Boa parte do Brasil, mais de um terço de sua população adulta, não tem conta em banco. Essa também é a realidade de 30% dos pequenos negócios do país, cujos proprietários nunca mantiveram qualquer relação com instituições financeiras. No cenário global não há muita diferença. De acordo com relatório do Banco Mundial, 2 bilhões de pessoas não têm acesso a contas corrente ou poupança, o que representa 38% dos adultos do mundo.
Graças à tecnologia e à ascensão das fintechs, esse cenário excludente está mudando, mesmo que a passos lentos. Só no Brasil, segundo Relatório Mundial sobre Bancos do Varejo, feito pelas consultorias Capgemini e Efma, mais de 78 milhões de pessoas têm acesso a algum tipo serviço gratuito ou de baixo custo oferecido pelas 244 fintechs em atuação no país. Mas para garantir o aumento de acesso da população a esses serviços é preciso haver mais incentivos.
Um dos problemas é o alto custo tributário pago pelas empresas em geral, o que inclui as entidades financeiras tradicionais. No final das contas todo esse custo é repassado ao consumidor por meio de tarifas elevadas e uma manutenção de serviços caríssima, mas com as fintechs poderia ser diferente… Por serem consideradas empresas que geram inovação tecnológica, algumas delas têm direito a incentivos fiscais e podem recorrer a um sistema especial de tributação. Parte desses benefícios pode ser repassado ao consumidor final que terá acesso a serviços de última geração com tarifas bem menores que as praticadas pelo sistema bancário tradicional. Em tese faz muito sentido mas na prática percebemos que existem algumas dificuldades. Vejamos.
Um dos exemplos de incentivo às fintechs e startups no Brasil é a Lei 11.196, de 2005, que institui regime especial de tributação para plataformas de exportação e empresas de tecnologia. De acordo com especialistas em planejamento tributário, a Lei do Bem, como é conhecida, pode garantir uma economia de tributos que gira em torno de 30%. A referida lei permite dedução no Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos investimentos realizados em inovação. Além disso, a legislação permite a amortização acelerada do custo de equipamentos, softwares e outras tecnologias vinculadas à pesquisa de desenvolvimento e inovação.
A notícia seria muito boa, mas a baixa disseminação de informações sobre o tema e o mecanismo burocrático para a concessão geram entraves que precisam ser superados. Nesse sentido, há uma série de pré-requisitos para as fintechs se enquadrarem na Lei do Bem. Listamos abaixo os principais pontos de atenção:
1- O incentivo é concedido apenas às empresas que pagam o IRPJ e o CSLL pelo regime Lucro Real (vou explicar esse regime mais abaixo). O problema aqui é que este regime é pouco usual para as empresas, em especial as de pequeno porte pois, em tese, gera maiores custos e a necessidade de um controle mais rigoroso das operações (especialmente contábil);
2- É obrigatório que a fintech apresente lucro tributável no período (se houver prejuízo fiscal o benefício não será concedido);
3- A despesa vinculada a atividade/desenvolvimento tecnológico, citada pela fintech, precisa ser validada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Neste ponto inúmeras são as reclamações de empresas que submetem as rubricas que entendem fazer jus ao benefício mas ao final são “glosadas” pelo governo;
Afora a Lei do Bem, outra iniciativa de incentivo às fintechs, mas apenas àquelas de pequeno porte, é o Projeto de Lei 6625/2013, que prevê um regime tributário diferenciado para iniciativas que se enquadrarem no Sistema de Tratamento Especial a Novas Empresas de Tecnologia (SisTENET). Aguardando parecer do relator da Comissão de Finanças e Tributação, na Câmara dos Deputados, o PL garante isenção total de impostos federais por dois anos (prorrogáveis por mais dois) a empresas classificadas como startups. Para usufruir dos benefícios, a empresa deverá ter receita bruta trimestral de até R$ 30 mil e manter, no máximo, quatro funcionários contratados.
Em relação aos regimes tributários, as fintechs e startups brasileiras podem se encaixar em qualquer um dos três modelos fiscais disponíveis no Brasil: Lucro Real, Lucro Presumido ou Simples Nacional. A escolha vai depender, basicamente, da atividade exercida e da receita bruta.
São obrigadas por lei a optar pelo “Lucro Real” todas as empresas que se denominam “instituições financeiras” ou aquelas que exercem outro ramo de atividade, mas que tenham receita bruta superior a R$ 78 milhões. Esse regime é ideal para empresas de grande porte que possuem muitas despesas com matéria-prima, energia elétrica, aluguéis ou fretes, pois há a possibilidade de incentivo fiscal via PIS/Cofins. Elas vão ter um custo adicional de operação, já que é necessário manter um controle fiscal e contábil criterioso para repasse das informações ao fisco. Além dos tributos que incidem sobre o faturamento (PIS, Cofins e ISS), essas empresas pagam impostos sobre o lucro. Neste caso as alíquotas podem variar de 24% a 34% sobre o lucro. Infelizmente, por estas características, são pouquíssimas as startups que fazem a opção pelo referido regime em especial, já que normalmente são empresas em gestação e que ainda estão em fase de validação de seu modelo de negócios.
Já o “Lucro Presumido” é indicado para empresas que tenham poucos custos operacionais, folha salarial baixa e margens de lucro superiores à presunção. É ainda necessário ter faturamento de até R$ 78 milhões. Relativo aos tributos federais essa modalidade apura o IRPJ, CSLL, PIS e Cofins, que têm uma margem de lucro pré-fixada por lei. A base de cálculo do lucro para a maioria das empresas prestadoras de serviços e software é de 32% do faturamento mensal, sobre a qual incidem as seguintes alíquotas: IRPJ 15% e CSLL 9%. Adicionalmente devemos acrescentar o Cofins 3% e o PIS 0,65%. Ou seja, multiplicando um pelo outro vamos apurar uma média de 11,33% do faturamento total sem contar o ISS (que irá variar de 2% a 5%), mas isso pode variar de acordo com a atividade da empresa.
As fintechs podem também optar pelo “Simples Nacional”, desde que tenham receita bruta de até R$ 3,6 milhões. As vantagens desse regime estão na facilidade do pagamento de tributos. Em uma única guia (Documento de Arrecadação do Simples Nacional – DAS) estão reunidos impostos como IRPJ, CSLL, PIS, Cofins, IPI, ISS, CPP e ICMS. As alíquotas pagas pelas empresas variam de 4,5% a 16,93%, dependendo da atividade desempenhada.
Em uma análise geral, considerando que as maiorias das fintechs se enquadram como empresas prestadoras de serviços e de tecnologia (chamados tecnicamente de Facilitadores ou PSP), o regime mais favorável seria a opção pelo Simples Nacional com uma tributação que deverá se iniciar em 6%, mas que dependendo da atividade e faturamento pode chegar a 16,93%. Ou seja, a fintech deve ficar bastante atenta à sua atividade fim como prestadora de serviços de tecnologia. Dependendo do enquadramento e valor de faturamento passa a ser mais interessante sair do Simples Nacional e optar pelo Lucro Presumido, cuja tributação total começa em 13,33%. Outra limitação do Simples Nacional diz respeito aos sócios. Normalmente a fintech que recebe investimentos não conseguirá fazer a opção pelo Simples Nacional uma vez que, muito provavelmente, a existência de sócios fará com que ela incida em uma das excludentes desta opção.
Assim, voltamos ao ponto onde iniciamos esta análise. As fintechs apesar de serem empresas que em tese poderiam se beneficiar de incentivos ficais e de uma tributação menor, na prática não conseguem se valer destes benefícios se enquadrando em sua maioria absoluta na mesma condição das demais empresas prestadoras de serviços optantes pelo regime do lucro presumido.
Do outro lado da mesa, alvo de protestos no mundo inteiro devido aos lucros exorbitantes, há um movimento que vem levando as instituições financeiras tradicionais a pagarem mais impostos. Em 2015, o Governo Federal brasileiro, por exemplo, aprovou Medida Provisória que aumentou parte dos tributos pagos por bancos e administradoras de cartão de crédito. Na ocasião, a alíquota de CSLL paga por essas entidades subiu de 15% para 20%. A tendência é que haja cada vez mais pressão social pela taxação extra das entidades financeiras, além de cobrança de impostos sobre os dividendos dos acionistas. O importante é ficarmos alertas para que essas medidas não gerem impactos negativos para as fintechs, que ainda carecem de ter materializado na prática o acesso aos incentivos fiscais que viabilizem uma redução das tarifas na ponta.
Entender este movimento, separar as fintechs das instituições financeiras tradicionais e permitir mecanismos para que os benefícios consigam ser efetivamente auferidos pelas empresas inovadoras, é fundamental para fortalecer todo o ecossistema onde, ao final, seremos nós cidadãos e usuários finais os maiores beneficiados.
Ricardo Capucio - Advogado com ampla atuação no Direito das Tecnologias e Regulatório, empreendedor social, fundador e CEO da conta.MOBI (www.conta.mobi)
Fonte: Jota.info/
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