“Eis aqui este sambinha feito numa nota só. Outras notas vão entrar, mas a base é uma só.
Esta outra é conseqüência do que acabo de dizer. Como eu sou a conseqüência inevitável de você.
Quanta gente existe por aí que fala tanto e não diz nada,ou quase nada. Já me utilizei de toda a escala e no final não sobrou nada,não deu em nada.
E voltei pra minha nota como eu volto pra você. Vou contar com uma nota como eu gosto de você.
E quem quer todas as notas: ré, mi, fá, sol, lá, si, dó. Fica sempre sem nenhuma, fica numa nota só.” (letra de Newton Mendonça, música de Tom Jobim)
No Brasil, o que não acaba em pizza acaba em samba. Pior seria se acabasse em sangue. João Gilberto acordou-me hoje no rádio que me desperta todas as manhãs com a música cuja letra está em destaque. Assim, de imediato achei o tema para esta coluna.
“Levei vinte anos para começar a fazer alguma coisa que prestasse. A turma do deixa disso não dava trégua... Mas desistir não faz parte do meu dicionário.” (Ozires Silva, ex-presidente da Embraer)
Poderia também usar a frase de meu saudoso amigo-irmão, o estatístico Antonio Leal de Santa Inez, nascido em Serrinha, uma importante cidade da Bahia, que amanhã completa 141 anos de fundação: “O cabra quebra a dentadura, mas não larga a rapadura.”
Em maio dediquei este espaço por duas semanas consecutivas ao mesmo assunto de hoje. No dia 15 indaguei: “Será que agora vem mesmo a necessária reforma tributária?” para na semana seguinte afirmar que: “Só um choque de realidade permitirá a reforma tributária.”
Em 7 de novembro de 2016 afirmei que “reforma tributária é como a reforma de uma casa: não podemos apenas trocar a pia da cozinha ou os vidros de uma janela, se todo o prédio está deteriorado, com paredes rachadas, telhas quebradas e pintura descascada.” Conheço bem esse problema,pois já reformei minha casa duas vezes e no meio da segunda tive que consultar um psiquiatra!
Os comentários dos leitores são o reconhecimento deste trabalho e a vida desta revista eletrônica. Nesse dia 7 de novembro de 2016 o prezado colega catarinense Gabriel da Silva Merlin trouxe valiosa e importante observação em face da coluna publicada nessa data que, de forma talvez atrevida de minha parte, apontava para a necessidade de uma “Reforma tributária, mas não para deixar tudo como está!”
Afirmou, com o bom senso e o equilíbrio de um bom jurista, que
“Independentemente da reforma tributária que se queira fazer uma coisa é certa, não há mais margem para o Governo ficar aumentando a carga tributária brasileira. Se quiserem aumentar os impostos sobre a renda terão de diminuir os impostos sobre o consumo (e vice-versa). E o meu medo com essa tão falada reforma é exatamente esse, eles usarem o fato de o Brasil ter uma baixa tributação sobre a renda para aumentá-la sem compensar com a diminuição nos impostos que incidem sobre o consumo.”
Mas, pelas declarações do atual ministro da Fazenda, sobre possíveis soluções para o déficit fiscal, temos realmente o que temer!
Ainda que a passos de tartaruga, a reforma tributária anda no Congresso. Em 22 de maio, quando aqui falei ser necessário um “choque de realidade” para que a consigamos, noticiou-se a audiência pública da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara para tratar da famigerada “guerra fiscal” do ICMS.
Nessa mesma ocasião o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR) , relator da Comissão Especial da Reforma Tributária, assinalou que a implantação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) é necessária. Os estados ficariam com uma parte do imposto e “teriam que trabalhar para construir o país.” E mais: que isso seria “realocar essa carga tributária em cima de um IVA clássico. Nem a união tomaria dinheiro do estado, nem um estado de outro estado, e nem um município tomaria do outro”.
A idéia não é nova. Surgiu já em 1970, logo após a vigência da reforma de 1967, decorrente da EC 18/65, assinada pelo senador Auro Moura Andrade e pelo deputado Bilac Pinto, respectivamente presidentes do Senado e da Câmara.
O senador, rico fazendeiro nascido em Barretos, cidade em que este paulistano viveu dos 5 aos 20 anos, viabilizou o golpe de 64 dando uma rasteira em Jânio, a quem mais tarde dediquei um emocionante poema. Afinal, de louco e poeta todos nós temos um pouco.
Muita gente boa faz confusões com essa coisa que ainda chamamos de sistema tributário. Uma delas é afirmar que temos mais de 50 impostos! Na verdade são apenas 12, pois um deles existe, mas não regulamentado desde a Constituição de 1988, que o criou. Leiam, por favor, a coluna de 27 de abril de 2015 onde apontei que “Criar tributo sobre grandes fortunas ou sobre herança, eis a questão.”
Dentre as propostas apresentadas ao Congresso seria alcançado pelo Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) o patrimônio maior que R$ 5,52 milhões. Com alíquotas progressivas de 0,55% a 1,8% da base de cálculo, quem tem R$ 10 milhões pagaria R$ 26.562 ao ano, ou seja, 2,65% o que, certamente, não é exagero ou forma confiscatória de tributação. O Congresso não criou a Lei Complementar a respeito por preguiça dos parlamentares. Preferem discutir datas festivas e outras besteiras.
Das 34 leis ordinárias deste ano (números 13.418 a 13.448) nada menos que 11 podem ser consideradas sem relevância. A 13.418 “Confere ao Município de Blumenau, no Estado de Santa Catarina, o título de Capital Nacional da Cerveja; a 13.437 que trata do “Dia do Perdão”, enquanto a de 13.447, “Confere ao Município de Braço do Norte, no Estado de Santa Catarina, o título de Capital Nacional do Gado Jersey”.
Nada tenho contra as cidades que receberam aqueles títulos e menos ainda contra a cerveja, que bebo com frequência, desde que o médico cortou meu escocês, levando à falência meu saudoso bar. Mas leis desse tipo deveriam inexistir.
O Congresso deveria cuidar com urgência de aprovar o Código de Defesa dos Contribuintes, matéria que já foi objeto de publicação em 2012, antes da criação desta coluna semanal. Mais de cinco anos depois, o Congresso cuidou de muita coisa, mas não disso!
Parodiando o samba: “Quanta gente existe por aí que fala tanto e não faz nada,ou quase nada...”
Quanto à luz no fim do túnel devemos ter muito cuidado: pode ser um trem na contramão ou, pior ainda, viatura policial em alta velocidade!
por Raul Haidar é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.
Fonte: Conjur
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