Aqueles que aderiram ao programa de repatriação e os que não o fizeram estão apreensivos com as consequências fiscais que poderão advir após o término do prazo, em face das notícias que vêm sendo veiculadas sobre o tema.
Vamos começar por aqueles que sucumbiram às pressões de bancos e assessores e ingressaram na anistia.
A proteção legal de que os valores anistiados não podem ser objeto de fiscalização das empresas é uma lenda urbana
É um tema que vai gerar um bom contencioso, porque os argumentos jurídicos dos contribuintes são muito fortes (e técnicos), enquanto que os do Fisco têm mais sustentação moral do que legal.
O problema se concentra na questão criminal.
Uma vez que o contribuinte se denunciou fica exposto à interpretação que o Ministério Público Federal, manifestamente contrário ao programa, vier a dar sobre as divergências: se foto em prejuízo do filme vai dar direito ao MPF desprezar a anistia e indiciar criminalmente o contribuinte, sob o pressuposto de que o requisito legal era a anistia tributaria correta?
Os criminalistas não estão uniformizados nessa controvérsia e vai ser uma questão a ser decidida pelo Judiciário, dada a falta de precedentes.
Mas o Fisco também alerta que todos que se anistiaram serão posteriormente fiscalizados, até para fazer valer as regras impostas como condição da adesão.
As grandes chances de serem examinados são daqueles que também são donos de empresas. A proteção legal de que os valores anistiados não podem ser objeto de fiscalização das empresas é uma lenda urbana.
Uma fiscalização pode iniciar um procedimento numa empresa de uma pessoa física que aderiu ao programa e quebrar-lhe o sigilo bancário, ou examinar as compras inidôneas, ou despesas indedutíveis, ou planejamentos tributários, sem mencionar a anistia em uma só linha.
Ora, a fiscalização não está vinculada a um motivo. É um dever legal. E também não pode deixar de fazê-la porque o proprietário da empresa se anistiou. Por isso, a pessoa física não poderá alegar que o Fisco usou indevidamente as informações na Dercat.
Haverá sempre um indício de que o valor anistiado veio de irregularidades fiscais das empresas dos anistiados, se eles não têm outras fontes de renda. E esse foi o risco que eles assumiram quando optaram pela anistia.
E os Estados e municípios já reivindicam acesso à lista dos anistiados para estender suas fiscalizações às suas empresas, doações e heranças anistiadas.
Além disso, as pessoas físicas deverão se habituar a tributar os rendimentos recebidos das aplicações efetuadas no exterior, mediante Darf’s apropriados, além de atualizar as DCBE’s a valores de mercado dos ativos declarados.
Em relação aos ativos declarados importa se preocupar com aspectos sucessórios, pois a legislação aplicável é aquela do país onde os bens estão situados, daí um testamento local não será eficaz para essa finalidade.
Quanto aos não anistiados, há que se considerar quando o país onde está o dinheiro vai entrar na troca de informações.
Há casos como do Canadá que, até onde constam as informações, só aderirá em 2020. Outros em 2019, ou 2018. O Panamá vai dar informações imprecisas, para se proteger.
Os bancos americanos por enquanto não informam saldo bancários de offshores.
Repetimos que mesmo aqueles que não aderiram devem buscar mecanismos legais alternativos de regularização, para não se exporem indefinidamente a questionamentos, ainda que os tributos estejam prescritos.
Alguns tributaristas viram na Lei da Anistia um novo fato gerador de IR, que pudesse sobreviver ao período posterior a 31 de outubro.
Essa interpretação é desprovida de base legal. O Código Tributário Nacional (CTN) prevê que a Lei da Anistia só abrange fatos pretéritos que não tenham sido praticados com dolo, fraude ou simulação. Não tem o condão de criar novas incidências, 31.12.14 só serviu como marco temporal para a anistia.
A rigor, a Lei da Anistia contrariou o CTN nesse ponto, pois permitiu que sonegadores se aproveitassem do pagamento menor de tributos.
Esse argumento, inclusive, se presta para obstar judicialmente a cobrança do filme em oposição à foto, e de pretensões do MP para quem anistiou menos, porque a lei não poderia ter anistiado atos praticados com fraude, dolo ou simulação tributárias (art. 180, I).
Por outro lado, o rito de fiscalização de omissão de depósitos bancários de pessoas físicas ou jurídicas continua regulado pela IN SRF nº 246/02.
O Fisco tem que apresentar os extratos diários dos últimos cinco anos e o contribuinte é intimado a justificar aqueles que não têm origem em seus rendimentos. Isso não foi revogado ou alterado, nem houve qualquer tentativo para tanto!
Alguns bancos já se recusaram a dar os saldos dos últimos cinco anos para a anistia, imagine para uma fiscalização de rotina!
E conforme informado pelos próprios bancos estrangeiros, contas correntes encerradas não são informadas e tampouco reveladas suas movimentações pretéritas.
É bom lembrar também que os lucros decorrentes de offshores de pessoas físicas não podem ser tributados no Brasil, porque o dispositivo que tentou incluir tal tributação na legislação (art. 89 da MP nº 627/13) não foi convertido em lei.
Dessa forma, não pode a pessoa física sofrer uma lavratura de auto de infração para cobrança desses valores.
Por fim, é preciso estar atento ao comportamento de todo o sistema (Receita Federal, Ministério Público, bancos, Bacen etc.), porquanto não há precedentes sobre tributação ou anistia do exterior.
por Plinio J. Marafon e Carolina Sayuri Nagai são sócios de Marafon, Fragoso e Soares Advogados
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Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br
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