terça-feira, 2 de dezembro de 2014

02/12 Guia para redação das notas explicativas: mandamento legal

Quando se trata de notas explicativas das demonstrações financeiras, a primeira consideração que deve ser feita é no sentido de que a sua elaboração é um mandamento legal, ou seja, a lei comercial brasileira expressamente exige a sua redação. As demonstrações contábeis serão complementadas por notas explicativas para esclarecimento da situação patrimonial e dos resultados do exercício, determina "ipsis litteris" o artigo 176, parágrafo 4° da Lei n° 6.404, de 1976, conhecida como a Lei das Sociedades por Ações (SA). Isso não quer dizer, por outro lado, que as notas explicativas são confeccionadas tão somente para o cumprimento desse dispositivo legal, porque a norma jurídica não existe por si mesma, mas cumpre um papel de viabilizadora da vida em sociedade.

Para alguém que, assim como Robinson Crusoé, viva isolado numa ilha deserta, o direito (normas jurídicas) não faz sentido, pois as regras de conduta serão determinadas pela consciência dessa pessoa. Se ela quiser manter uma rotina organizada e coerente ou se desejar conduzir cada dia de uma maneira única e inusitada, caberá somente à sua própria decisão, sem afetar qualquer outra pessoa. Acontece que, tão logo esse alguém entre em contato com outra pessoa (Sexta-Feira, por exemplo), um mínimo de regras comuns passa a ser necessária, com vistas a manter o convívio coletivo (ainda que de duas pessoas apenas); tem-se, então, a norma jurídica ou o direito.

O conjunto das normas jurídicas não tem uma finalidade de per si, mas busca cumprir a função de assegurar direitos e determinar deveres para que os membros de uma coletividade possam conviver juntos. Nas atuais sociedades civis, onde a coletividade se organiza em termos de Estado, a função de estabelecer as regras de convívio é assumida primordialmente pelos poderes constituídos, que detêm o legítimo monopólio do uso da força (coerção/sanção) para fazê-las valer. Ainda que atuando por meio da representação democrática do povo, o Congresso Nacional (Poder Legislativo) é o responsável primordial para determinar as normas jurídicas, o que inclui aquelas relativas às demonstrações contábeis.

No caso da legislação sobre contabilidade – o chamado direito contábil –, o bem jurídico protegido é a relação da empresa (pessoa jurídica) com todos os seus contratantes, iniciando por seus sócios. As normas jurídicas sobre as demonstrações contábeis, em suma, visam estabelecer os direitos e os deveres da empresa com cada pessoa, física ou jurídica, que mantém relação com ela, e a consequente recíproca (fundamentando as partidas dobradas), além de pretender estabilizar as expectativas dos potenciais contratantes dessa mesma empresa. Por força da sensibilidade desses direitos e desses deveres para o mercado e para a economia como um todo, as principais normas jurídico-contábeis estão prevista em lei, e como tal devem ser mantidas.

Ocorre que a dinâmica das relações empresariais exige o atendimento pelas normas jurídicas mais rápido do que a tramitação de um projeto de lei. Diante disso, a regulação comercial, incluindo o direito contábil, prescinde do texto legal em sentido estrito, sendo aceita a edição de normas infralegais, as quais se identificam, no Brasil, com as resoluções do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e as deliberações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que aprovam as manifestações do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). Essas normas de execução ou de regulamentação, isto é, de concreção dos mandamentos legais, são atos administrativos, emitidos pelos órgãos que detém a função pública de regulação (Poder Executivo).

Finalmente, a norma jurídico-contábil pode ser conformada diante do caso concreto e específico por meio das decisões dos órgãos julgadores, seja na esfera administrativa ou na esfera judicial. No âmbito do procedimento administrativo, o órgão regulador pode se manifestar por iniciativa da empresa, por meio de resposta à consulta formulada, ou por iniciativa própria, o que provocaria o contencioso administrativo. Por outro lado, no âmbito do processo judicial, o Estado novamente é chamado para assegurar o convívio social, atuando como substituto das partes, em busca de uma solução, e fazendo valer o legítimo monopólio da força (Poder Judiciário).

Todas as considerações aqui apresentadas aplicam-se às notas explicativas, desde a existência de lei até a submissão de casos concretos ao juiz, passando pela regulação e sua edição de normas infralegais. A redação das notas explicativas é uma atribuição da administração da empresa que presta a informação financeira, estando sujeita à observância das normas e à regulação dos órgãos que exercem tal função pública (CFC e CVM). No caso de discordâncias e alegações de prejuízo, por parte do regulador ou de algum contratante da empresa, o litígio será resolvido por meio do contencioso administrativo ou do contencioso judicial.

por: Edison Fernandes

Fonte: Valor Econômico 

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