Sabe-se que a personalidade jurídica é uma ficção criada pelo direito, cuja principal finalidade é fomentar a prática de atividades econômicas, haja vista que, por meio dessa ficção jurídica, há a segregação de patrimônio entre o empreendedor e a empresa. A existência da pessoa jurídica, então, não se comprova fisicamente, ou seja, não se trata de uma existência tangível, passível de ser tocada. A sua existência se faz por meio do direito – atualmente, discute-se a responsabilidade penal da pessoa jurídica, conquanto ela não possa ser condenada à pena privativa de liberdade (detenção ou reclusão).
No âmbito da sua existência jurídica, a vida da empresa se comprova por suas relações jurídicas, pelos contratos que celebra. Entenda-se, aqui, contrato como relação jurídico-comercial, que pode ou não ser formalizado em documento escrito, de acordo com exigências legais a respeito de tal formalidade (contrato escrito, registro público etc.). A essência da pessoa jurídica (pode-se dizer, sua explicação ontológica) reside na rede de contratos, de relações jurídicas, em que ela figura.
O primeiro contrato firmado pela empresa tem como contrapartes os seus sócios, por ocasião da sua constituição. Por meio desse documento (contrato social ou estatuto social), para o qual a lei exige formalidade, inclusive registro público, os sócios estabelecem o patrimônio inicial da pessoa jurídica, segregando parcela dos seus patrimônios pessoais e transferindo-a para a sociedade. Essa relação societária inicia e propicia a celebração de todos os demais contratos a serem firmados pela pessoa jurídica, porque estabelece, por um lado, a limitação da responsabilidade dos sócios e, por outro, a garantia dos diversos credores, em sentido bastante amplo.
Em sequência, o ato de constituição da pessoa jurídica (contrato firmado entre a própria sociedade e os seus sócios) irradia-se para a celebração dos outros contratos. A empresa, com isso, poderá recrutar funcionários, obter financiamentos, adquirir mercadorias e serviços com os mais variados fornecedores, vender produtos e serviços para diversos clientes etc. A inter-relação desses contratos é o que define a pessoa jurídica.
Ressalte-se que essa inter-relação contratual, essa rede de relações jurídicas, possui uma trama bastante apertada. Aquilo que acontece com um desses contratos produzirá efeito, invariavelmente, nos demais contratos. Cite-se como exemplo paradigmático o fato de a regulação contábil do leasing financeiro, ao exigir o registro do ativo imobilizado e do respectivo passivo, impactar diretamente o endividamento (alavancagem) da empresa, o que pode comprometer eventuais cláusulas de garantia de contratos de empréstimo (covenant).
Todas essas relações jurídicas, incluindo suas informações em detalhes, são centralizadas, dentro da empresa, por seu administrador (gestor). Cabe ao administrador coordenar os contratos firmados pela empresa, bem como tomar as decisões necessárias para equilibrar as diversas demandas geradas por cada um deles. Por esse motivo, a lei societária brasileira estabelece que são deveres do administrador a diligência, a lealdade e a informação.
A responsabilidade do administrador pelas informações constantes nas notas explicativas decorre, exatamente, do seu dever de informar. As informações financeiras, o que inclui as notas explicativas, precisam ser prestadas, primordialmente, aos sócios, investidores e credores, mas não exclusivamente a eles. Todo e qualquer contratante da empresa, atual ou potencial, além da comunidade em que ela está inserida, tem o direito de conhecer a sua posição econômico-financeira, seu desempenho e seu fluxo de caixa.
Em primeiro lugar e de maneira imediata, a responsabilidade pela redação das notas explicativas é do administrador da pessoa jurídica. Em seguida, tal responsabilidade é compartilhada com os órgãos de fiscalização e controle da empresa, como são o conselho de administração, o conselho fiscal e o comitê de auditoria. A decisão tomada com relação às notas explicativas, pelo administrador, pode ser questionada pelo auditor independente e pelos analistas de mercado, porém, a posição desses agentes serve como sugestão de mudança e como oportunidade para rediscussão do assunto, não sendo, em absoluto, imposição a ser necessariamente observada.
Finalmente, as demonstrações contábeis como um todo, e as notas explicativas em particular, são avaliadas pelo órgão regulador. Nesse caso, é imperioso – aliás, é constitucionalmente garantido – que o administrador tenha o direito de defender a decisão tomada, principalmente com relação à relevância das informações apresentadas em notas explicativas. Essa defesa deve ser assegurada tanto em nível administrativo como em nível judicial, se for o caso.
Para a implementação dos “International Financial Reporting Standards” – IFRS pelas empresas brasileiras, a Lei das Sociedades por Ações foi alterada no seu capítulo sobre demonstrações financeiras, e somente nesse capítulo. Acontece que, ao substituir a obediência a regras pela observância de princípios e privilegiar o julgamento no reconhecimento, na mensuração e na divulgação dos eventos econômicos, a adoção dos IFRS influencia diretamente a responsabilidade dos administradores. Portanto, essa responsabilidade dos administradores acompanha o grau de discricionariedade na redação das notas explicativas.
por: Edison Fernandes
Fonte: Valor Econômico
Via Airesadv.com.br
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