Mesmo diante da crise política, o governo federal parece estar disposto a enviar ao Congresso Nacional uma nova proposta de reforma tributária. A questão central nesta discussão é, novamente, a reforma do sistema de tributação de mercadorias e serviços. Em 1988, os constituintes tomaram a trágica decisão de não adotar o modelo de um Imposto único sobre o valor agregado (IVA). Desde então, diversas propostas de reforma tributária tentaram a implementação deste modelo, sem obterem, no entanto, o consenso político necessário para a sua aprovação.
Acontece que as experiências passadas já nos mostraram que a adoção de um IVA Nacional, reunindo de uma só vez os tributos de todos os entes, parece não ser viável no contexto político brasileiro, em virtude do grande conflito federativo que tal proposta gera. Diante desta dificuldade política, muito se tem discutido se pequenas mudanças pontuais – tais como a extinção do PIS e COFINS para a criação de uma nova contribuição ou ajustes específicos no ICMS e ISS, não seriam o caminho para se avançar. Não nos parece, todavia, que ajustes pontuais e sem uma visão do conjunto e do norte a se chegar seja a via mais adequada. Qual seria então a solução?
Um modelo de IVA que foi adotado em um país federativo de maneira bem sucedida e que poderia nos servir de guia é o sistema Canadense. A experiência do Canadá mostrou que um IVA federal pode perfeitamente funcionar em um país onde os entes federativos subnacionais têm seus próprios sistemas de tributação de bens e serviços, tal como ocorre no Brasil. O IVA foi adotado no Canadá em 1991 unilateralmente pelo governo federal, que inclusive se utilizou de uma prerrogativa constitucional inédita de convocar senadores “de emergência” para permitir a aprovação da proposta. Apesar de ter sido criado em substituição a uma espécie de imposto sobre a industrialização, o IVA Federal foi visto como um imposto novo pela população e empresas, causando um enorme descontentamento popular no início, o que resultou em uma grande perda eleitoral do governo nas eleições. No Brasil, diferentemente, a adoção de um IVA Federal seria vista como uma medida para substituir ao menos três tributos: PIS, COFINS e IPI, o que poderia ser perfeitamente justificado como uma maneira de tornar o sistema mais eficaz e menos complexo, podendo contar inclusive com o apoio popular e das empresas.
A grande peculiaridade do Canadá em relação a outros países é que, quando da adoção do IVA, já se fez a previsão de uma harmonização futura dos tributos das províncias à mesma base do imposto federal, criando-se um modelo dual. Diversas províncias canadenses já aderiram ao sistema harmonizado, inclusive Québec e Ontário, duas das mais importantes do país. A adoção do sistema harmonizado tem significado para as províncias menos despesas administrativas e melhores resultados financeiros. As províncias que não quiseram aderir mantêm os seus tributos originais e algumas optaram até mesmo por não ter tributação sobre os bens e serviços em seu território.
No Brasil, uma proposta baseada neste modelo seria a criação inicial de um IVA somente com os tributos federais, sem incluir o ICMS dos Estados e o ISS dos Municípios, mas já fazendo uma previsão de harmonização futura destes impostos à base federal para criação de um IVA-Dual. Os Estados que vierem a adotar o regime harmonizado, passariam a tributar sob a mesma base do IVA Federal, com uma alíquota a ser escolhida por cada um deles. A arrecadação e administração do imposto harmonizado poderia ser de responsabilidade da União Federal em cooperação com os governos estaduais. A adoção do regime harmonizado dependeria de negociação com cada Estado e em contrapartida a uma ajuda financeira por parte da União.
A grande vantagem deste modelo é que, do ponto de vista político, se dilui o conflito federativo que se cria com a proposta de adoção de um IVA englobando o ICMS e o ISS desde o início, tal como tem ocorrido a cada discussão de reforma tributária no Congresso. A negociação para a adoção do modelo harmonizado ficaria mais individualizada com cada Estado e postergada para o futuro, podendo ainda se ter a opção de manter o regime do ICMS. Assim, ao invés de ficarmos dependentes e reféns da concordância de todos os Estados para se fazer a reforma tributária, a ideia aqui é iniciar a mudança no nível Federal – o que já traria ganhos imediatos ao nosso sistema – e deixar a critério dos Estados a adoção deste regime ou não posteriormente. Isto facilita o processo de aprovação já que diminui a possibilidade de veto players para a adoção da reforma. O modelo canadense parece ser, dessa forma, o caminho mais provável e que poderia ser tomado pelo governo para a aprovação imediata da reforma tributária, trazendo resultados já para 2018.
por Melina Rocha Lukic - Professora FGV-Direito Rio. Autora do livro "Reforma Tributária no Brasil: ideias, interesses e instituições".
Fonte: Jota.info/
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