No dia 26 de março, o Supremo Tribunal Federal (STF), após três anos do julgamento de mérito da repercussão geral no recurso extraordinário (RE) nº 596.478 – relator ministro Dias Toffoli, cuja matéria era idêntica – concluiu o exame da ação direta de inconstitucionalidade nº 3.127, relatada pelo Teori Zavascki, de autoria do governador do Estado de Alagoas.
Em jogo, milhares de processos sobrestados no Tribunal Superior do Trabalho (TST) e Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs). Apesar de o julgamento da repercussão geral, realizado em março de 2012, ter registrado apertada maioria, desta vez houve apenas um voto divergente, proferido pelo ministro Marco Aurélio. Mudaram suas posições os ministros Luiz Fux e Cármen Lúcia.
A ação voltava-se contra os arts. 19-A e 20, II, da Lei nº 8.036, de 1990, com a redação introduzida pela Medida Provisória 2.164-41/01. O cerne do debate se resumia em aferir a compatibilidade com a Constituição da República de uma medida provisória que atribuísse efeitos diretos a um contrato de trabalho nulo, ao contrariá-la em razão da contratação de empregado sem prévia aprovação em concurso público.
Para o Supremo, a medida provisória não afrontou o preceito constitucional do concurso público, pois não tornou válidas as contratações nulas; apenas permitiu o saque dos valores recolhidos ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) pelo trabalhador que efetivamente prestou o serviço. A Procuradoria-Geral da República havia opinado pela inconstitucionalidade da medida provisória, enquanto a Advocacia Pública sustentou a sua constitucionalidade, em oposição à maioria dos Estados membros.
Três aspectos particulares mereceram especial atenção da Corte no julgamento, o exame das nulidades existentes nos contratos de trabalho realizados sem aprovação em concurso público, a natureza do FGTS e a interpretação do art. 37, inciso II, da Constituição Federal. Muito mais, no entanto, estaria em xeque: os efeitos danosos da histórica prática de contratação de empregados celetistas pela administração pública, sem a realização de concurso público. E isso para não mencionar a insegurança decorrente da questionável técnica de julgamento, decorrente da apreciação dos processos em momentos distintos e com composição do plenário substancialmente alterada.
O contraste normativo seria realizado em face da própria Constituição de 1988, que não tolera a emanação de efeitos diretos de um negócio jurídico nulo, tal como uma espécie de convalidação, para que se admita o pagamento do FGTS, compreendido como uma garantia do trabalhador contra a despedida arbitrária e sem justa causa (art. 7, I e III, da CF).
A dificuldade em questão estava exatamente em considerar uma sentença judicial, que reconhece a nulidade de um contrato de trabalho, firmado sem prévia aprovação do empregado em concurso público, como um ato arbitrário ou sem justa causa, para efeito de autorizar o pagamento de um benefício voltado à proteção da garantia pelo tempo de serviço. Em resumo, reconheceu-se a garantia pelo tempo de serviço de um empregado que sequer cumpria os requisitos para a lícita contratação pela administração pública.
Ao impor artificiosamente a produção de efeitos diretos a um negócio jurídico nulo, a Medida Provisória 2.164-41/01 ignorou a Carta da República. Isso porque, quando pretendeu regularizar situações de fato consolidadas pelo tempo, ainda que sem a celebração de concurso público, a Constituição Federal o fez expressamente, e não de forma subliminar, tal como se observa no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Desse modo, no caso da Medida Provisória 2.164-41/01, não caberia ao Constituinte Derivado pretender efeitos não desejados pelo Constituinte Originário.
A Constituição Federal não excepcionou a admissibilidade de efeitos para as contratações realizadas sem concurso público pela administração pública, de maneira que o Supremo Tribunal Federal (STF) não poderia ter ido tão além. Curioso notar, ainda, o sentido e a razoabilidade do critério da Medida Provisória 2.164-41/01, que elegeu apenas o pagamento do FGTS, e não o de férias, 1/3 de férias, 13º salário ou descanso semanal remunerado.
Em linhas gerais, o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade 3.127 representou, de certo modo, um complemento de outro que acarretou a vedação das práticas culturais e históricas de nepotismo no Brasil. E, em última análise, um questionamento persistirá mesmo após a posição firmada pelo Supremo Tribunal Federal: quais efeitos decorrerão de um contrato de trabalho de um parente, admitido pela administração pública sem concurso público? Supostamente, este contrato de trabalho seria nulo por duas razões: primeiro, nepotismo; segundo, pela ausência de aprovação em concurso público. Mas ainda assim, após o julgamento da Adin 3.127, os cofres públicos e o cidadão brasileiro terão que arcar com o pagamento de FGTS, sem prejuízo da punição do agente público responsável pela contratação indevida.
De se observar que a conjugação de todos esses aspectos demonstra que a Constituição de 1988 jamais seria consentânea com a transigência em torno de valores absolutos como a impessoalidade, a moralidade, a igualdade e a legalidade, proporcionadas pelo instituto do concurso público.
POR Thiago Luís Sombra é procurador do Estado de São Paulo, doutorando e professor de direito privado na Universidade de Brasília-UnB
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Fonte: Valor |
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