A substituição tributária, prevista na Constituição Federal, possibilitou que os Estados arrecadassem o ICMS de maneira muito mais eficiente. Na prática, o que se faz é antecipar o fato gerador do ICMS, a venda ao consumidor final, elegendo um responsável pelo pagamento do imposto que incidirá sobre uma base de cálculo presumida. A Constituição prevê uma hipótese de ressarcimento: quando não ocorrer o fato gerador que se antecipou. Essa ficção jurídica que facilita a arrecadação e fiscalização do ICMS, contudo, pode gerar distorções.
A base de cálculo presumida é fixada por meio de preços finais/margens divulgados pelos estados. Por mais que se busque a perfeita coincidência da presunção com a realidade, na prática, muitos dos preços presumidos são superiores ao valor da venda efetiva, e há também situações em que a venda se realiza por valor superior.
Segundo a Suprema Corte no julgamento dessa ADI, a substituição tributária no ICMS partia justamente da premissa de uma ficção para se antecipar o imposto, portanto, não faria sentido buscar ressarcimento ou complemento do imposto com base na operação real, porque estar-se-ia inviabilizado o próprio instituto da substituição tributária, que parte de uma presunção.
Contudo, o STF alterou seu entendimento no julgamento do Recurso Extraordinário 593.849. Na mesma oportunidade, julgou improcedentes as ADIs 2.777 e 2.675 por entender constitucional a previsão estadual de ressarcimento do ICMS-ST.
O STF entendeu que é cabível o ressarcimento do imposto pago em regime de substituição tributária na hipótese de a venda efetiva se dar em valor inferior à base de cálculo presumida do imposto. Essa decisão, ainda não publicada, foi submetida ao regime da repercussão geral, isto é, o poder judiciário e a administração deverão observar o posicionamento da Suprema Corte sobre o tema.
O fundamento central das decisões que prevaleceram foi no sentido de que a eficiência fiscal não poderia se sobrepor à vedação ao confisco, e que a simplificação da arrecadação não poderia deixar em segundo plano os direitos e as garantias dos contribuintes. Mencionou-se também que a Constituição Federal prevê o ressarcimento do ICMS-ST no caso de não realização do fato gerador presumido e que a venda por valor inferior seria uma espécie de não-realização do que se presumiu.
A Suprema Corte modulou os efeitos de sua decisão, isto é, determinou que esse novo entendimento seja aplicado aos fatos posteriores à proclamação do resultado de julgamento, assim como a todos os processos já ajuizados, inclusive os que estão com recursos sobrestados.
De agora em diante, os contribuintes terão fundamento constitucional para requerer o ressarcimento do ICMS-ST na hipótese de venda em valor inferior do que a operação presumida, inclusive naqueles rstados em que não há previsão nesse sentido.
A decisão do Supremo também vem em reforço aos contribuintes que estão discutindo administrativa e judicialmente o direito ao ressarcimento de ICMS-ST naqueles estados que já preveem o ressarcimento. E esse reforço decorre do entendimento de que esse direito está constitucionalmente garantido e não poderia ser obstado por parte das Secretarias de Fazenda, com a imposição de obrigações acessórias que inviabilizem o ressarcimento.
Um aspecto que não foi diretamente abordado na decisão do STF diz respeito à situação dos contribuintes que questionam a cobrança do complemento do ICMS-ST pelos Estados em função de a venda ter se dado em valor superior à base presumida. O entendimento do STF de que a base de cálculo presumida no ICMS-ST não é definitiva, poderia, em tese, impactar as discussões sobre a cobrança do complemento do ICMS-ST pelos estados.
Mas alguns pontos devem ser ponderados. Em primeiro lugar, o complemento do ICMS-ST somente poderá ser cobrado na hipótese de haver previsão legal para tanto. Em segundo lugar, a cobrança do complemento após a realização da venda poderia ser questionada inclusive sob a perspectiva constitucional, porque a Constituição Federal prevê apenas a hipótese de ressarcimento com a não realização do fato gerador do ICMS-ST, preservando a lógica intrínseca do ICMS, que é imposto indireto cujo ônus é repassado ao consumidor final. E a cobrança do complemento após a venda, além de não prevista na Constituição Federal, inviabiliza o repasse desse ônus.
Por fim, é muito importante que seja resguardada a segurança jurídica daqueles contribuintes que questionam a cobrança do complemento do ICMS-ST porque pautaram seu comportamento no entendimento até então consolidado no STF, no sentido de que a tributação no regime de substituição tributária era definitiva. Esses contribuintes que se insurgiram contra a cobrança do complemento do ICMS-ST valendo-se do entendimento anterior do STF deverão ficar resguardados, justamente para se preservar a segurança jurídica.
por Daniella Zagari é sócia do escritório Machado Meyer.
Camila Galvão é sócia do escritório Machado Meyer.
Juliana Caleiro é advogada do escritório Machado Meyer.
Harone Prates Vilas Boas é advogado do escritório Machado Meyer.
Fonte: Conjur
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