A recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo sobre a constitucionalidade da lei municipal que regula o IPTU na capital merece alguns comentários. Não se pode tratar a questão tributária apenas sob uma visão ideológica, pois o tributo é desde sempre o preço que pagamos por viver em sociedade.
Por outro lado, há que se fazer um exame da lei e da decisão mencionada sob o ponto de vista técnico, não emocional. Haverá, sim, reajuste da base de cálculo do imposto, que implicará em aumento de carga tributária para o contribuinte, ainda que a prefeitura tenha divulgado que haverá exceções e que os cálculos levarão em conta as características dos imóveis, inclusive com relação ao seu uso.
O IPTU é o segundo dos três impostos sobre o patrimônio, elencados no Capítulo III do Título III do nosso Código Tributário Nacional. O primeiro é o imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, de competência federal, enquanto o último deles, de Transmissão de Bens Imóveis, pertence aos estados e ao DF.
Em nossa coluna de 7 de outubro de 2013, onde analisamos o projeto cuja discussão acabou por desaguar no TJ-SP, ressaltamos que os contribuintes que se sintam prejudicados com eventuais aumentos podem socorrer-se dos mecanismos de proteção legal existentes.
Com a devida licença dos leitores, tomamos a liberdade de transcrever um pequeno trecho:
“O lançamento pode ser objeto de impugnação administrativa, o que está garantido pelo artigo 148 do CTN. Uma discussão judicial, contudo, só é aconselhada em valores de grande monta, de preferência depositando-se o valor questionado para garantir proteção para os juros e a correção. Considere-se ainda que uma ação judicial implica em custas e honorários advocatícios a pagar, além de despesas que incluem eventual perícia de engenharia.”
Toda essa questão vem sendo debatida na imprensa e algumas críticas vão um pouco além do razoável, quando sustentam ser o imposto totalmente inconstitucional.
Ainda que a tese seja bem defendida e possa aparentar indício de lógica, não é razoável supor que imposto patrimonial direto, existente desde a Constituição Federal de 1934 (80 anos!) jamais tenha sua inconstitucionalidade questionada com sucesso. Ao que consta, surgiram no período apenas discussões quanto às alíquotas, onde ocorreram alguns abusos que as aproximaram dos limites confiscatórios.
Nunca é demais lembrar que impostos só incidem sobre patrimônio, renda e consumo. As exceções correm por conta dos instituídos de forma extraordinária, inclusive em caso de guerra externa (Constituição Federal, artigo 154).
Examinando-se o capítulo III do CTN (artigos 35/42), vemos que o único imposto que realmente deveria ser extinto é o de Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles Relativos, este sim um tributo injusto e confiscatório: incide sobre algo que ao longo do tempo já foi tributado e, além disso, é cobrado até mesmo em momentos onde o contribuinte pode estar financeira e emocionalmente fragilizado (casos de transmissão causa mortis).
Ora, os municípios são as unidades da federação que possuem a menor participação proporcional em termos de arrecadação no PIB. Enquanto a União tem cerca de 57% e o Estado 26%, aos municípios resta apenas 17%. Isso explica sua extrema dependência financeira de recursos federais e estaduais, o que colabora para o clientelismo político e a formação de currais eleitorais viabilizados pelas emendas parlamentares.
Impostos não são meros instrumentos de arrecadação, mas destinam-se a viabilizar “o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça” para alcançar os “valores supremos da uma sociedade fraterna”. (Constituição Federal, Preâmbulo).
A lei municipal que agora retorna a vigorar (pelo menos se novas manobras judiciais não impedirem sua eficácia) pode trazer recursos para que nossa cidade receba as obras e serviços de que necessita.
Não podemos nos esquecer que esta é uma das cinco maiores cidades do planeta, num país repleto de problemas e estes não se resolvem com teses ou teorias, mas com recursos financeiros.
Justiça Tributária não é só reclamar contra os impostos, mas também reconhecer sua necessidade ao funcionamento harmônico da sociedade.
por Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Fonte: Conjur
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