Como se não bastasse toda turbulência vivida pelo empresariado brasileiro, nesta terça-feira (30/5) o Congresso Nacional em sessão conjunta da Câmara e do Senado derrubou vetos presidenciais no Projeto de Lei Complementar 157/2016, iniciada no Senado como Projeto de Lei Complementar 366/2013 de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR).
Ainda que tenha havido a derrubada dos vetos do presidente da República, haverá a votação de destaques ainda em sessão a ser designada para tal sorte.
A decisão tomada pelos senadores e deputados impede que o presidente de República mantenha o veto, tanto assim que o texto constitucional determina que seja enviado o projeto para promulgação, e não o fazendo caberá ao presidente do Senado fazê-lo (§5° e §6° do artigo 66 da Constituição Federal).
Ainda que em um esforço sintético podemos afirmar que temos um quadro bastante preocupante. A nova lei do imposto sobre serviços qualquer natureza (ISSQN) que trouxe temas muito controvertidos do ponto de vista constitucional, como términos de isenções com limitações de alíquotas mínimas em 2%; possibilidade de qualificação como improbidade administrativa ao agente público que desrespeitar tais regras, dentre outras importantes alterações, que ao menos uma análise preliminar tem discutível entrosamento com a natureza do imposto e sua matriz constitucional, simplesmente altera a forma até aqui praticada para recolhimento e própria hipótese de incidência do imposto sobre serviços, situação que além de instabilidade deve preocupar e muito o mercado.
O artigo 3° da Lei Complementar 157 de 2016 trazia em seu texto originário exceções à regra então vigente. Passava-se da regra da aplicação de alíquota — termo utilizado de forma singela, referindo-se à própria hipótese de incidência tributária — do estabelecimento do prestador de serviços para algumas exceções em que se aplica as regras fixadas pelo domicílio dos “clientes” nas operações com cartão de crédito e débito, leasing e planos de saúde.
O veto presidencial fundamentou-se na possiblidade de queda de arrecadação e possibilidade de aumento dos custos das empresas que seriam repassados aos consumidores, assertiva na forma de fundamentação de veto que seria defendida por qualquer ser com mínimo de capacidade intelectiva e com igual grau de conhecimento econômico. Veto derrubado, prevalecerá a verdadeira aleivosia jurídica que é alteração da regra de incidência já antecipada.
Nunca demais relembrar que os municípios embora entes derradeiros da arrecadação com o ISSQN não detém autonomia absoluta sobre a instituição dos fatos imponíveis. Cabe à lei complementar, e, portanto, na esfera de atuação do ente político da União tratar dos fatos imponíveis, reflexos da opção do constituinte brasileiro pela adoção de um sistema rígido quanto a organização das limitações do poder de tributar. Ainda que não caiba um estudo aprofundado sobre o tema das competências tributária não poderíamos passar in albis sobre a necessária organização constitucional.
Ainda que o artigo 155 da Constituição Federal, em seu inciso XII alínea “d” determine que cabe à lei complementar “fixar para efeito de cobrança e definição do estabelecimento responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de serviços”; tal enunciado não é um cheque em branco dado pelo constituinte ao legislador infraconstitucional, ainda que sob o manto de rigidez típico da tramitação de leis complementares.
A matriz constitucional do imposto continua a existir, bem como, impossível não observar a completa destruição de qualquer forma de avaliação da regra matriz de incidência tributária do imposto sobre serviços de qualquer natureza após a alteração da base territorial – em termos de prospecção dos efeitos da lei – nas operações atingidas por consumidores de serviços em município diverso daquele do prestador de serviços.
Passemos a alguns aspectos econômicos e de funcionamento do sistema tributário após irradiar seus efeitos a nova sistemática.
O brasil tem atualmente 5.570 municípios, e não houve nenhum parlamentar que tenha escondido ter votado em prol de um pleito dos municípios. E a defenderem suposta igualdade social na distribuição do ISS podem causar verdadeiro caos ao sistema tributário de tal espécie de imposto.
Diante da exorbitante quantidade de municípios criou-se uma forma obrigação tributária aos prestadores de serviços, que terão não somente os regramentos dos municípios em que estão sediados seus estabelecimentos; mas caso tenham uma abrangência nacional, terão 5.570 regramentos, direta ou indiretamente a serem observados.
É algo impensável. Cria-se a possibilidade de fiscalização por diversos municípios, e uma inesgotável burocracia para formatação de novos negócios, que com o advento da evolução tecnológica encurta barreiras territoriais para a prestação de serviços, e é extremamente afetada pela incerteza e especialmente pela necessidade de controle tributário que pode inviabilizar certos negócios.
Fez-nos relembrar o que o professor Ives Gandra da Silva Martins que já em 1990 decantava com o brilhantismo de sempre como absurditas juris[i] quanto ao erro interpretativo quanto ao alargamento das limitações de tributar entre a união e os municípios em matéria de imposto sobre serviço de qualquer natureza.
Ainda que não nos caiba julgar a intenção do legislador, assumindo meramente a função de “lógico, semântico e pragmático da linguagem do direito”[ii] função que cabe ao jurista ou interprete de norma; em matéria tributária sempre há que relembrar que “norma válida é aquela que mantém relação de pertinencialidade com o sistema” conforme ensina o mestre Paulo de Barros Carvalho.
Atender aos municípios significou neste caso não atender ao país. A geração de riqueza não depende de uma suposta igualdade — e neste caso há patente desigualdade na medida em que se destina receita advinda de imposto a município completamente avesso, estranho à relação obrigacional tributária — e com a criação de burocracias insustentáveis, especialmente às pequenas empresas.
Alterou-se a relação jurídico-tributária, com sensíveis releituras sobre domicilio, conceito de estabelecimento, e até a votação dos destaques ainda há esperança para que de alguma forma, as discussões em sede de enunciação surtam algum tipo de efeito, ainda que se afunile o tema dado o avanço da matéria e derrubada do veto consolidada.
É mais uma oportunidade de contemplarmos o verdadeiro analfabetismo em uma leitura do direito pelo viés econômico, tão necessário e difundido mundialmente. O legislador brasileiro não tem apreço pelas ciências econômicas, situação que implica diretamente em uma leitura das estruturas legais — necessárias ao funcionamento racional do país especialmente em matéria tributária — com certa torpeza que assusta os crentes da prosperidade.
[i] O ISS na Constituição de 1988 e na Anterior; Revistas dos Tribunais, RT653/252, Mar. 1990
[ii] Referência utilizada pelo Professor Paulo de Barros Carvalho ao definir a função do jurista ao interpretar os enunciados na condição de jurista. Curso de Direito Tributário. São Paulo. Saraiva. 1999, página 105
por Aílton Soares De Oliveira é advogado em São Paulo e Brasília. Consultor Jurídico. Pós-graduado em direito tributário pela PUC-SP; Pós-graduado pela Escola Judiciária Eleitoral Paulista do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.
Fonte: Conjur
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