Queria propor o seguinte: se companhias abertas estiverem com prejuízo e sem saldo para pagar os dividendos tão almejados pelos acionistas, que peçam ao Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) uma nova norma contábil — e que obviamente consigam a aprovação dos órgãos reguladores próprios, tais como CVM, CFC, BC, Susep e ANS. A norma seria válida apenas para 2014: “Considerando um ano economicamente difícil, com trimestres com PIB negativo e necessidade de uma injeção de ânimo em todos, ficam extirpadas, da demonstração do resultado de 2014, as despesas com pessoal”.
Muitos prejuízos se transformarão em lucros, possibilitando os dividendos desejados, as taxas formais nominais de retorno ficarão animadoras, ninguém perceberá nada e estaremos todos felizes.
E mais: que com isso todos os ônus dos prejuízos sejam esquecidos e que sejam mantidos todos os bônus dos resultados positivos: stock options sem descumprimento por causa do que poderia ser prejuízo, gratificações mantidas e talvez até incrementadas para aumento geral do ânimo comentado.
É óbvio que, nesse caso particular, um adendo numa medida provisória cavalgando pelo congresso permita a exclusão do lucro tributável do que tiver sido excluído do resultado “contábil”. Afinal, pagar tributo por conta dessa festa é estragá-la.
A Universidade de São Paulo poderia também aplicar algo disso nas suas contas para deixar de mostrar um déficit financeiro que nos atormenta e envergonha (sou uspiano há 53 anos!). Poderíamos limitar nela as despesas com pessoal aos tradicionais 85% da receita (um percentual já exagerado) e desconsiderar o restante. Voltaríamos a ter superávit, como aconteceu em tantos anos passados. As prefeituras e os estados também poderiam ter direito a essas regalias; por que só um dos entes da federação? Déficit é algo muito feio, e até perigoso — principalmente na área pública. Vamos a um ano de trégua, de champanhes estouradas…
Nas famílias em que alguém muito reclama porque o outro gasta exageradamente, e o caixa tiver desaparecido deixando uma dívida em seu lugar, seria possível também, num extremo gesto de boa vontade, eliminar os gastos com lazer do cálculo das contas domésticas e ter um Natal muito mais feliz!
Bem, só não me perguntem o que fazer com esses montantes “meramente contábeis” extraídos dos relatórios.
E, muito menos ainda, não me perguntem sobre a dura, crua, horrível realidade dos fatos: “Mas, e o dinheiro, volta para o caixa depois dessas alquimias todas? Como fazer para o sonho virar realidade?”
Bem, se conseguir descobrir até a próxima publicação no blog, eu conto. Mas conto mesmo é com a colaboração de todos para o milagre. Não o da transformação de prejuízo em lucro, de déficit em superávit, de tudo o mais que o papel pode aceitar; mas o milagre de mudar a realidade, não apenas os relatórios que pretensamente deveriam dar transparência a ela.
por Eliseu Martins - Professor Emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP - Bacharel, Doutor e Livre-Docente pela FEA -USP. É consultor, palestrante e parecerista da área contábil; Membro de Conselhos de Administração, Consultivo e Fiscal de empresas privadas e estatais e de entidades sem fins lucrativos. Ex-Diretor da FEA-USP; Ex-Diretor Pró-Tempore da FEARP; Foi Coordenador do Pós-Graduação e Chefe do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA-USP; Ex-Diretor da CVM (período de out/2008 a dez/2009 e de 1985 a 1988); Ex-Diretor de Fiscalização do Banco Central do Brasil; Foi representante do Brasil junto a ONU para assuntos de Contabilidade e Divulgação de Informações; Ex-Diretor do IBRACON - SP; Ex-Diretor da ANEFAC, entre outras funções já realizadas.
Fonte: Capital Aberto
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