Parlamentares correm contra o tempo para resolver o imbróglio sobre o fim de benefícios fiscais concedidos pelos estados antes que o Supremo Tribunal Federal vote sobre a Proposta de Súmula Vinculante 69. Na última terça-feira (27/5), o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), autor de proposta que elimina a necessidade de unanimidade dos estados na aprovação de benefícios, esteve — com sua equipe — reunido com o ministro Gilmar Mendes, do STF, autor da proposta da súmula, para saber qual o prazo que o Legislativo tem para definir a questão antes que a corte coloque a súmula em pauta.
Não há resposta precisa, mas os próximos dois meses estão garantidos. Sabe-se que o Supremo não terá tempo de debater a proposta em junho e, em julho, o Judiciário estará em recesso. A discussão sobre a súmula só deve ser retomada em agosto. Na última terça, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado já tinha a proposta legislativa pautada, mas não votou devido às ausências dos senadores Ferraço e Luiz Henrique (PMDB-SC), respectivamente relator e autor de substitutivo sobre o assunto. A comissão se reúne semanalmente. Não há garantias, porém, de que a aprovação na CAE satisfaça os ministros do STF para que eles esqueçam a súmula.
O que preocupa em relação ao enunciado é que ele seja aprovado sem modulação de efeitos. A proposta tem o intuito de uniformizar entendimento sobre a inconstitucionalidade da concessão de benefícios fiscais relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sem prévia aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) — inclusive em relação aos benefícios já concedidos e usufruidos. Se não houver qualquer modulação, as secretarias de Fazenda estaduais, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, teriam que cobrar impostos não recolhidos desde 2008, o que deixaria o "mico" nas mãos de grandes empresas, muitas das quais mudaram para estados onde tiveram, por lei, direito de gozar de algum benefício fiscal direto ou indireto em troca de forte investimento.
Em março, a Procuradoria-Geral da República apresentou parecer favorável à edição da súmula pelo STF e contrário à modulação de efeitos. De acordo com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o objetivo é evitar a desestruturação do pacto federativo diante do favorecimento de um estado em prejuízo dos outros. "Não é demais destacar, em relação ao ICMS, que a sua disciplina merece tratamento uniforme, especialmente no que diz respeito às hipóteses de concessão de benefícios", esclareceu. "O que se observa é que os estados, assim como o Distrito Federal, promovem, em flagrante contrariedade ao texto constitucional, bem como à legislação infraconstitucional, ilegítimas medidas voltadas a atrair para seus territórios investimentos internos e externos."
Em proposta apresentada ao Senado para tentar acabar com a guerra fiscal, o senador Ricardo Ferraço afirmou que a aprovação da súmula vinculante traria “consequências econômicas e sociais desastrosas, pois muitas empresas não teriam condição de continuar suas atividades e de realizar novos investimentos, especialmente em regiões menos favorecidas, o que impactaria os governos e populações locais”.
Quadro de insegurança
"Aprovada a súmula, acaba a longa espera da tramitação de uma ação direta de inconstitucionalidade sobre uma lei estadual inconstitucional. Qualquer ministro poderá, em 48h, extinguir um incentivo indevido", avalia Armando Ourique, CEO da empresa InterNews, que promoveu evento recente sobre o assunto com a presença do ministro Gilmar Mendes. "Mas sem uma modulação, a cobrança será retroativa, o que as empresas querem evitar. O ideal é que haja ou uma lei que convalide o passado e proiba novos inventivos no futuro, ou uma modulação da súmula pelo STF."
Em passagem por São Paulo para palestrar na Associação dos Advogados de São Paulo, Gilmar Mendes admitiu a hipótese de modulação da súmula, mas revelou haver impasse quanto à extensão da limitação dos efeitos jurídicos. “A súmula é fácil de ser editada. Mas ela vai afetar, se não houver modulação de efeitos, inclusive os subsídios já concedidos, com impactos para todos os lados e um grave quadro de insegurança jurídica. É possível modular os efeitos, mas qual é a modulação possível? Também nesse ponto há uma perplexidade. Por isso, a solução política é bastante recomendável para que redesenhemos o modelo”, afirmou.
A perplexidade a que se referiu o ministro se deve a quem ficar fora do corte temporal do Supremo. Há sugestões no sentido de que indústrias, que investiram e trouxeram vantagens econômicas aos estados, e que teriam perdas significativas com exigências retroativas, não fossem cobradas. Nesse caso, só arcariam com o prejuízo comerciantes que se utilizaram do benefício indevidamente. Um dos exemplos mais citados é o de atacadistas que se instalam na fronteira entre estados para usar de benefícios do vizinho para reduzir os tributos e aumentar a margem de lucro na intermediação.
“O ideal é que haja um consenso entre os estados. Estamos hoje no pior dos mundos: precisamos de uma resolução do Confaz para que haja concessão do subsídio, mas o Confaz não aprova. E não aprova porque se exige unanimidade. Logo, há também discussão sobre a mudança desse modelo”, opina o ministro. “É importante que isso seja discutido e que haja até mesmo uma espécie de ‘jurisprudência administrativa’ do Confaz para casos de benefícios que são legítimos, lícitos, como os que promovem a atração, por um estado do Nordeste, por exemplo, de uma determinada indústria, visando seu desenvolvimento regional. Isso não pode ser bloqueado.”
Embora uma saída legislativa não tenha o poder de impedir novas leis estaduais inconstitucionais, Gilmar Mendes dá mostras de que o Supremo aposta na via política. “Estamos no pior dos mundos. Não é possível fazer-se a concessão do subsídio de forma lícita, e caímos nessa armadilha. Toda concessão se torna ilícita e, por isso, fica o tribunal onerado quando é provocado para reproduzir essa mesma arenga: ‘é inconstitucional’. E os estados reclamam que a decisão deve ter efeito retroativo, o que gera essa insegurança.”
Reforma fatiada
Uma saída legislativa, no entanto, não teria o poder de convalidar benefícios já concedidos, o que caberia somente ao Supremo, mas essa hipótese estava no Projeto de Lei Complementar (PLS) 130/2014, de autoria da senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) e sob a relatoria do senador Ricardo Ferraço. Mas poderia, ao menos, alterar a regra que exige unanimidade do Confaz para aceitar as concessões, o que vai ao encontro do que já havia sido sugerido pelo governo federal em 2013 na chamada “reforma fatiada” do ICMS.
O último movimento nessa história foi o substitutivo do senador Luiz Henrique ao PLS, que transfere para os próprios estados a tarefa de legalizar os benefícios já concedidos. O projeto reduz o quórum de deliberação do Confaz. Em vez da unanimidade, futuras aprovações precisariam apenas de votos de três quintos dos estados, e de um terço dos integrantes de cada região do país. A redução desse quórum valeria para os casos de convalidação de incentivos já concedidos, de remissão de dívidas fiscais decorrentes da “guerra fiscal”, e de eventual reinstituição de benefícios.
No entanto, na opinião de Isaias Coelho, coordenador de Pesquisa do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getulio Vargas e consultor do Fundo Monetário Internacional e do Banco Interamericano de Desenvolvimento, essa proposta não acabaria com a guerra fiscal, mas a tornaria ainda pior. “A ideia de impor a um ou a alguns estados, por decisão de maioria — ainda que qualificada — de outros estados, mudanças tributárias substantivas, implicando perda de receitas fiscais, é inconcebível num regime federativo. O espaço fiscal do estado, como definido na Constituição, não pode ser violado”, afirmou em artigo publicado nesta sexta-feira (30/5) pela ConJur — clique aqui para ler. “Para acabar com a guerra fiscal, bastaria uma regra simples: vedar a um estado tributar residentes de outro estado. Ou seja, nas vendas interestaduais, eliminar a tributação na origem. Claro que com regras de transição.”
Clique aqui para ler o PLS 130.
Clique aqui para ler a emenda do senador Ricardo Ferraço.
Clique aqui para ler o parecer da PGR.
por Alessandro Cristo é editor da revista Consultor Jurídico
Fonte: Conjur
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