segunda-feira, 6 de março de 2017

Benefícios Fiscais e o Convênio ICMS 42/2016

1) INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo abordar os aspectos jurídicos do Convênio ICMS 42, de 3 de maio de 2016, que autoriza a redução dos benefícios fiscais concedidos pelos Estados e Distrito Federal e institui um fundo de equilíbrio fiscal.

Serão destacados os principais pontos desse convênio, que trata indiretamente de polêmica matéria acerca da concessão de benefícios fiscais a título de ICMS.

A abordagem também será feita sob o contexto político e econômico atual, considerando que o Convênio ICMS 42/16 foi publicado em meio a um cenário de grave crise econômica que assola as finanças dos entes federados. Podemos afirmar que referido Convênio não deixa de ser reflexo dessa crise econômica sem precedentes por que passa o Brasil.

2) O ICMS E A NÃO CUMULATIVIDADE

            O ICMS – Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – é atualmente o principal tributo da federação. Sua arrecadação no ano de 2015 representou 6,7 % do PIB[1], a maior do país considerando os tributos isoladamente.

A Constituição Federal de 1988 atribuiu a competência para instituir este imposto aos entes federados. Trata-se de um imposto assemelhado ao de valor agregado não cumulativo sobre consumo, onde o valor cobrado em uma etapa da operação de circulação de mercadorias gera direito a um crédito para compensação na etapa seguinte. A Constituição Federal determina que o imposto seja não cumulativo, compensando-se em cada etapa os valores anteriormente cobrados por qualquer ente federativo, por meio de um mecanismo de débitos e créditos de imposto. Esta regra constitucional estrutura a operacionalidade do imposto e é fundamental para compreender sua incidência e os fenômenos a ela relacionados.

Sob a perspectiva econômica, a não cumulatividade preserva a neutralidade do imposto. Isso porque ao longo da cadeia de circulação da mercadoria os valores de imposto cobrados proporcionam créditos que podem ser abatidos na etapa seguinte, como regra geral. A carga de imposto final sobre uma mercadoria será determinada pela alíquota e base de cálculo existentes na última etapa, na qual serão abatidos como créditos os valores do imposto anteriormente cobrados.

Desta forma, quando devidamente aplicada, o critério da não cumulatividade torna o imposto neutro do ponto de vista da alocação de recursos, pois para um fornecedor é indiferente, para efeitos de tributação pelo ICMS, estar em um ou outro Estado, na medida em que o valor do imposto incidente gera créditos para os adquirentes das mercadorias.

Teoricamente a neutralidade tributária aponta para a eficiência econômica, uma vez que as empresas buscarão ter vantagens competitivas mediante menores custos e melhor qualidade de seus produtos, sem distorções tributárias.

Ocorre que tal sistemática não cumulativa, associada às alíquotas interestaduais altas e assimétricas, propicia também o cenário ideal para a chamada “Guerra Fiscal” entre as Unidades Federadas, na medida em que um crédito de ICMS obtido através de um benefício fiscal irregular pode ser transferido a outro Estado e abatido do imposto incidente sobre a venda subsequente, como veremos detalhadamente adiante.

3) CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS PELAS REGRAS VIGENTES

O constituinte atribuiu à União a competência e o dever de promover o desenvolvimento das diferentes regiões do país e reduzir as desigualdades regionais. Isso deve ser feito principalmente pela melhoria das condições de infraestrutura por meio de investimentos do governo federal e por incentivos fiscais de tributos federais, conforme uma política de desenvolvimento regional com equilíbrio entre as diferentes regiões do país.

O ICMS, por seu caráter neutro, não tem vocação para ser utilizado como instrumento de desenvolvimento regional, pois gera distorções na alocação dos recursos econômicos que conduzem à ineficiência econômica e causam prejuízos à livre concorrência.

Não foi por outra razão que o legislador por meio da Lei Complementar n° 24, de 7 de janeiro de 1975, determinou que quaisquer incentivos fiscais ou financeiros devem ser concedidos apenas por decisão unânime dos Estados. Estava o legislador atento ao risco dos Estados concederem favores fiscais que impactassem a arrecadação dos Estados destinatários e, por isso, cuidou de disciplinar por meio de lei complementar como esses benefícios deveriam ser concedidos.

Entretanto, há décadas os Estados concedem benefícios fiscais a título de ICMS, sem respeitarem os comandos de referida lei complementar, sob a bandeira de se estimular o investimento privado e promover o desenvolvimento econômico de determinada região.

Os praticantes dessa política transversa desenvolvimentista alegam que a carência de políticas públicas que tenham por finalidade a redução das desigualdades regionais, num pais de dimensões continentais como o Brasil, é que legitima tal prática.

Como observado anteriormente, ocorre que, em grande parte das vezes, tais benefícios são concedidos de maneira irregular, pois não respeitam a norma e, além disso, produzem efeito nefasto para a economia do país por chegarem até a retirar a competitividade da indústria nacional, no caso dos benefícios fiscais concedidos na importação.

Na verdade, na grande maioria das vezes tal pretexto desenvolvimentista é deixado de lado, e os Estados priorizam tão somente a sua própria arrecadação e ofertam os mais variados benefícios a título de ICMS com a finalidade de atrair empresas para seu território e arrecadar uma fração do imposto que seria devido originalmente a outra unidade da federação.

Como sobredito, a rigor a concessão de incentivos fiscais de ICMS deve obedecer ao rito estabelecido pela Lei Complementar n° 24/75, devendo ser aprovada pela unanimidade dos Estados por meio de Convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ.

Entretanto, na prática, a grande maioria dos benefícios fiscais é concedida à revelia do CONFAZ e em desconformidade à Lei Complementar nº 24/75. São os denominados benefícios fiscais irregulares.

Verifica-se também que esta política predatória praticada pelos Estados afeta a neutralidade do imposto, na medida em que a tributação pelo ICMS passa a interferir na decisão dos agentes econômicos.

Na prática, o benefício fiscal do ICMS passa a ser o fator preponderante para a realização do investimento em determinado Estado, em que os agentes econômicos deixam de lado outros fatores como: mão de obra, transporte, logística, infraestrutura, etc., que seriam os maiores determinantes para a tomada de decisão quanto ao deslocamento ou estabelecimento de novas unidades empresariais.

4) GUERRA FISCAL

Como vimos, a sistemática não cumulativa do ICMS, em que pese tenha a função de preservar a neutralidade do imposto, aliada às alíquotas interestaduais altas e assimétricas, acabam produzindo efeito colateral inverso, que é a possibilidade de transferência de créditos irregulares de ICMS entre as Unidades Federadas, haja vista referidos créditos advirem da concessão de benefícios irregulares.

Nesses casos, como exemplo, citamos uma situação em que um Estado concede irregularmente (sem amparo na LC 24/75) a determinada empresa (industrial ou distribuidora) um benefício fiscal de ICMS sobre a importação de um produto, reduzindo, por exemplo, o ICMS incidente sobre a importação de 18% para 3%, e estes produtos são remetidos para revenda e consumo em outro Estado, sendo que nessa operação de circulação interestadual é repassado um crédito de ICMS de 12% (correspondente à alíquota interestadual do ICMS), ao invés de 3%, que foi o efetivamente recolhido na operação de importação.

Quando da venda do produto ao consumidor final, é emitida nota fiscal com destaque de ICMS de 18%, e de acordo com a sistemática não cumulativa do imposto será abatido 12% como crédito de ICMS resultante da operação interestadual anterior (e não de 3% que foi cobrado efetivamente na operação anterior, por força do benefício fiscal concedido pelo Estado remetente). Com isso, haverá o recolhimento de 6% de ICMS ao Estado destinatário/consumidor.

Dessa forma, no exemplo acima, devido ao benefício fiscal irregular, temos uma carga tributária total de ICMS de apenas 9% (3% na operação de importação e 6% na venda ao consumidor final) – incidente sobre o produto importado, enquanto que o seu concorrente de origem nacional está sujeito a uma carga tributária final de 18%.

É dessa forma que essa política de concessão de incentivos fiscais irregulares tem contribuído e muito, nas últimas décadas, para a desindustrialização do país e lateralmente contribui para o aprofundamento da crise econômica que atinge os Estados.

5) MECANISMOS ADOTADOS PELOS ESTADOS PARA COMBATE AOS BENEFÍCIOS FISCAIS IRREGULARES

Pode-se dizer que os Estados afetados por esta política predatória de concessão de benefícios fiscais irregulares possuem três mecanismos de defesa: o primeiro é obter junto ao Supremo Tribunal Federal, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade, a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo do outro ente federativo que concedeu determinado incentivo fiscal; o segundo é por meio da lavratura de auto de infração denominado de glosa de crédito do ICMS; e o terceiro é a concessão de benefícios fiscais reativos.

5.1) AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Certamente o mecanismo mais apropriado para o combate à Guerra Fiscal é a interposição pelos Estados prejudicados de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI em face da lei ou ato concessório do benefício fiscal que não observou o rito da Lei Complementar nº 24/75, pleiteando o ressarcimento dos prejuízos quanto à arrecadação do ICMS e a consequente revogação da lei editada pelo Estado concedente do benefício fiscal.

Entretanto, observa-se que os Estados constantemente interpõem ADIs uns contra os outros, e o Supremo Tribunal Federal não julga estas ações com a celeridade necessária e os Estados continuam praticando a Guerra Fiscal.

Na prática, quando se aproxima a data do julgamento das ADIs, os Estados revogam o ato inconstitucional que concedeu determinado benefício fiscal fazendo com que a ADI em questão perca o objeto, e editam uma nova norma com idêntico benefício fiscal.

Dessa forma, este que seria o mecanismo mais apropriado para o combate à Guerra Fiscal não tem se mostrado nada eficiente, o que faz com que os Estados afetados se utilizem de outros meios, buscando ao menos reduzir os efeitos dessa verdadeira batalha federativa.

5.2) AUTO DE INFRAÇÃO DE GLOSA DE CRÉDITO

No exemplo citado no tópico anterior, verifica-se que a indústria ou distribuidor localizado no Estado onde se deu a importação, vendeu ao varejista adquirente, localizado no Estado consumidor, e transferiu 12% de ICMS a título de crédito incidente nessa operação interestadual, sendo que 9% desse montante corresponde a um crédito irregular concedido pelo Estado importador, crédito este que apesar de estar destacado no documento fiscal de venda, não foi efetivamente cobrado pelo Estado importador, o que significa uma vantagem econômica significativa do produto importado em relação ao seu concorrente de origem nacional.

Como ferramenta de combate à Guerra Fiscal, o Estado consumidor lança mão de outro instrumento à sua disposição, que é o auto de infração de glosa de crédito, com o objetivo de exigir este montante (9% do crédito que considera irregular) do contribuinte localizado em seu território.

Entretanto, a questão é um tanto polêmica, uma vez que, a rigor, pode ser questionada tal ação, sob o argumento de que o sujeito ativo para a cobrança do imposto incidente sobre a importação, no nosso exemplo hipotético, seria o Estado onde ocorreu a importação. E o Estado consumidor, sob esse argumento, não teria legitimidade ativa para exigir tal imposto.

No Judiciário, observa-se que estes autos de infração têm sido mantidos pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[2], no entanto, no Superior Tribunal de Justiça[3] têm ocorrido entendimentos contrários, no sentido de que a Unidade federativa lesada pela concessão de benefício fiscal irregular somente caberia ajuizar a ação de inconstitucionalidade contra lei que concedeu o benefício, ficando obrigada a respeitar o crédito do ICMS transferido nesta operação interestadual, ou seja, o montante de 12%.

Todavia, esse tema ainda não foi apreciado pelo Supremo Tribunal Federal, que determinou sua apreciação sob o rito da repercussão geral, por meio do Recurso Extraordinário nº 628075/RS.

5.3) CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS REATIVOS EM DEFESA DA ECONOMIA LOCAL

Como terceiro mecanismo de combate à Guerra Fiscal os Estados prejudicados concedem benefícios reativos, ou seja, concedem benefício fiscal semelhante ao concedido pela outra Unidade Federada com o objetivo de manter determinada empresa em seu território e, assim, além de suportar perda de arrecadação, se utilizam do mesmo mecanismo irregular, sem observância da Lei Complementar nº 24/75, para combater um benefício concedido por outra Unidade Federada.

6) CONVÊNIO ICMS 42/2016 QUE DISPÕE SOBRE A REDUÇÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS CONCEDIDOS PELOS ESTADOS E INSTITUI FUNDO DE EQUILÍBRIO FISCAL

Diante da grave crise econômica que atravessa o país, que também atingiu fortemente as finanças dos entes federados, os Estados resolveram celebrar um Convênio para reduzir os benefícios fiscais por eles mesmos concedidos.

É nesse contexto que aprovaram o Convênio ICMS 42/2016, que autoriza os Estados e o Distrito Federal a reduzirem em, no mínimo, dez por cento todos os incentivos fiscais, financeiro-fiscais ou financeiros, inclusive os decorrentes de regimes especiais de apuração existentes que impliquem redução do ICMS a pagar e institui o fundo de equilíbrio fiscal, destinado à manutenção do equilíbrio das finanças públicas.

É curioso que referido Convênio condiciona a fruição de benefício fiscal ao depósito num fundo, denominado de fundo de equilíbrio fiscal, o que causa estranheza sob o ponto de vista lógico, uma vez que tal Convênio não concede especificamente nenhum benefício fiscal, mas revoga parcialmente benefício fiscal concedido anteriormente por outro Convênio e impõe condição para sua fruição. Resumindo, o Convênio em questão impõe condições para outros Convênios anteriores que não previam tal condição superveniente, como também para os futuros Convênios de concessão de benefícios fiscais.

6.1) CENÁRIO ATUAL DE CRISE FINANCEIRA DOS ESTADOS

Nos últimos dois anos, por conta da grave crise econômica porque passa o país, os Estados vêm também sofrendo drástica redução de suas receitas. Comparando a seguir os anos de 2015 com o ano de 2013, podemos verificar o quanto encolheu a arrecadação da maioria dos Estados[4]:


Como se não bastasse, tal crise financeira dá indícios que se arrastará no mínimo até o ano de vem, pois segundo dados dos projetos de Lei de Diretrizes Orçamentárias-LDOs, enviadas pelos Estados a suas Assembleias Legislativas, verifica-se que ao menos nove Estados e o Distrito Federal devem ainda fechar o ano de 2017, com déficit primário (resultado das despesas menos as receitas, descontados os juros)[5].

Assim, com o objetivo de reforçar seus caixas, foi que os Estados e o Distrito Federal editaram primeiramente o Convênio ICMS 31, de 8 de abril de 2016, que autorizava os Estados e o Distrito Federal a reduzir incentivos e benefícios fiscais a título de ICMS em, no mínimo, dez por cento, devendo o montante referente à redução ser depositado em fundos de desenvolvimento e equilíbrio fiscal. Tal valor seria calculado mensalmente e poderia ser exigido tanto para os incentivos e benefícios fiscais já concedidos, como para aqueles que viessem a ser concedidos.

Após muita discussão entre os Estados, e por conta de diversas críticas havidas, os entes federados resolveram em sede de CONFAZ revogar o Convênio ICMS 31/16, editando um novo, o Convênio ICMS 42/16, nos seguintes termos:

“CONVÊNIO ICMS 42, DE 3 DE MAIO DE 2016

Autoriza os estados e o Distrito Federal a criar condição para a fruição de incentivos e benefícios no âmbito do ICMS ou reduzir o seu montante.

Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ, na sua 261ª Reunião Extraordinária, realizada em Brasília, DF, no dia 3 de maio de 2016, tendo em vista o disposto na Lei Complementar n° 24, de 7 de janeiro de 1975, resolvem celebrar o seguinte

CONVÊNIO

Cláusula primeira Ficam os estados e o Distrito Federal autorizados a, relativamente aos incentivos e benefícios fiscais, financeiro-fiscais ou financeiros, inclusive os decorrentes de regimes especiais de apuração, que resultem em redução do valor ICMS a ser pago, inclusive os que ainda vierem a ser concedidos:

I – condicionar a sua fruição a que as empresas beneficiárias depositem no fundo de que trata a cláusula segunda o montante equivalente a, no mínimo, dez por cento do respectivo incentivo ou benefício; ou

II – reduzir o seu montante em, no mínimo, dez por cento do respectivo incentivo ou benefício.(g.g.)

1º O descumprimento, pelo beneficiário, do disposto nos incisos I e II do caput por 3 (três) meses, consecutivos ou não, resultará na perda definitiva do respectivo incentivo ou benefício.
 2º O montante de que trata o inciso I docaputserá calculado mensalmente e depositado na data fixada na legislação estadual ou distrital.
 Cláusula segunda A unidade federada que optar pelo disposto no inciso I da cláusula primeira instituirá fundo de equilíbrio fiscal, destinado à manutenção do equilíbrio das finanças públicas, constituídos com recursos oriundos do depósito de que trata o inciso I da cláusula primeira e outras fontes definidas no seu ato constitutivo.

Cláusula terceira Fica revogado o Convênio ICMS 31/16, de 8 de abril de 2016.

 Cláusula quarta Este convênio entra em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial da União, produzindo efeitos a partir da data de sua ratificação nacional“.

De maneira geral, podemos dizer que o Convênio ICMS 42/16 trata de matéria idêntica àquela veiculada pelo revogado Convênio ICMS 31/16, apenas com a novidade prevista em seu inciso II da cláusula primeira que permite aos Estados implementarem tão somente a redução dos benefícios sem condicionar necessariamente a sua fruição ao depósito no fundo de equilíbrio fiscal.

Ou seja, com a edição do Convênio ICMS 42/16 a redução dos benefícios fiscais pode ocorrer de duas formas, a critério de cada Unidade Federada:

i) Diretamente, mediante alteração do próprio ato normativo estadual que instituiu o benefício, como prevê o inciso II da cláusula primeira; ou
ii) Indiretamente, sem que haja alteração do ato normativo estadual que instituiu o benefício, exigindo que o contribuinte realize um depósito mensal de parte do valor do ICMS que deixou de ser recolhido por conta do benefício em um fundo de equilíbrio fiscal, a ser instituído por cada Estado, como prevê o inciso I da cláusula primeira.

6.2) PONTOS SENSÍVEIS

Em que pese serem os Convênios editados pelo CONFAZ instrumentos competentes para deliberação acerca da concessão ou revogação de benefícios fiscais pelos Estados, destacamos alguns pontos que merecem maior reflexão dentro da sistemática do ICMS, sob ponto de vista jurídico.

6.2.1) LIMITAÇÕES DO CTN PARA A REDUÇÃO DOS BENEFÍCIOS FISCAIS

Entendemos que a redução dos benefícios fiscais a título de ICMS autorizada pelo Convênio em exame não se aplica àqueles benefícios concedidos por prazo certo e sob determinadas condições, conforme o disposto no art. 178 do CTN:

“Art. 178 – A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104.”.

Por outro lado, além de tal restrição, convêm tecer alguns comentários acerca do princípio constitucional da anterioridade, a teor do previsto no artigo 104 do CTN, inciso III, do CTN, que assim dispõe:

 “Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda:

(…)

III – que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte, e observado o disposto no artigo 178.”.

Será então que a redução de um benefício de ICMS como a prevista no Convênio ICMS 42/16, deveria observar o princípio da anterioridade?

Sobre este tema a jurisprudência não é pacífica, existindo entendimentos diversos no próprio Supremo Tribunal Federal, que historicamente, em sessão plenária realizada em 17 de outubro de 1984, proferiu a Súmula nº 615, que assim dispõe:

“O princípio constitucional da anualidade (parágrafo 29 do art. 153 da CF) não se aplica à revogação de isenção de ICM.”

Tal decisão baseou-se no fato de que a isenção consiste em mera exclusão do crédito tributário, conforme prevê o art. 175 do CTN, não afastando, portanto, a incidência do tributo. Dessa forma, a revogação parcial ou total da isenção não implicaria em nova incidência, mas apenas no restabelecimento do crédito tributário anteriormente afastado pela norma que concedeu tal isenção.

Não obstante, mais recentemente o Supremo Tribunal Federal se posicionou em sentido inverso, em decisão proferida pelo Ministro Marco Aurélio Melo, no julgamento do RE 564.225 de 02.09.2014 – do Rio Grande do Sul, se não vejamos:

“Promovido aumento indireto do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS por meio da revogação de benefício fiscal, surge o dever de observância ao princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, constante das alíneas “b” e “c” do inciso III do artigo 150, da Carta”.

Nota-se, portanto, que a matéria é um tanto polêmica, porém, nos inclinamos a entender que a redução do benefício fiscal prevista no Convênio ICMS 42/16 deve observar o princípio da anterioridade, geral, e também a nonagesimal, ambas contempladas na Carta de 88.

Nesse sentido, entendemos que o Convênio em referência deve respeitar as limitações previstas no Código Tributário Nacional e na Constituição Federal, em respeito ao princípio constitucional da anterioridade e de outros princípios com timbre constitucional, como o da segurança jurídica, entre outros.

6.2.2) O CONVÊNIO ICMS 42/2016 APLICA-SE APENAS AOS BENEFÍCIOS FISCAIS APROVADOS PELO CONFAZ

Entendemos que o Convênio ICMS 42/16 aplica-se tão somente aos benefícios fiscais concedidos regularmente pelo CONFAZ, ou seja, em observância ao rito da Lei Complementar nº 24/75, não tendo aptidão para convalidar eventuais benefícios concedidos à revelia do CONFAZ.

Quanto aos benefícios tidos por irregulares, lembramos que houve tentativa específica de convalidação de tais benefícios fiscais, por meio da edição do Convênio ICMS 70, de 29 de julho de 2014 (que, contudo, não foi aprovado à unanimidade pelos Estados), que visou tratar especificamente de matéria relativa à anistia e remissão dos créditos tributários relativos a benefícios fiscais não previamente aprovados pelo CONFAZ.

Diante do exposto, em que pese o Convênio ICMS 42/16 tentar especificar diversos tipos de benefícios fiscais e financeiros a título de ICMS por ele alcançados, não temos dúvida que se trata tão somente de benefícios fiscais regulares concedidos com aprovação do CONFAZ. Dito de outro modo, o Convênio ICMS 42/16 se refere à possibilidade de redução dos benefícios aprovados pelo CONFAZ, não podendo cuidar dos benefícios concedidos à sua margem.

 6.2.3) FUNDO DE EQUILÍBRIO FISCAL X NÃO CUMULATIVIDADE

Como vimos, o Convênio ICMS 42/16 prevê duas possibilidades de recolhimento da parcela referente à redução do benefício fiscal: a primeira, prevista no inciso I da cláusula primeira, que é o depósito desta parcela no fundo de equilíbrio fiscal a ser instituído pelos Estados, e a segunda, prevista no inciso II da cláusula primeira, é o recolhimento por guia de apuração juntamente com os demais débitos de ICMS.

O Convênio em análise cria dessa forma a figura do fundo de equilíbrio fiscal, e vincula a fruição de determinado benefício fiscal, concedido por meio de outro Convênio, ao depósito da respectiva parcela de redução neste fundo.

Entretanto, a nosso ver, referido Convênio ao mesmo tempo que revoga parcialmente um benefício fiscal, revigora, automaticamente, e na mesma proporção, a incidência do ICMS anteriormente afastada pelo Convênio que havia concedido tal incentivo.

De maneira que esta parcela correspondente à redução do benefício fiscal, a nosso ver, deveria ser recolhida também a título de ICMS, caso contrário, teríamos rompida a lógica não cumulativa do imposto.

Imagina-se um cenário em que, no meio da cadeia de comercialização, determinada Unidade Federada opte pela vinculação da redução do benefício ao depósito da referida parcela em determinado fundo, o montante depositado neste fundo poderia ser creditado pelo contribuinte adquirente da mercadoria?

Parece-nos que a resposta é negativa, de modo que o montante correspondente à parcela de redução depositado neste fundo passaria a ser cumulativa e, portanto, não teria a natureza jurídica de ICMS.

Tal situação seria justificável tão somente numa operação realizada no final da cadeia de comercialização, ou seja, uma venda ao consumidor final não contribuinte, que dentro da sistemática do ICMS não faria jus ao creditamento do imposto.

Outro ponto a destacar é que o artigo 167 inciso IV da Constituição Federal veda expressamente a vinculação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, senão vejamos:

“Art. 167. São vedados:

IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)”.

Em decorrência da vedação constitucional supracitada, questiona-se também a consequência e os efeitos decorrentes da condicionante do benefício ao depósito no indigitado fundo.

7) CONCLUSÃO

Apesar do Convênio ICMS 42/16 ter por objetivo reforçar as finanças dos Estados num momento de grave crise econômica, na forma veiculado, apresenta uma série de questionamentos, na medida em que: i) não é claro quanto à extensão dos benefícios fiscais a serem atingidos com a redução; ii) não prevê a obediência especialmente ao princípio da anterioridade tributária;  iii) não preserva os benefícios concedidos com prazo determinado e mediante condições e iv) se a opção do Estado for pela instituição de um fundo de equilíbrio para depósito da parcela referente à redução do benefício fiscal, ficará comprometida a sistemática da não cumulatividade do ICMS, entre outras questões.

Verifica-se que até o momento 11 Estados[6] (Alagoas, Bahia, Ceará, Goiás, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grade do Norte, Rondônia e Tocantins) implementaram o referido Convênio, instituindo inclusive o fundo de equilíbrio fiscal nele previsto.

Por derradeiro, ressalta-se que no Estado de São Paulo a expectativa é a de que tal norma não será regulamentada, apesar de defensável juridicamente a implementação do inciso II da cláusula primeira do Convênio ICMS 42/16, desde que atendido o princípio da anterioridade e não sejam benefícios fiscais concedidos por prazo certo e sob determinadas condições.

[1]  Fonte: http://www1.fazenda.gov.br/confaz/boletim/Valores.asp. Acessado em 24.10.2016

[2] TJSP – Embargos à execução fiscal nº 0004407-19.2010.8.26.0319

[3] STJ – Segunda Turma, AgRg no REsp 1312486/MG, j. 06.12.2012, Rel. Min. Humberto Martins

[4] Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/05/1775808-distrito-federal-e-outros-9-estados-ja-preveem-deficit-em-2017.shtml – acessado  em 25.10.2016 : Fontes: Tesouro Nacional, Banco Central, governos estaduais e Compara Brasil

[5] Idem ao anterior

[6] Dados obtidos nos sítios eletrônicos das Assembleias Legislativas dos Estados e Distrito Federal.

por Osvaldo Santos de Carvalho
Mestre e Doutor em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em Direito e Contabilidade. Professor dos cursos de Especialização do IBET e da COGEAE-PUC. Agente Fiscal de Rendas do Estado de São Paulo.

por Leonardo De Gregório
Especialista em Finanças Públicas, Economia e Comércio Internacional pela George Washington University. Bacharel em direito. Agente Fiscal de Rendas e Consultor Tributário do Estado de São Paulo com atuação junto à Comissão Técnica Permanente do ICMS – COTEPE (órgão vinculado ao CONFAZ).

Fonte: IBET

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