São absurdamente elevadas as quantidades de execuções fiscais em andamento em todo o país. Fala-se em cerca de 100 milhões de processos.
Despacho padrão que se publica rotineiramente nas varas das execuções fiscais estaduais e municipais na capital registra que “neste Juízo tramitam mais de 1,4% milhão de execuções fiscais” ! Que fique bem claro: esse número refere-se apenas às varas de execuções fiscais municipais da capital!
Em entrevista de 24/11 à Revista Consultor Jurídico (clique aqui para ler) o desembargador José Roberto Nalini, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, declarou que “É preciso fazer com que o Direito volte a ser ferramenta de solução de problemas e não de fazer que os processos durem até o infinito.”
Ocorre, porém, que a possibilidade de que execuções fiscais durem até o infinito só pode ser admitida se houver absoluto descumprimento das normas legais em vigor. Isso só pode ocorrer se admitirmos absurdos e loucuras, onde os operadores do Direito responsáveis pela cobrança da dívida tenham interesse em “ganhar tempo porque não tem razão.” Se admitem não ter razão ao cobrar dívida tributária, a cobrança deveria ser evitada.
Por exemplo: procuradores não podem ingressar em juízo com ações prescritas e, se o fizerem, deve o juiz rejeitá-las de ofício! Um bom remédio para a tardança do representante da Fazenda seria a condenação em honorários nos mesmos limites aplicados aos contribuintes devedores: 20%. Quando um juiz, em embargos procedentes, arbitra os honorários da parte em quantias ínfimas, não avilta apenas o trabalho do advogado, mas torna vil todo o Judiciário, na medida em que as execuções fiscais viabilizam o caminho rumo ao “infinito”.
Tal situação decorre da inobservância de normas legais que, se colocadas em prática, por certo reduziriam o número de ações em andamento. Um exemplo é a contida no parágrafo 5º do artigo 219 do CPC, com a redação que lhe foi dada pela lei 11.280 de 16 de fevereiro de 2006 : “O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição”. Basta verificar o tempo transcorrido e a existência ou não de sua interrupção. A lei não diz “pode pronunciar”. Ordena: “pronunciará”.
Sobre o assunto foi publicado em 7 de agosto de 2007 (clique aqui para ler) excelente artigo de José Tadeu Picolo Zanoni, Juiz de Direito Titular da 1ª Vara da Fazenda Pública de Osasco, onde registra valiosa pesquisa de jurisprudência a respeito.
A Súmula 314 do STJ diz: “Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual inicia-se o prazo da prescrição qüinqüenal intercorrente.”
A jurisprudência é farta nessa direção:
“O processo de execução fiscal não pode permanecer suspenso por mais tempo do que a lei estabelece, sem incidir na prescrição intercorrente. O artigo 40 da Lei 6.830/80 não pode justificar a paralisação da execução fiscal por longo tempo, erigindo-se em disposição incompatível com normas do CTN (artigo 174). Recurso improvido. Voto vencido (STJ-1ª T.;Rec.Espe. 138.419-RJ; Rel.Min. Designado Demócrito Reinaldo; j.09.12.1997;maioria de votos; ementa).
Quando o credor (leia-se o poder público) não promove medidas efetivas para cobrar seu crédito e apenas apresenta pedidos sucessivos de suspensão, ocorre a prescrição intercorrente. Veja-se a respeito:
“Paralisações sucessivas – Desinteresse do credor – Prescrição intercorrente – Caracterização – Os sucessivos pedidos do Fisco à suspensão da execução configuram o seu desinteresse pela satisfação do crédito executado, por não resultarem em efetivas providências providencias à localização da devedora ou de seus bens; assim, escoando-se o lapso prescricional do título executado no transcorrer destas paralisações do processo, resulta na perempção do direito da exeqüente. Apelação desprovida. (TJMG-6ª. Câmara Cível – Aci nº 1.0024.98.111307-9/001-Belo Horizonte-MG, Rel. Des. Delmival de Almeida Campos, j. 29/11/2005) – Boletim AASP 2488, p. 1245, 11-17/09/2006).
Pretender que o processo seja “infinito” é negar vigência ao texto constitucional, na sua parte mais relevante, o artigo 5º, que cuida das nossas garantias individuais, dentre as quais se afirma que:
“LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
Se descumprimentos de normas básicas da Constituição são absurdos que não se admitem num Estado Democrático de Direito, devem ser consideradas loucuras as distribuições de execuções fiscais de valores ínfimos. Por exemplo: no processo 0000035-18.2014.8.26.0115, distribuído perante o Foro Distrital de Campo Limpo Paulista em 3 de novembro de 2014, para a cobrança de dívida tributária no valor de R$ 127,34, foi até ordenada a expedição de Edital para citar o devedor!
Absurdos também são cometidos quando diversas execuções são distribuídas em curto espaço de tempo, formando vários autos, relativamente a um único devedor de um mesmo tributo.
Segundo os estudiosos do nosso Judiciário, boa parte desse descomunal volume de processos resulta da multiplicação de ações que poderiam ser tratadas à luz de mecanismos processuais mais eficazes. Pregam os mais ousados que se deve transferir a solução de muitos conflitos (inclusive tributários) à conciliação e arbitragem por leigos. Tal ousadia, contudo, levaria à própria derrocada do Judiciário enquanto instrumento de Poder destinado à missão absolutamente indelegável de distribuir Justiça.
Todavia, o nosso CPC, que passa por mais uma reforma, traz mecanismo adequado para atenuar o problema, ao que parece esquecido em sua eficácia. Tratam-se das normas contidas nos artigos 102 e seguintes.
Esta coluna não se destina a estudos teóricos ou teses acadêmicas, até porque o autor possui apenas os títulos de bacharel e especialista. Nessa condição, temos o dever de pesquisar na realidade forense. Isso nos obriga a trazer casos emblemáticos à apreciação dos leitores.
Um deles é o do proprietário de um terreno localizado em São Paulo, executado por multas sobre o imóvel, em 3 execuções distribuídas no mesmo exercício, onde depositou os valores e as embargou. As ações se processam perante a Vara onde atua o magistrado que registrou a existência de 1,4 milhão de processos.
No caso está evidente a Conexão a que se referem aqueles artigos! As três execuções citadas poderiam ser tratadas de forma unitária. Já decidiram nossos tribunais:
“A conexão existente entre a execução fiscal e a ação de anulação de débito tributário induz a reunião dos processos para julgamento simultâneo; correndo elas perante juízes que têm a mesma competência territorial, considera-se prevento aquele que despachou em primeiro lugar (CPC art. 106); a citação válida determinará a prevenção se as ações tramitarem perante jurisdições diferentes (CPC ,art. 210,”caput”) – (STJ- 1ª. Seção-CC 16.201-DF, rel. Min. Ari Pargendler, j. 22.5.96, v.u., DJU, 12.8.96;p. 24.439) – No mesmo sentido: STF-1ª. T. REsp 430.443-RS, refl. Min.Luiz Fux, j.3.2.04.deram prov.parcial, v.u., DCJU, 25.2.04,p.101, RF 383/360,maioria).
Vê-se, pois, que há mecanismos capazes de melhorar essa situação.
Para que se reduza o descomunal número de execuções será necessário um grande esforço nacional, incompatível com a tendência de nos acusarmos reciprocamente. O CNJ, STF, STJ e TJs devem adotar uma pauta rigorosa destinada a atingir esse objetivo.
Orientar os magistrados de primeira instância no sentido de que determinem aos serventuários para que se aplique o princípio da conexão sempre que possível, seria um bom começo.
Limitar ou mesmo impedir que magistrados e procuradores exerçam atividades no magistério ou quaisquer outras que os desviem das funções para as quais são remunerados, seria outra medida a ser colocada em prática.
Sem isso, continuaremos com absurdos e loucuras, onde todos perderemos.
por Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Fonte: Conjur
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