Após mais de 14 anos, uma grande discussão tributária foi encerrada pelo Supremo Tribunal Federal: trata-se da discussão relativa ao direito do contribuinte de recuperar parte do ICMS indevidamente pago, quando sujeito ao regime de substituição tributária e quando o valor de saída do bem for inferior ao presumido.
Em breves palavras, temos que a substituição tributária se dá sempre que um determinado contribuinte (o substituto) se vê obrigado ao recolhimento do imposto devido por terceiro (o substituído). No caso analisado pela Suprema Corte, o que estava em análise era a chamada substituição tributária “para frente”, leia-se, a hipótese em que, por força de lei, o contribuinte anterior antecipa o recolhimento do imposto que seria devido pelo contribuinte subsequente.
Da mesma forma em que o legislador constituinte entendeu de prever o fato gerador presumido – justamente para legitimar a sistemática da substituição tributária, instrumento valioso na simplificação das ações de fiscalização – igualmente previu que, na hipótese da operação tributária (presumida) não se realizar, o contribuinte tem o direito à restituição da quantia antecipadamente recolhida (artigo 150, parágrafo 7º, da Constituição).
E é partir desse dispositivo que as discussões em torno do tema tiveram início e perduraram até o presente. Realmente, a primeira discussão importante, superada há muito pelo Supremo, girou em torno da constitucionalidade do chamado fato gerador presumido.
Ausente do texto original da Constituição e posteriormente introduzido pela Emenda Constitucional 3, de 17 de março de 1993, inaugurou-se a possibilidade de que a lei poderia atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente. Em outras palavras, temos que o fato a dar ensejo à obrigação tributária não seria necessariamente o já ocorrido, mas aquele a ocorrer e que justificaria a antecipação do recolhimento do respectivo imposto.
Embora o vocábulo fato já remeta à ideia de passado em relação ao verbo fazer – o que, em termos puramente gramaticais, poderia inviabilizar a possibilidade de se referir a algo a acontecer, e não somente a algo acontecido – o Supremo entendeu de superar a questão e legitima-lo, o que foi objeto da decisão Ação Direta de Constitucionalidade 1.851.
Todavia, a controvérsia não se resumiu à constitucionalidade da sistemática de substituição tributária, mas à forma de interpretação do parágrafo 7º acima referido: ao prever a hipótese de restituição do imposto indevidamente recolhido, estaria ele se referindo à não ocorrência absoluta da operação presumida ou, igualmente, se referiria à hipótese em que a operação ocorreu, mas não de forma plena, leia-se, não pelo valor efetivamente presumido?
A resposta a tal indagação foi finalmente dada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal no último dia 19 de outubro: o contribuinte tem o direito ao ressarcimento do imposto, no contexto da sistemática da substituição tributária, mesmo na hipótese da operação prevista ter ocorrido, mas quando a mesma tiver se dado por valor inferior àquele anteriormente presumido e que serviu de parâmetro para o recolhimento (antecipado) do imposto.
E basicamente porque, aos olhos dos nossos mais graduados julgadores, a sistemática em questão, embora sendo um inegável mecanismo facilitador das atividades de fiscalização, jamais poderia justificar a imposição de exigência tributária superior àquela efetivamente devida pelo contribuinte. Simples assim.
De fato, não se poderia esperar conclusão distinta dessa. Se a antecipação do recolhimento do imposto, baseada na ocorrência do fato gerador presumido, pôde ser incorporada pelo ordenamento constitucional pátrio, nada justificaria que, além de impor o recolhimento antecipado, ainda obrigasse o contribuinte (substituído) a pagar mais do que deveria em circunstâncias normais.
Conclusão aparentemente simples, em linha com todos os princípios constitucionais aplicáveis ao ato de tributar, mas que levou longos anos para se tornar realidade. Aqui, vale a máxima do antes tarde do que nunca.
Aos contribuintes, resta conviver, a partir de agora, com uma maior transparência em relação à adequada e definitiva interpretação do tema, sem a possibilidade, entretanto, de buscar valores indevidamente recolhidos (e não recuperados) ao longo dos últimos anos, pois a Suprema Corte igualmente entendeu de modular os efeitos de tal decisão, leia-se, de aplicá-la para fatos geradores futuros e, no caso dos passados, somente quando objeto de demandas já ajuizadas.
Não há dúvida de que referida decisão vai ao encontro das expectativas em torno da definição do tema e é muito bem-vinda, ainda que decorrida década e meia de discussão. O desafio que resta é imaginarmos como, em um mundo tão dinâmico, no qual as relações corporativas se modificam permanentemente, exigindo de todos o acúmulo de variados conhecimentos, a racionalidade e eficiência nas decisões e o atingimento de metas e resultados cada vez mais relevantes, possamos mitigar os efeitos da falta de celeridade nos processos e conviver com a dúvida e a indefinição por tanto tempo.
por Glaucia Maria Lauletta Frascino é conselheira da OAB-SP e sócia do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados.
Fonte: Conjur
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