A Receita Federal tem notificado contribuintes que aderiram ao programa de repatriação para o pagamento de multa de mora de 20% relativa ao Imposto de Renda (IR) sobre os ganhos declarados no exterior. Apesar de o Fisco ter se manifestado no início do ano que a multa não seria devida, novas notificações têm chegado aos contribuintes.
A justificativa é que a retificação da declaração e o pagamento do imposto sobre os ganhos de capital foram efetuados após o dia 31 de outubro de 2016, quando se encerrou a adesão. Após esse prazo, não haveria a caracterização de denúncia espontânea, conforme o artigo 138 do Código Tributário Nacional (CTN), e os contribuintes não estariam livres de pagar a multa de mora.
Para a advogada Rachel Muraro Lembi, do Lembi Mesquita Advogados, que assessora empresas e pessoas físicas que foram notificadas recentemente, a Receita não tem levado em consideração que houve prorrogação desse prazo pela IN 1.665. "Como consequência lógica, ainda que não expressamente escrita, as apurações passaram a poder ser finalizadas e quitadas até a mesma data", diz.
Rachel acrescenta que o único impacto da instrução normativa era a possibilidade de prorrogação dos efeitos de denúncia espontânea porque a retificação do IR pode ser feita a qualquer momento.
Apesar da instrução normativa não tratar da postergação da retificação do ano de 2016/2015 para 31 de dezembro de 2016, a advogada alerta que no próprio site da Receita essa prorrogação foi confirmada na parte de perguntas e respostas sobre o programa. " Essas perguntas e respostas têm efeito vinculante para a Receita, que tem ignorado suas próprias normas", afirma.
A Receita fundamenta as notificações na Nota Codac nº 62, deste ano, em que a prorrogação do prazo para 31 de dezembro de 2016, conforme alteração trazida pela Instrução Normativa nº 1.665, de 2016, é completamente ignorada, segundo a advogada. "De modo que os pagamentos de impostos e retificações ocorridos entre 31 de outubro de 2016 até 31 de dezembro de 2016 estão sendo desconsiderados para fins de não incidência da multa de denúncia espontânea", diz.
Algumas pessoas físicas que sofreram notificações têm preferido pagar a discutir judicialmente. "Há casos que cobram migalhas, cerca de R$ 4 mil, e as pessoas preferem encerrar as cobranças", afirma Rachel. Mas quando os valores são maiores a exclusão da multa é discutida administrativamente. "A Receita Federal ignora as suas próprias regras e atos internos e arbitrariamente cria novas instruções, gerando extrema insegurança, ansiedade e angustia aos que seguiram as regras do jogo."
Hermano Barbosa, sócio da área tributária do Barbosa, Müssnich, Aragão (BMA), afirma que muitos clientes acabaram pagando para não se aborrecer, nos casos em que os valores são baixos, apesar de a cobrança ser absolutamente questionável.
O advogado Edison Fernandes, sócio do FF Advogados, afirma que tem auxiliado muitos clientes com autuações nesse sentido. Algumas chegaram em janeiro e outras em junho. "A Receita Federal está gerando uma arrecadação completamente indevida. Pessoas, principalmente idosas, que recebem a notificação e ficam com medo, acabam pagando mesmo sem dever", diz. Em alguns casos, o advogado tem pedido a restituição.
A regulamentação que afasta a aplicação da multa é vasta, segundo Fernandes. Existem dois pareceres da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) dizendo que a multa não é devida, caso haja o pagamento antes da fiscalização, além de dispositivos na Lei de Repatriação (Lei nº 13.254, de 2016).
Em fevereiro, quando as notificações começaram a ser noticiadas, a Receita emitiu nota para dizer que cancelaria as multas e não haveria necessidade de qualquer manifestação do contribuinte. "Quando vimos que na prática o cancelamento não seria automático como a Receita dizia, mudamos a nossa estratégia", afirma Fernandes.
Para cancelar essas cobranças, o advogado tem entrado com pedido de Certidão Negativa de Débitos (CND) para gerar um procedimento interno com protocolo no qual se pode discutir a cobrança.
O advogado Nycolas Colucci, do Chulam Colucci Advogados, diz que as notificações da Receita não têm seguido as perguntas e respostas do próprio órgão. Ainda que a instrução normativa não deixe claro o afastamento da multa para retificadoras apresentadas entre 31 de outubro e 31 de dezembro de 2016, o artigo 100, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN) afasta a aplicação de penalidade em relação a contribuintes que seguirem orientação expedida pelas autoridades fiscais.
"Na primeira fase da repatriação existia grande receio de que a Receita faria uma caça às bruxas após o encerramento do programa", afirma Colucci.
Apesar das notificações existentes, a Receita Federal informou, por nota ao Valor, que aos contribuintes que retificaram a declaração até 31 de dezembro de 2016 "aplica-se a denúncia espontânea desde que o pagamento do IR tenha sido efetuado antes ou na mesma data da retificação". Ainda segundo a nota "se houve eventual erro de sistema e a multa foi aplicada, ela será cancelada pela Receita Federal, bastando a mera alegação do contribuinte ou seu responsável legal".
Por Adriana Aguiar | De São Paulo
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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