Uma nova tese defendida pela Advocacia-Geral da União (AGU) tenta penalizar os praticantes de violência doméstica cobrando o valor desembolsado pelo INSS para pagar pensões. Até agora, são 13 as ações com esse objetivo tramitando no Judiciário, com decisões majoritariamente favoráveis à União.
Com a inciativa, a AGU tenta aplicar aos casos de violência doméstica as chamadas ações regressivas, nas quais é cobrado de empresas ou pessoas físicas o tanto que elas oneraram os cofres públicos. O instituto é utilizado pelo órgão desde a década de 90, principalmente contra companhias nas quais ocorreram mortes ou acidentes de trabalho por culpa do empregador.
Desde 2013, entretanto, a AGU passou a encampar a tese também para casos de violência doméstica e acidentes de trânsito. As novas iniciativas fazem parte de uma proposta do governo de, até 2016, dobrar o número de processos desse tipo ajuizados até hoje. O cumprimento da meta elevaria para quase 8 mil a quantidade de ações regressivas em andamento.
Pensões, aposentadorias e auxílios
No caso das ações regressivas envolvendo violência doméstica, a AGU busca o ressarcimento pelas aposentadorias, pensões ou auxílios pagos aos familiares ou vítimas das agressões. Segundo o procurador Nícolas Francesco Calheiros de Lima, Chefe da Divisão de Gerenciamento de Ações Regressivas e Execução Fiscal Trabalhista da Procuradoria-Geral Federal, as 13 ações ajuizadas até hoje buscam cerca de R$ 467,6 mil.
Lima explica que nos casos em que a violência resulta em morte, a previdência social pagará uma pensão aos dependentes da mulher. Já nas situações em que a agressão impede a vítima de voltar a trabalhar, é concedida uma aposentadoria por invalidez. Nos casos em que há afastamento temporário do trabalho ou diminuição da capacidade de trabalhar são pagos auxílios.
O procurador afirma que além de fazer parte de uma política nacional de combate à violência doméstica, as ações regressivas com esse viés visam evitar que a previdência social arque com custos decorrentes de ilícitos praticados voluntariamente. “[O agressor] teve vontade de realizar um ato ilícito, e sabia as consequências que aquele ato ia gerar. Ele tomou a decisão de ir em frente e no final das contas quem pagaria os benefícios previdenciários seria toda a sociedade”, diz.
Além de proteger os cofres do INSS, as ações regressivas têm um objetivo pedagógico, visando desestimular empresas ou pessoas físicas de realizarem ações que poderão levar, em último caso, à morte dos envolvidos. Segundo Lima, o objetivo é evitar que a previdência social “vire uma ajuda ao perpetrador do ilícito”.
Diferentemente das ações regressivas em casos de acidentes de trabalho, os processos relacionados à violência doméstica não possuem previsão legal expressa. O tema é tratado apenas na Portaria Conjunta nº 6, de 2013, assinada pela Procuradoria Geral Federal e pela Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS.
A norma define como suscetíveis ao ajuizamento de ações regressivas os “ilícitos penais dolosos que resultarem em lesão corporal, morte ou perturbação funcional”.
A ausência de previsão legal, entretanto, não foi impedimento para que o Judiciário decidisse de forma favorável ao INSS na grande maioria dos casos que já foram analisados em primeira ou segunda instância. Os julgadores entenderam que a possibilidade de a AGU ajuizar as ações regressivas em casos de violência doméstica consta no artigo 927 do Código Civil, que define que “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.
Empate
Até hoje, uma ação regressiva envolvendo violência doméstica chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas não foi finalizada. O Resp 1431150 tem como parte um homem que assassinou a ex-mulher em novembro de 2009. De acordo com a ação, o réu esfaqueou a mulher por estar inconformado com o fim do relacionamento e por desavenças em relação à partilha dos bens e guarda dos filhos.
O caso começou a ser julgado em novembro do ano passado pela 2ª Turma do STJ, mas o julgamento já foi suspenso por dois pedidos de vista. Por enquanto o processo está empatado, com o relator, ministro Humberto Martins, votando de forma favorável ao INSS e o ministro Mauro Campbell Marques divergindo.
Já na segunda instância, o resultado foi favorável ao INSS. A decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região (RS, SC e PR) cita a legislação específica para casos de ações regressivas em acidentes de trabalho, estendendo as situações em que ela pode ser aplicada.
Para os casos de empresas com acidentes ou mortes em ambientes de trabalho, a previsão para o ajuizamento de ações regressivas consta no artigo nº 120 da Lei 8.213, de 1991. A norma determina que esse tipo de processo é valido “Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva”.
O acórdão de segunda instância, entretanto, vai além da leitura literal do dispositivo. “Resta evidente que o escopo do regramento, ainda que faça menção exclusivamente ao acidente de trabalho, é o ressarcimento da Autarquia Previdenciária [INSS] pela conduta ilegal que antecipa a necessidade de conceder-se o benefício”, afirma o desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz.
As ações regressivas de violência doméstica foram ajuizadas nos Estados de Pernambuco, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e no Distrito Federal. Muitas delas ainda não foram analisadas pelo Judiciário, mas na primeira e segunda instância os resultados têm sido majoritariamente favoráveis ao INSS.
Lima diz que para evitar a prescrição dos casos, a AGU propõem a ação antes mesmo do fim do pagamento do benefício previdenciário ou do encerramento das ações penais ajuizadas contra os agressores. “As esferas são separadas, e não é necessário concluir a ação penal para entrar com ação civil. Entretanto, se na ação penal for reconhecida a inexistência do ato ilícito ou for negada a autoria, essa decisão vincula o juízo o cível”, diz.
Nas primeiras ações ajuizadas pela AGU, Lima diz que o órgão buscou casos em que, no inquérito policial ou na própria ação penal, existem dados suficientes para configurar a culpa.
É o caso de um processo julgado em abril pelo TRF da 5ª Região (AL, CE, PB, PE, RN e SE). Ao analisar a situação de um homem também acusado de esfaquear a esposa, a desembargadora Polyana Falcão Brito considerou que existem diversas provas do crime na ação penal movida contra o réu, condenando o homem a ressarcir o INSS pelo pagamento de benefício à filha da mulher assassinada.
Lima admite, entretanto, que podem ocorrer situações em que as ações cíveis e penais sigam caminhos opostos. “A Absolvição por falta de provas, por exemplo, não interfere absolutamente em nada no juízo civil. A ação regressiva pode ser procedente e a ação penal, improcedente”, afirma.
Acidentes de trânsito
Segundo Lima, o objetivo das ações regressivas envolvendo violência doméstica é similar ao dos processos que tratam de acidentes de trânsito. No último caso, foram ajuizadas sete ações, que buscam resgatar R$ 1,5 milhão.
O alto valor, de acordo com o procurador, decorre do fato de os acidentes de trânsito serem muito mais letais, além do fato de a previdência social arcar com benefícios concedidos aos motoristas, passageiros e eventuais transeuntes que estavam no local do acidente.
Já em relação às ações regressivas acidentárias, que envolvem acidentes ou mortes no trabalho, já são quase 4 mil os processos ajuizados, que buscam cerca de R$ 1 bilhão. O instituto conta com jurisprudência favorável, mas ainda gera polêmica.
Exemplo é a ação 0010262-36.2007.4.05.8100, analisada pelo TRF-5 no ano passado. O processo envolve uma pensão por morte paga a dependentes de um ex-funcionário da construtora P&G Engenharia e Construções. O trabalhador, de acordo com o processo, morreu ao cair de uma plataforma de 27 metros de altura, quando tentava esvaziar caixa-d’água de um edifício em construção.
Por conta do montante desembolsado pela previdência, a AGU ajuizou ação regressiva, que foi negada em segunda instância. O relator do processo, desembargador Paulo Roberto de Oliveira Lima, considerou que a empresa já recolhe o Seguro Acidente de Trabalho (SAT), que é obrigatório e baseado no grau de risco da atividade da companhia. Desta forma, o ressarcimento seria indevido.
Para o magistrado, o pagamento ao INSS só seria possível caso fosse constatada “culpa gravíssima” do empregador.
Por Bárbara Mengardo
Fonte: Jota
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