Dentre tantas inovações nas normas contidas no novo Código de Processo Civil (CPC), deste ano, merece especial ênfase o dever de cooperação que assiste às partes e a todos aqueles que participam ou intervém no processo, conforme regra prevista no seu artigo 6º. Esse dever de cooperação é recíproco e comum às partes e tem por fim obter "em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva". Parece claro que o referido dever é decorrência lógica do princípio da boa-fé que, tanto quanto no direito civil, possui importância capital no direito processual civil. Basta referir que, no artigo 5º, existe regra que impõe àquele que "de qualquer forma participa do processo" a obrigação de comportar-se de acordo com a boa-fé.
Nesse contexto, diversas são as normas do novo Código de Processo Civil que se desdobram dessas regras inaugurais elementares. Destaca-se, dentre elas, a prevista no artigo 190, que disciplina o denominado negócio jurídico processual, verdadeiro negócio jurídico por meio do qual, nos limites da autonomia privada, podem as partes, "antes ou durante o processo", prever alterações no procedimento, bem como convencionar sobre os ônus, poderes, faculdades e deveres processuais.
Alguns pontos merecem ser destacados: (i) como negócio jurídico, o acordo entre as partes está sujeito às normas de direito material (artigos 104-184 do Código Civil); (ii) demais disso, o acordo só é possível nos processos "sobre direitos que admitam autocomposição", excluindo-se, assim, a possibilidade de ele vir a ser celebrado em detrimento de normas de ordem pública; (iii) é possível se convencionar sobre ônus (como o ônus da prova, por exemplo), poderes, faculdades e deveres de natureza processual, respeitando-se, no entanto, as normas de ordem pública (não se pode transigir sobre a observância da boa-fé processual, por exemplo); (iv) diferentemente do que ocorre com os negócios jurídicos de direito material (um contrato de compra e venda, por exemplo), o negócio jurídico celebrado entre as partes há de ser chancelado pelo juiz a quem cabe "controlar" a sua validade; (v) o direito de as partes ajustarem os seus interesses para determinada demanda, customizando o procedimento e ampliando, limitando ou condicionando o exercício de poderes, ônus, faculdades e o cumprimento de deveres processuais encontra limite na nulidade, quando haja inserção abusiva em contrato "de adesão" ou, ainda, quando alguma parte se encontre em "manifesta situação de vulnerabilidade".
Uma importante inovação do novo CPC é a possibilidade de as partes celebrarem negócio jurídico processual
Nota-se, portanto, que o novo CPC passa a exigir uma competência importante das partes que, por meio de seus advogados, deverão moldar as normas processuais de acordo com os seus interesses. Como ocorre em toda negociação, cada parte e seu advogado deverão estar perfeitamente alinhados quanto a suas capacidades, prioridades e incentivos, de modo a que o negócio jurídico processual seja-lhes realmente útil.
Do mesmo modo, na negociação das regras processuais entre as partes, será importante identificar adequadamente os pontos vulneráveis respectivos a serem protegidos e explorados, haja vista o controle que o juiz deverá fazer (parágrafo único do artigo 190). Neste sentido, dentre as limitações previstas na lei (parágrafo único do artigo 190, do novo CPC), além dos casos de nulidade, encontra-se a "inserção abusiva em contrato de adesão". Sabe-se bem que o contrato por adesão (e não "de adesão") consiste em técnica de contratação caracterizada, justamente, pela ausência de negociação prévia entre as partes, já que uma delas (aderente) simplesmente adere a esquema contratual predisposto pela outra (predisponente). A outra limitação consiste, justamente, nos casos em que uma das partes do negócio jurídico processual se encontre em "manifesta situação de vulnerabilidade", o que, certamente, a impede de negociar adequadamente com a outra parte.
Assim, conclui-se que a previsão da possibilidade de as partes do processo celebrarem negócio jurídico processual como forma de amoldar o processo, nos limites da lei, às suas expectativas e necessidades, afigura-se importante inovação do novo CPC e que coloca em realce, de um lado, o dever de cooperação a elas pertencentes (artigo 6º) como parte do primado da boa-fé processual (artigo 5º), e, de outro, confere especial importância à interação entre as partes em processo de negociação que deve assegurar a elas uma participação efetiva na compreensão e salvaguarda dos seus direitos.
por Daniel M. Boulos e Sergio Costa são, respectivamente, advogado e mestre e doutor em direito civil pela PUC-SP e professor conselheiro do curso de LLM em direito dos contratos no Insper Direito, em São Paulo; e advogado, mestre em direito pela Universidade de Michigan e professor nos cursos de LLM no Insper Direito e na EAESP – Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte: Valor
Via Alfonsin.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário