Quando 2014 terminar, o governo terá feito uma renúncia fiscal de cerca de R$ 22 bilhões - algo como 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB) - para bancar a política de desoneração da folha de pagamentos. O valor é muito semelhante aos R$ 25 bilhões estimados como o gasto anual com o Bolsa Família.
A desoneração da folha foi criada como uma política temporária para ajudar o setor industrial a minimizar custos e ganhar competitividade, especialmente na exportação, porque a alíquota da nova contribuição incide apenas sobre o faturamento obtido no mercado interno. Nascido com essa intenção, o programa foi mudando e atingiu vários setores de serviços, que não exportam nem concorrem com produtos importados, como já mostraram os economistas José Roberto Afonso e Vilma da Conceição Pinto, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
Existem outras, mas uma grande diferença entre os dois programas - a desoneração e o Bolsa Família - é que não existe nenhuma avaliação crível sobre os resultados (bons, neutros ou ruins?) dessa alteração na base de cálculo da contribuição à Previdência. A desoneração, com certeza, reduziu o custo da mão de obra para os setores atingidos, mas foi o melhor retorno possível para quase 0,5% do PIB? E ela realmente ajudou a conter demissões? Não sabemos.
Enquanto a relação custo-benefício do Bolsa Família é praticamente uma unanimidade (foi defendida por todos os candidatos à Presidência na eleição), o contrário acontece com a desoneração da folha de pagamentos.
No momento em que a nova equipe econômica se debruça sobre as contas públicas procurando onde fazer o ajuste fiscal necessário de forma a comprometer menos a esperada retomada da economia, faz sentido pensar no impacto dos R$ 22 bilhões mesmo que o governo já tenha decidido, no primeiro semestre, torná-la permanente. A decisão foi tomada mesmo sem uma boa avaliação pública dos seus resultados. Na exposição de motivos que acompanhou a medida provisória que perenizava a mudança, o governo afirmou que "nos setores que enfrentam crises, a medida atuou como fator para a diminuição das demissões, o que significou geração de saldo positivo líquido de empregos". A MP, contudo, não relacionou os dados que comprovariam, ou mesmo sugeririam, essa correlação positiva.
No seu site, a Receita Federal detalha as estimativas de renúncia por setor, empresas e empregos envolvidos. No estudo do Ibre-FGV, os economistas mostram que a indústria de transformação representava 45% dos valores envolvidos na renúncia total em fevereiro, percentual que parece ter recuado para menos de 40% nos últimos meses.
Mas a medida ajudou o setor industrial? Difícil responder. Olhando apenas para os setores industriais beneficiados e comparando os meses de agosto de cada ano, eles trazem uma primeira informação positiva quando se toma o agregado da indústria. Entre agosto de 2013 e agosto de 2014, os vínculos (leia-se empregos) aumentaram 0,4%, passando de 4,204 milhões para 4,221 milhões. Os dados sugerem que o emprego cresceu em 17 dos 23 segmentos beneficiados pela desoneração entre 2013 e 2014.
Essa constatação - que parece "boa" em um cenário de estagnação econômica - fica menos evidente quando se olha para as demais informações apresentadas pela Receita Federal. Sempre olhando apenas para os setores industriais, elas sugerem que o número de empresas aumentou 6,2% (de 18,6 mil para 19,8 mil). É como se o número médio de trabalhadores por empresa tivesse diminuído, passando de 226 para 213. Além disso (ou apesar disso), a desoneração envolvida ficou 58% maior. Os dados sugerem que cada vínculo na indústria (trabalhador) custou R$ 162,60 ao governo em agosto passado. Mas essa média variou de R$ 731 no setor de outros equipamentos de transporte até R$ 82 na indústria de alimentos. Qual foi o impacto em cada setor? Não sabemos.
Outro problema da desoneração da folha (e de novo, nesse quesito ela difere do Bolsa Família) é quanto aos setores "escolhidos". No total dos segmentos (indústria, serviços, comércio, agronegócio etc.) a renúncia atingiu 82,1 mil empresas em agosto passado. Esse universo representa pouco mais de 4% das empresas que contribuem à Previdência Social, descontando aquelas que usam o Simples, como mostraram os economistas do Ibre. Se a desoneração é boa, traz vantagens de redução de custo, por que só algumas empresas tiveram direito a essa vantagem? O governo, claro, não teria recursos para fazer a desoneração total. Qual foi o critério de escolha dos setores?
A equipe do ministro Guido Mantega, no mínimo, se precipitou ao tornar a desoneração permanente. E essa decisão hoje constrange as opções de ajuste fiscal à disposição da nova equipe econômica. Reduzir carga tributária é sempre uma boa política, mas há maneiras e maneiras de cortar impostos. Quanto mais vertical e homogênea é uma medida, melhor ela é.
A desoneração também tem um viés perverso de regressividade e antiprodutividade, como apontou o estudo do Ibre e reclamaram vários empresários. No futuro, qual o incentivo que um empresário terá para investir em máquinas mais eficientes, que aumentem produção e faturamento? A incorporação de novas tecnologias vai elevar seu faturamento, mas junto crescerá o imposto a pagar à Previdência, mesmo que o número de funcionários fique constante.
Se o governo mediu os resultados dessa política, não os compartilhou. No ano passado, um estudo preliminar da Secretaria de Política Econômica (SPE) com base nos três primeiros setores atendidos pela desoneração foi obtido e publicado pelo jornal "O Estado de S. Paulo". Ele apontava que a medida tinha potencial para criar 21 mil empregos em um ano. Procurada com antecedência, a SPE disponibilizou o estudo para o Valor faltando dois minutos para o fechamento desta coluna.
Denise Neumann é repórter especial. O titular da coluna, Antonio Delfim Netto, volta a escrever em 20 de janeiro
Fonte: Valor Econômico
Via Fazenda.gov.br
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