No dia 8 de outubro, o Supremo Tribunal Federal determinou, na sistemática do controle difuso de constitucionalidade, que o ICMS não inclui a base de cálculo da Cofins. Por maioria, 7 votos a 2 , os ministros deram provimento à demanda que tramitava desde 1999 e aguardava voto-vista do ministro Gilmar Mendes desde 2006.
Tal decisão, no entanto, tem efeito apenas inter partes, tendo em vista que o julgamento não se deu sob o rito da repercussão geral. Isso quer dizer que apenas as partes que figuravam no processo podem se beneficiar do comando emergente do decisório, no caso a empresa mineira Auto Americano. Aguarda-se, ainda, a apreciação da Ação Declaratória de Constitucionalidade 18 e do Recurso Extraordinário 574.706 com repercussão geral reconhecida, os quais terão impacto para todos os contribuintes e deverão sedimentar o entendimento da Corte no que tange à matéria.
Diante de tal panorama, os contribuintes começam a se questionar acerca da possibilidade de aproveitamento imediato dos créditos daí decorrentes e da validade de tal precedente para casos análogos, em vista da decisão prolatada pelo órgão da cúpula do Judiciário brasileiro.
Tal questionamento, apesar de válido, é capcioso. Por mais que o precedente estabelecido no dia 8 de outubro passado indique certa tendência de alguns ministros a sustentar uma ou outra tese no julgamento em repercussão geral (RE 574.706) e controle concentrado (ADC 18), poderá haver modificação quanto ao posicionamento da corte. Vejamos o porque:
Em 2006, quando se iniciou o julgamento do recurso em tela, a composição do STF era diferente da de hoje. Assim, dos sete ministros que julgaram a favor dos contribuintes, três já não compõem mais o quadro da corte. Dos dez ministros hoje atuantes, cinco ainda não se manifestaram, conforme demonstrado no seguinte quadro.
Nessa toada, o que o julgamento do dia 8 de outubro nos adianta é a tendência dos ministros que já votaram e continuam atuantes no STF, mas não nos dá qualquer certeza quanto ao futuro. Tem-se, por enquanto, ceteris paribus, um placar teórico de 4x1: Gilmar Mendes pronunciando-se a favor dos argumentos fazendários, e os ministros Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Celso de Mello defendendo a tese dos contribuintes. Diante disso, a pacificação do tema está condicionada ao entendimento dos cinco ministros que comporão o Plenário quando do julgamento com repercussão geral e ainda não proferiram parecer sobre a matéria, sem contar um eventual sexto ministro que deverá ser indicado logo pela Presidência da República.
Vale salientar, ademais, que os ministros Luiz Fux (AgRg no Ag 835.885) e Teori Zavascki (AgRg no REsp 1.085.346) já se pronunciaram contrariamente à tese dos contribuintes quando integrantes do Superior Tribunal de Justiça.
Por conseguinte, no julgamento do RE com repercussão geral reconhecida — que provavelmente será julgado conjuntamente com a ADC que versa sobre o mesmo tema — é possível que haja uma reversão no entendimento firmado há pouco.
Um ponto que pode pesar de modo considerável na avaliação da questão pelos ministros são os argumentos consequencialistas de caráter econômico dos quais a AGU se vale: “com a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, estima-se uma contingência de R$ 250 bilhões para o Estado brasileiro, os quais teriam de ser arcados pelos cofres públicos”. Tal argumento, no entanto, fora lançado ao arrepio dos Princípios Constitucionais da Ampla Defesa e do Contraditório, tendo em vista que os contribuintes demandantes nunca tiveram a oportunidade de rebater sobre a efetividade dessas consequências.
Outro questionamento que ainda reside diante de tal perspectiva é o de que, em havendo a reversão do entendimento firmado na decisão então prolatada, como ficaria a situação do contribuinte detentor de decisão transitada em julgado (Auto Americano) que agora se beneficia de tal procedimento a seu favor? Questiona-se se a empresa não terá de recolher o montante referente à Cofins incidente sobre o ICMS, mesmo em detrimento de outras empresas que não detêm tal privilégio. Trata-se de questão que concerne diretamente à paridade nas relações comerciais e à justiça social.
Adiantando debates como o que hoje é protagonizado na questão em que a empresa Auto Americano poderá se encontrar, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, em 2011, emitiu o Parecer 492, o qual versa exatamente sobre situação na qual um contribuinte detém decisão transitada em julgado em um sentido e, posteriormente, vislumbra-se o advento de decisão do STF com efeito erga omnes em sentido diverso. Segundo orientação do mencionado parecer, esse contribuinte teria sua ‘coisa julgada’ relativizada em face de um princípio maior, qual seja: o da isonomia fiscal. Neste cenário, o Fisco poderia cobrar as empresas que possuem coisa julgada independentemente de interpelação judicial, mas somente após aquela decisão com efeito erga omnes.
Pretende-se aqui demonstrar que a matéria ainda não tem solução definitiva, sendo que a pacificação do tema somente se dará com o julgamento das causas ainda pendentes de apreciação pelo Plenário, as quais têm o condão de vincular seus efeitos diante dos outros processos que acobertam a mesma tese, da Secretaria da Receita Federal e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Assim, ansiedades deverão ser contidas até a próxima manifestação do STF sobre a temática, podendo a corte, inclusive, modular os efeitos desta iminente decisão.
por Nelson Monteiro Júnior é sócio do Monteiro, Neves & Vilela Advogados.
Victor Gregolin é acadêmico e pesquisador da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Fonte: Conjur
Nenhum comentário:
Postar um comentário