O volume de autuações da fiscalização da Receita Federal deve alcançar a marca de R$ 155 bilhões até o fim deste ano, superando em 23% o montante registrado em 2015, que ficou em R$ 125,6 bilhões. Os números passam uma visão positiva do trabalho dos cerca de três mil auditores da Receita, mas o que de fato retorna aos cofres públicos em curto espaço é pouco, comparado às irregularidades detectadas. De acordo com relatório da Receita, das 277.369 autuações em 2015, cerca de 25,6% foram pagas ou parceladas pelos devedores, mas representam apenas 2,54% do montante de crédito tributário lançado.
Ou seja, o maior volume das dívidas tributárias está nas mãos das grandes empresas, que representam 0,01% do total de contribuintes, mas que responderam por 61% da arrecadação de tributos em 2015.
Hoje, diz Martins, de acordo com a Lei 9.249/95, o simples pagamento do tributo devido leva à extinção da punibilidade, o que em muitos casos leva o devedor a incidir novamente no calote. “Há ainda a lentidão da Justiça”, reforça.
Em razão dos inúmeros recursos e do acúmulo de processos, a decisão final de uma autuação da Receita até trânsito em julgado no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) demora em média sete anos e meio.
Após o resultado, o devedor pode recorrer ao Poder Judiciário enquanto o valor devido é transferido para a dívida ativa da União, atualmente estimada em R$ 1,8 trilhão, ressaltando que neste montante estão incluídos também débitos resultantes de inadimplência. A partir do instante em que o débito faz parte do bolo da dívida ativa, a questão passa para as mãos da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que tem a missão de buscar executar a cobrança, o que, em média, pode demorar mais nove anos e meio. “No período de 20 anos, o sonegador normalmente blinda o seu patrimônio em holding, transfere para familiares, coloca em off-shores ou simplesmente mantém aplicado em investimentos rentáveis”, lamenta Martins.
A tributarista Ana Claudia Utumi, sócia do escritório TozziniFreire Advogados e professora de direito tributário da Fipecafi, acrescenta que o ineficiente papel do Estado na gestão dos tributos na hora de reverter em benefícios para a população torna a sonegação aceitável para parte da sociedade. “Nas economias mais desenvolvidas, a sonegação é tratada da mesma forma que a corrupção.”
Desde 2013, o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz) mantém uma ferramenta digital batizada de Sonegômetro, que atualiza permanentemente a sonegação de tributos municipais, estaduais e federais. “É um trabalho em prol da conscientização do combate à sonegação”, afirma Achilles Frias, presidente do Sinprofaz, que estima que os números fechem 2016 em torno de R$ 500 bilhões. Trata-se de um estudo do sindicato, que não é avalizado pela Receita, mas que revela um retrato da sonegação no país. “Mais de 80% dos R$ 500 bilhões passam por mecanismos sofisticados de lavagem de dinheiro, conforme apontaram nossos estudos”, diz Frias.
No ano passado, a PGFN recuperou R$ 14 bilhões na execução de processos. Até setembro deste ano, foram R$ 9 bilhões. “Há um sucateamento no trabalho dos procuradores, principalmente na informatização precária e na falta de equipe técnica de apoio”, diz Frias. Segundo ele, um estudo do sindicato concluiu que cada R$ 1 investido na PGFN traria R$ 800 de retorno à União.
Os métodos mais frequentes dos grandes sonegadores são a movimentação em paraísos fiscais e a presença de empresas controladas por “laranjas”, prática que ainda persiste, mesmo com a popularização da Nota Fiscal Eletrônica (NFe).
“A NFe melhora o monitoramento, mas não impede a sonegação”, diz Martins, da Receita. As formas mais comuns são por meio da constituição de empresas de fachada, que emitem notas fiscais “frias” (serviços não prestados) para obter créditos indevidos de ICMS, PIS e Cofins.
Para João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), casos de elisão fiscal não podem ser confundidos com sonegação. “O planejamento tributário usa recursos legais que permitem à empresa diminuir a carga tributária. Mas muitas empresas sonegam, principalmente as menores, devido à alta carga tributária e ao atual modelo regressivo, que taxa mais o consumo e a produção”, diz.
Fonte: Valor Econômico
Por Guilherme Meirelles
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