O direito a voto de qualidade dos presidentes de turma do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), na verdade, dá ao Fisco dois votos nos julgamentos. Para o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a previsão fere os princípios constitucionais da isonomia e da proporcionalidade. Em ação direta de inconstitucionalidade, a Ordem afirma que, com o voto de qualidade, o Carf “se utiliza de procedimentos discriminatórios e arbitrários para proferir seu julgamento”.
A ação questiona a constitucionalidade do artigo 25 da Lei 11.941/2009. Ele alterou o parágrafo 9º do artigo 25 do Decreto 70.235/1972, que define o processo administrativo fiscal, para dizer que os presidentes das turmas do Carf serão sempre representantes da Fazenda e terão sempre o voto de qualidade, nos casos de empate.
In dubio
Na ação, a OAB pede para que o Supremo determine a aplicação do artigo 112 do Código Tributário Nacional, segundo o qual a lei tributária deve ser sempre aplicada da maneira mais favorável ao acusado nos casos de dúvida quanto à sua aplicação.
A Ordem pede que o Supremo diga que, nos casos de empate no Carf, seja aplicado sempre o entendimento mais favorável ao contribuinte. Se isso não for possível, o pedido subsidiário é que o STF proíba a aplicação das multas de ofício “ou multas regulamentares do mesmo jaez” nos processos definidos por voto de qualidade.
O Carf é um “tribunal” interno do Ministério da Fazenda. Discute recursos apresentados contra decisões das delegacias de julgamento da Receita Federal em matéria tributária ou previdenciária. É também um órgão paritário: metade de seus membros representa a sociedade civil, e metade, a Fazenda Nacional.
As turmas do conselho têm sempre composições pares — até para preservar a paridade dentro dos colegiados. Mas, ao estabelecer que o presidente das turmas, sempre fazendário, proferirá os votos de qualidade nos casos de empate, a lei desequilibrou os julgamentos, diz a OAB na ação.
Para a autarquia, o Carf viola também o princípio do devido processo legal com o voto de qualidade, “garantia de todo cidadão de que o poder estatal respeitará obrigatoriamente a proporcionalidade e razoabilidade entre os meios adotados e os fins almejados, de maneira a resguardar os direitos e garantias fundamentais”.
“A duplicidade do voto proferido pelo Conselheiro Presidente, sobretudo levando-se em conta ser ele representante do Fisco, coloca em xeque a missão da instituição, qual seja, julgar, de forma imparcial e justa, os litígios administrativos fiscais.”
Dados de realidade
As afirmações da OAB não são apenas em tese. O Carf é dividido entre turmas ordinárias e a Câmara Superior de Recursos Fiscais, o órgão máximo do conselho. De lá, as decisões são irrecorríveis pela via administrativa.
De acordo com estudo do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getulio Vargas (NEF/FGV), a Fazenda saiu vitoriosa de todos os julgamentos do Carf definidos por voto de qualidade cujos acórdãos foram publicados até o dia 30 de junho de 2016. Portanto, do órgão de cujas decisões não se pode recorrer, os votos dos conselheiros fazendários são a favor do Fisco em 100% das vezes que são chamados a desempatar uma questão.
Nas turmas ordinárias e nas câmaras baixas, o contribuinte tem um pouco mais de sorte. Segundo levantamento do escritório Advocacia Lunardelli, a Fazenda saiu vitoriosa em 95% dos casos definidos por voto de qualidade entre janeiro e junho de 2016. Isso quer dizer que, dos 110 acórdãos publicados com voto de qualidade naquele período, apenas seis deram vitória ao contribuinte.
ADI 5.731
Fonte: Conjur
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