Em um ano em que a China e os EUA vêm dando o tom dos mercados, o Banco Central do Japão conseguiu um grande feito no último dia no mês de janeiro: roubar a cena ao anunciar a adoção de taxas de juros negativa, passando de 0,1% para -0,1%, o que ajudou a impulsionar as bolsas pelo mundo todo naquela sessão.
O anúncio da autoridade monetária surpreendeu os investidores, pois sinalizou outra medida audaciosa para reanimar a economia num cenário em que os mercados voláteis e a desaceleração do crescimento global ameaçam seus esforços para superar a deflação. "O importante é mostrar às pessoas que o banco central está comprometido em alcançar inflação de 2% e que vai fazer o que for preciso para alcançar isso", disse o presidente do BC, Haruhiko Kuroda, em entrevista à imprensa após a decisão.
Kuroda ainda afirmou que a decisão permitirá à instituição ampliar ainda mais seus estímulos monetários através de "três dimensões", afastando a hipótese de que a estratégia de relaxamento quantitativo do BoJ tenha atingido seu limite. As mudanças no programa do BoJ vêm três anos depois das agressivas compras de ativos, que normalmente são descritas como relaxamento monetário de uma "dimensão diferente", ficarem aquém das expectativas do BC japonês. Kuroda garantiu que, se necessário, o BoJ vai adotar novas medidas por meio dos três canais para atingir sua meta de inflação, que é de 2%, o mais cedo possível.
Mas não é só o Japão que está flertando com essa ideia de juros negativos. Conforme destacaram os economistas do JP Morgan, os investidores preocupados com os impactos negativos do dinheiro super barato sobre bancos e mercados globais podem precisar se preparar juros abaixo de zero em diversas outras economias ao redor do mundo.
Eles acreditam que os benefícios de mais estímulos que tomem a forma de compras de ativos ou de orientações futuras seriam limitados. Isso significaria que a fraqueza do crescimento global e a baixa inflação podem forçar até o Federal Reserve e o Banco da Inglaterra a adotarem juros negativos, segundo eles.
Na semana passada, o Bank of America Merrill Lynch destacou (antes mesmo da divulgação da criação de vagas abaixo do esperado na sexta-feira pelos EUA em janeiro) que, se a economia americana der sinais de fraqueza, o Fed deveria considerar a adoção da taxa de juros negativa de modo a recuperar a atividade (apesar da autoridade monetária mostrar resistência quanto a essa possível sinalização).
Mas como funciona?
Esta não é a primeira vez que um Banco Central coloca a taxa de juros no negativo (e nem parece que será a última). Mas como isso afeta os mercados?
No mundo das taxas de juros negativas, os bancos literalmente cobram para guardar o dinheiro dos clientes, refletindo uma intenção clara da autoridade monetária para que o dinheiro saia das instituições financeiras e vá para as empresas e para a economia.
Com as taxas neste patamar, o Japão abre uma nova frente em sua longa batalha contra a
deflação, que desencoraja os consumidores a fazerem grandes compras desde a década de
1990 porque esperam que os preços caiam ainda mais.
Se antes ter dinheiro nos bancos era bom, agora não parece não ser mais ser tanto.
No Japão, os efeitos ainda serão sentidos, mas em alguns países da Europa já se pode observar os efeitos de mudanças como essa. Uma estratégia considerada anteriormente como impensável entre os bancos centrais, a estratégia de “pagar para guardar” foi adotada pela Suécia, pela Dinamarca, pela Suíça e pelo Banco Central Europeu, numa tentativa de fazer com que os bancos emprestem e as empresas gastem.
Conforme destacou uma matéria do final de 2015 do Wall Street Journal, as taxas de juros
negativas levam a situações um tanto quanto curiosas nestes países.
"Hoje, as empresas da Dinamarca pagam impostos antecipadamente para se livrar do dinheiro e, num pequeno banco da Suíça, os depósitos dos clientes vão encolher em vez de aumentar", ressalta. Por outro lado, a população se beneficia: alguns dinamarqueses com hipotecas a juros flutuantes estão descobrindo que seus bancos estão pagando a eles todo mês para lhes emprestar dinheiro, em vez de cobrar juros para financiar suas casas.
Juros negativos não são algo que ocorre normalmente pelo mundo. Contudo, esta realidade acaba se impondo em meio ao cenário de estagnação econômica e inflação baixa que estes países vêm enfrentando.
Mas será que esta estratégia funciona? Na teoria, juros negativos ocorrem para encorajar o
crédito entre consumidores e empresas, uma vez que o estímulo é para gastar o dinheiro, e
não mais guardá-lo para render juros. Porém, pelo menos em boa parte da Europa, o resultado
não tem sido tão animador. Segundo o WSJ, os empréstimos de bancos na zona do euro cresceram modestamente, ajudando uma lenta e contínua recuperação da atividade econômica, mas a inflação não voltou em muitos lugares.
Por outro lado, a Dinamarca vem tendo sucesso na política de juros negativos, com as taxas
ajudando a conter uma onda de apostas especulativas na valorização da coroa dinamarquesa,
enquanto espera-se que a economia cresça 1,6% neste ano. Enquanto isso, estima-se que os
bancos da Dinamarca gastaram cerca de 1 bilhão de coroas (ou US$ 145 milhões) por conta
dos juros negativos.
Se a nova cartada do presidente do Banco do Japão para acabar com as décadas de mal-estar
econômico terá um efeito positivo sobre a economia japonesa, ainda é cedo para dizer. Aliás, a
valorização do iene nas últimas sessões, com os mercados em busca de ativos seguros em
meio à turbulência global, já trouxe sinais negativos para o crescimento da economia japonesa.
E já há ceticismo pairando no ar.
Para uma economia que está estagnada há duas décadas, são necessárias profundas e
dolorosas reformas estruturais, lideradas pelo governo, de acordo com David Carbon,
economista-chefe do DBS Bank em Cingapura. “A política monetária não pode assumir toda a
carga”, disse ele, em entrevista para a Bloomberg. “Taxas negativas na ordem dos 10 pontos
base não vão fazer muita coisa”.
“Será que vai fazer uma diferença enorme? Tenho minhas dúvidas, mas isso mostra que o BOJ
não está inativo”, disse Baader do Société Générale. “Simbolicamente, acho que esse é um
passo muito grande, mais do que em termos de eficácia”, afirmou, também para a agência.
Fonte: Infomoney.com.br
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