que, assim, construa a atmosfera que precisamos para avançarmos nessa temática global.
Rebeca Drummond de Andrade Müller é advogada especialista em direito tributário no escritório Ayres Britto Consultoria e Advocacia
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Por Rebeca Drummond de Andrade Müller
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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