Os pensadores do Direito Tributário deveriam levantar de suas cadeiras nas faculdades ou nos escritórios para posicionarem-se publicamente sobre os grandes temas em discussão nos tribunais. Assim, deixariam de simplesmente criticar as decisões com as quais não concordam e passariam a influenciar no direcionamento mais correto da jurisprudência.
Assim seria o comportamento ideal dos tributaristas na visão de um de seus principais nomes: Hamilton Dias de Souza. Com mais de 40 anos de atuação no mercado, o advogado parece sempre estar olhando para onde ninguém está, e encontrando os problemas que estão além do discurso comum.
Um dos exemplos é a reforma tributária. Alardeada pelo menos de dois em dois anos — a cada eleição — a reforma é figurinha carimbada nos pedidos de quem lida com o sistema tributário. Para Dias de Souza, ela é menos urgente do que o que ele chama de “caos judiciário”. Não vai ser uma reforma tributária, diz ele, que vai reduzir o tempo de duração dos processos dos contribuintes. “Um direito que o Supremo Tribunal Federal demora 20 anos para declarar é só uma réstia de direito”, pontua.
Além do tempo do processo, cuja “duração razoável” é prevista na Constituição e esquecida nos tribunais, o outro alvo de Dias de Souza é a insegurança jurídica do país. Com a morosidade, “a União faz o que bem entende por medida provisória e o Congresso aprova. Alguém questiona e o caso vai parar no Judiciário. Mas, se for inconstitucional, o Judiciário decide depois de 24 anos!”, reclama. A impressão dos clientes, diz ele, é a de que o país não é sério.
Ativo na luta pelo fim da guerra fiscal, o tributarista elogia a postura do Supremo, de colocar em discussão uma súmula vinculante sobre o tema para forçar o Congresso a botar um ponto final na questão. No entanto, é direto ao dizer que a estratégia não funcionou. O Congresso continua parado, discutindo como deve funcionar o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Ex-professor da Universidade de São Paulo, Dias de Souza é a prova de que o cachimbo entorta a boca: todas as suas respostas são aulas sobre o tema. Em visita à redação da ConJur, ele conversou sobre guerra fiscal, morosidade do Judiciário, a fuga de empresas brasileiras para o exterior e outros temas que preocupam quem investe no país.
Reconhecido entre os pares e em publicações especializadas, o advogado patrocinou causas como da destilaria Porto Alegre, que ganhou uma causa de R$ 40 milhões contra a União, por conta do prejuízo sofrido pela intervenção estatal no setor sucroalcooleiro. A partir desse caso, julgado no Supremo Tribunal Federal em 2005, outras empresas passaram a pleitear o direito. Foi também a partir de um caso sob seu patrocínio que o Supremo editou a Súmula 570, reconhecendo a não incidência do Imposto de Circulação de Mercadorias sobre importações de bens de capital feitas antes da Emenda Constitucional 23/83. A súmula foi aprovada em 1976.
Leia a entrevista:
ConJur — Uma das grandes críticas do senhor à Justiça é que a morosidade causa prejuízos enormes às empresas. Normalmente isso é discutido na área criminal, onde a violência mais óbvia. Como essa morosidade afeta a área tributária?
Hamilton Dias de Souza — No Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, por exemplo, quando dá empate, geralmente o Fisco ganha, porque o voto de qualidade é do presidente do colegiado, que só pode vir do Fisco. Isso acontece nas questões polêmicas. O contribuinte tem duas alternativas: entrar com uma ação anulatória ou esperar a execução. Se ele não quiser recorrer, precisa dar garantia do pagamento com um depósito. Só que as ações são demoradas, e esse depósito pode ficar lá por 15 anos. Além de ser dinheiro parado, a correção desse depósito não obedece aos mesmos índices da Selic, o que representa uma perda enorme. Eu acho que nossos tribunais e a imprensa não têm atentado que isso representa uma das maiores agressões aos direitos do contribuinte. Não pensam no contribuinte asfixiado. O nosso sistema já é asfixiante. O contribuinte cobrado injustamente, mesmo quando tem o direito reconhecido, perde. Ele perde porque ele não tem Justiça. Um direito que o Supremo Tribunal Federal demora 20 anos para declarar é só uma réstia de direito.
ConJur — Falando na demora, em outubro, o Supremo julgou o Recurso Extraordinário 240.785, que estava na corte desde 1998. Ao julgar a inclusão do ICMS na base de cálculo da Cofins, o Supremo apontou que a decisão valeria só para o caso concreto da ação, não para os outros. Como o senhor vê isso? Não era o momento para decidir de vez?
Hamilton Dias de Souza — O ministro Celso de Mello diz, no voto dele, que não julgar isso naquele caso era “uma forma de desprezarmos os votos dos ministros do Supremo [já aposentados e que já tinham votado]”. Se, quando a corte tem jurisprudência passada, eles acatam firmemente, como é que podem não acatar aquilo que já foi julgado por colegas de corte? Lógica e coerentemente, o Supremo deve, ainda que com a ressalva do ponto de vista de alguém, acatar o que foi decidido como normalmente acata precedentes. Isso é um precedente do Plenário do Supremo Tribunal Federal, tomado por uma maioria expressiva (5 a 2).
ConJur — Por falar em insegurança, temos o exemplo da Cofins nos escritórios, no qual uma súmula do STJ disciplinou todo comportamento por anos a fio e, de repente, a jurisprudência mudou e tudo que havia sido feito perdeu a validade, não é?
Hamilton Dias de Souza — Esse é um dos temas importantíssimos do Direito Constitucional Tributário, ou seja, o papel da lei complementar em matéria tributária. Prevista sobretudo no artigo 46 da Constituição, a lei complementar é uma lei conformadora do sistema tributário, de princípios e conceitos constitucionais. Quando uma lei ordinária contraria a lei complementar, tenho duas possibilidades: ou a lei ordinária que contraria a complementar representa um conflito infraconstitucional, ou representa uma discussão constitucional de competência. Isso é competência da lei complementar ou competência da lei ordinária? Se a minha resposta for a primeira, deve ser discutido no STJ. Se a minha resposta for a segunda, a competência é do Supremo. Lei complementar é aquela que cuida de matéria para a qual a Constituição exigiu lei complementar. O STJ, desprezando a doutrina, entendeu que a Lei Complementar 70 não podia ser revogada por lei ordinária posterior em matéria de Cofins em sociedades profissionais. Com isso, fez a súmula. Isso, já à época, contrariava a doutrina massacrante existente em Direito Constitucional. Veio o Supremo e, em uma penada, decidiu de forma corretíssima: se o veículo “lei complementar” é reservado pela Constituição a certas matérias, não teria sentido que a lei complementar avançasse em outras matérias. Por outro lado, a lei ordinária também não podia invadir o campo da lei complementar.
ConJur — Em período eleitoral, fala-se muito de reforma tributária. Ela é realmente necessária?
Hamilton Dias de Souza — Precisamos trabalhar contra o caos judiciário. Não é possível que falem todos vocês, a toda hora, em reforma tributária, em assuntos pontuais, e não falem que em determinado julgamento os tribunais do Brasil demoraram 24 anos para definir uma situação, provocando efeitos deletérios para as empresas, criando um problema de “custo Brasil”. Como se explica isso? O cliente só diz uma coisa: “Esse país não é confiável”. Isso porque o sujeito decidiu com base em uma decisão de tribunal superior e, agora, 24 anos depois, tem outro entendimento. Assim, a União faz o que bem entende por medida provisória e o Congresso aprova. Alguém questiona e a questão vai parar no Judiciário. Mas, se for inconstitucional, o Judiciário decide depois de 24 anos! De que adianta a Constituição? De que adianta ter outros controles? Além disso, tem a duplicidade de exames da mesma matéria pelo Supremo e pelo STJ. E quando eu tenho a mesma matéria, que tem um ângulo legal e um ângulo constitucional, quem diz a ultima palavra? É o Supremo. É razoável que as matérias fiquem, quando há recurso especial ou extraordinário, represadas no STJ, que às vezes demora 10 anos para decidir? E depois ainda vá ao Supremo? No Plano verão, na Cofins e em outros tantos casos, o Supremo disse o oposto do STJ. Ninguém pode mais abrir o bico. O Supremo falou, está falado. É uma questão de segurança.
ConJur — Não é papel da doutrina também criticar as decisões? Ou não tem mais o que falar depois que está decidido?
Hamilton Dias de Souza — Eu sou advogado militante, não sou mais professor, mas o cachimbo deixa a boca torta. Eu sou muito crítico da movimentação dos doutrinadores. Por que na véspera das decisões das repercussões gerais os doutores, a inteligência do Brasil, não se reúnem para discutir a questão e mandar para o Supremo? Eu estou falando de organismos como esses de universidades, institutos tributários... Se o Supremo vai decidir uma matéria, é preciso que todos se posicionem. Eu, por exemplo, antes não falava com a imprensa. Achava uma besteira, que o advogado não deveria tomar a iniciativa, que o cliente tinha que autorizar. Hoje, acho que cometi um erro. Temos que nos manifestar. O papel da imprensa é fundamental.
ConJur — Nos Estados Unidos há a figura do “amigo da corte”, que não tem nada a ver com o processo e entra para fornecer informações. Aqui, o “amigo da corte” ou amicus curiae é o amigo da parte. Deveríamos seguir o modelo americano?
Hamilton Dias de Souza — Eu concordo. Nós deveríamos permitir que você tivesse o amigo da corte que não estivesse necessariamente representando alguém ou um grupo de empresas. Deveríamos permitir que participasse quem tivesse pertinência ao tema em discussão. Por exemplo, um instituto de estudos que se dedique àquele causa.
ConJur — Como podemos explicar o problema da pluritributação no Brasil?
Hamilton Dias de Souza — Toda vez que, sobre uma mesma realidade econômica, incide mais de um tributo, temos uma pluritributação. Para começar: Imposto de Importação, IPI e ICMS. A nossa discriminação de rendas permite as pluritributações. Nesse exemplo estou tirando as contribuições nos outros órgãos. Em qualquer saída de produto incide IPI, ICMS e PIS/Cofins. O sistema é concebido através de uma distribuição dos eventos econômicos ou fatos econômicos. Prestação de serviços é um fato econômico, produção industrial é outro, bem como circulação de mercadoria, propriedade industrial, propriedade mobiliária e assim por diante. O artigo 60, parágrafo 4º, da Constituição estabelece que nem uma emenda constitucional pode mexer nisso, e que a base é essa discriminação de competências. Municípios e estados têm personalidade jurídica própria e fontes próprias de receita. Sem isso não tem federação. Em outras palavras, se alteramos profundamente o sistema de partilha da competência em matéria de tributos, alteramos a própria federação. Isso foi alterado a partir da Constituição de 1988, com a criação das contribuições. Contribuição é um tributo que só pode ser cobrado através de uma determinada atividade estatal, prevista na Constituição, que se pode cobrar de quem se relaciona com aquela atividade, ou seja, do grupo que é beneficiado com aquela atividade.
ConJur — E só pode ser cobrado de quem é beneficiado?
Hamilton Dias de Souza — Não necessariamente beneficiado, porque o benefício pode ser suposto. O benefício é do grupo. Entre os elementos do grupo, há um benefício suposto. Mas o importante é que você não pode cobrar de alguém estranho ao grupo. Se o fizer, estará criando um imposto. Porque imposto é aquele tributo cobrado independentemente de uma atividade estatal.
ConJur — Nós já tivemos problemas com essa confusão entre imposto e contribuição?
Hamilton Dias de Souza — Até 1988 nós tínhamos embates clássicos. A União sempre procurou aumentar a sua arrecadação. O fato é que antes da reforma de 1965, se cobrava taxa de qualquer coisa, eram verdadeiros impostos. A década de 1980 foi a dos empréstimos compulsórios, que foram declarados, pouco a pouco, inconstitucionais pelo Supremo. A Constituição de 1988 teve a preocupação de fechar as portas para esse tipo de coisa. A jurisprudência sobre taxas foi construída de tal forma que hoje é muito difícil criar taxas que sejam, na verdade, impostos. Sobraram as contribuições. O Supremo Tribunal Federal, em uma ADC, cujo relator foi o ministro Moreira Alves, definiu o que é contribuição: de uma forma rápida, diz que a contribuição é um tributo finalista, que se precisa destinar a uma finalidade específica. Mas não diz quem paga. Por conta desse aparentemente pequeno detalhe, o poder público teve a ideia: “Basta a gente aumentar as contribuições que são atreladas e cobrar de qualquer um”. Com isso, tivemos um aumento desmesurado da carga tributária.
ConJur — Isso entra na conta do Supremo, então, por não ter definido parâmetros?
Hamilton Dias de Souza — Sim. E aí eu faço uma crítica severa ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça. Toda vez que o STF decide alguma questão atento ao reflexo econômico, está, de alguma forma, possibilitando que, no futuro, haja uma distorção no sistema como um todo. Hoje, nós temos um manicômio tributário muito pior do que aquele que existia quando foi editada a Emenda Constitucional 18, de 1965, que foi a base do atual sistema tributário. O sistema hoje é muito pior. É um grande perigo a decisão, em vez de se firmar em premissas sólidas e coerentes, ter um viés atento às consequências econômicas da decisão. Quando há interesses econômicos e o juiz age como se tivesse que atender aos interesses do Estado, ele se esquece que, em primeiro lugar, está desrespeitando direitos individuais. Quando alguém põe a mão no nosso bolso injustamente, agride um direito individual que pode ser tão sério quanto a liberdade.
ConJur — No caso dos planos econômicos, o julgamento pareceu se colocar entre o direito e a possibilidade de cumprir esse direito. Colocou-se na balança a possibilidade de, caso fosse dado ganho de causa aos poupadores, a União ter que auxiliar os bancos a pagar a dívida, tirando o dinheiro do erário para dar aos poupadores. Isso deve ser considerado na hora de julgar?
Hamilton Dias de Souza — Cumprir a lei e a Constituição não significa interpretar a lei. A Constituição é uma carta política, portanto. Nesse sentido, o Supremo não pode de maneira nenhuma deixar de analisar as razões que interessam a nação. Se eu tiver uma determinada questão em que há valores nacionais envolvidos, o juiz do Supremo, entre as várias possibilidades de argumentação, pode escolher alguma que, segundo ele, seja melhor para o conjunto do povo. Isso não significa torcer a lei e nem a Constituição. Julgamento político, não. Agora, julgamento jurídico levando em consideração os fatores políticos constitucionais, sim.
ConJur — O que o senhor achou de, no caso da guerra fiscal, o Supremo ter “ameaçado” editar uma súmula se o Congresso não colocasse um fim na discussão? Funcionou?
Hamilton Dias de Souza — Não. O Congresso não se movimentou. Depois da proposta de súmula vinculante, um conjunto de governadores foi conversar com o ministro Gilmar Mendes, que tem tido uma dedicação notável. Ele comparece a diversos seminários sobre guerra fiscal. O recado é claro: ele está mostrando que está fazendo tudo o que pode, mas se não se virarem no Congresso, ele vai ter que soltar a súmula. E é muito difícil que haja modulação — segundo pronunciamento expresso já dos ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski.
ConJur — Parece que a questão mais difícil de trabalhar com o Confaz é a unanimidade. Já se cogita acabar com ela, mas não se chega a uma conclusão em relação à convalidação. Como chegar a um denominador comum?
Hamilton Dias de Souza — O problema da unanimidade não foi superado. Como é que uma unanimidade pode ser uma exigência constitucional se a própria Lei Complementar 24 contempla hipóteses de não unanimidade? E como essa hipótese de não unanimidade diz respeito à convalidação, sugiro: adote-se o mesmo critério. Pois a unanimidade é a ditadura de um só. Um estado pode evitar o que todos os outros querem. Colocar-se a necessidade de 2/3 ou 3/5 para aprovação é o que parece mais próximo da realidade. O Projeto 130, da deputada Lucia Vânia (PSDB-GO), diz que precisa ter 3/5 da totalidade e pelo menos 1/3 de cada região, para evitar que regiões como Norte, Nordeste e Centro-Oeste se alinhem e façam qualquer coisa em detrimento do Sudeste e do Sul, por exemplo. Mas tem outra questão muito importante: como é possível que os estados que concedem os incentivos estejam em desacordo com a convalidação? A resposta é que os estados não estão em desacordo, mas os secretários da Fazenda estão. Isso por causa da glosa de créditos. O estado de destino glosa o crédito decorrente do ICMS incentivado na origem. Isso passa a ser, dentro do orçamento estadual, um crédito possível do qual ninguém quer abrir mão — nem nos estados useiros e vezeiros em dar incentivos fiscais. Isso porque o secretário da Fazenda tem que cumprir uma meta e isso não coincide com o que o governador negocia com as empresas. Ou seja, no Confaz, quem fala são atores diferentes dos que negociam incentivos. Isso só pode ter uma solução: o Senado decidir a questão independentemente do Confaz e uma conscientização dos governadores que lutam pelos incentivos que orientem seus secretários a deliberar convenientemente no Confaz.
Mas isso é uma suposta receita. A partir da súmula vinculante — se ela for criada — qualquer ato administrativo já dado está sujeito a reclamação ao Supremo Tribunal Federal. E a pessoa física do funcionário público que fez isso está sujeito, entre outras coisas, a ação de improbidade. Eu não sei se esses agentes públicos, inclusive governadores e secretários, têm consciência do risco que existe para eles.
ConJur — O Supremo decidiu sobre a tributação de coligadas no exterior, mas o Carf ainda não se manifestou.
Hamilton Dias de Souza — O Supremo não decidiu sobre coligadas em paraísos fiscais. Só disse que é inconstitucional a tributação de empresas sediadas no exterior e coligadas a multinacionais brasileiras antes da distribuição dos lucros aos acionistas no Brasil — desde que não sejam sediadas em paraísos fiscais. Também nada se falou de controladas em paraísos fiscais ou fora de paraísos fiscais. Esse é um caso clássico que, depois de tantos anos, criando uma expectativa extraordinária, deixa o país inteiro em uma situação horrível. Gera insegurança jurídica, a justiça tardia é injustiça, provoca caos econômico no país. Quanto custa a morosidade do Judiciário? E não só a morosidade, mas a falta de compromissos com os precedentes e com a coerência com premissas teóricas. O Supremo Tribunal Federal até hoje não tem uma posição clara de qual seja o fato gerador do Imposto de Renda, ou seja, quando pode cobrar e quando não pode.
ConJur — Essa divisão entre as empresas que estão ou não em paraísos fiscais faz sentido?
Hamilton Dias de Souza — Não faz o menor sentido. Coloca-se como paraíso países com Imposto de Renda de menos de 20%. Então, se eu tiver um país com Imposto de Renda de 17%, com todos os controles possíveis e imagináveis, conta como paraíso.
ConJur — Por isso as empresas têm transferido as sedes para o exterior?
Hamilton Dias de Souza — Claro. Você pode inviabilizar uma empresa que trabalhe no Oriente Médio. Há vários países não paraísos fiscais que, para atrair empresas, têm incentivos fiscais e cobram 10% ou 15% para o mundo inteiro. Aí a construtora francesa que vai para lá tem uma alíquota de 10% ou 15%, mas a construtora brasileira vai ter que pagar 34%. Não tem condição de competir. Muda a sede para lá ou sai do mercado.
ConJur — E como se faz isso? Muda a sede para lá e transforma a daqui em uma controlada?
Hamilton Dias de Souza — No momento em que ela vai mudar a sede, vai fazer um grande planejamento societário para que a empresa de lá não seja controlada daqui. Ela vai fazer um planejamento fiscal qualquer ou sair do Brasil vai e passar a ter uma subsidiária brasileira. Concluindo, acho que isso presta um desserviço ao país, acho uma tributação ao arrepio do sistema tributário, do conceito de renda, e, mais uma vez, criando uma insegurança jurídica no Brasil. E os tratados internacionais que cuidam de dupla tributação e que preveem que a renda produzida em determinado Estado não possa, direta ou indiretamente, ser tributada em outro Estado? O STF vinha entendendo em matéria de tratados internacionais, que os tratados internacionais entravam no ordenamento jurídico nacional como lei interna e, como tal, poderiam ser revogados. Mas o artigo 4º, inciso 12, da Constituição estabelece como fundamento da República, entre outras coisas, a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Os povos cooperam através de tratados. E é claro que ninguém faz tratado com você se você não respeitá-los. Eu não posso interpretar nenhuma norma constitucional que contrarie um fundamento da Constituição.
ConJur — O conceito de insumo para a tributação pelo PIS e pela Cofins não cumulativos é algo não definido em lei?
Hamilton Dias de Souza — Isso é uma coisa importante. A Constituição, no parágrafo 12 do artigo 145, diz que a lei definirá os setores para os quais as contribuições serão não cumulativas. O Fisco, por força disso, diz: quem define o que é cumulativo ou não cumulativo é a lei. E aí vem com um rol do que dá direito a crédito e o que não dá direito a crédito. Mas a Constituição diz que a função da lei é escolher o setor. Uma vez escolhido o setor, se aquele setor for não cumulativo, ele não pode ser pela metade. Digo de outra forma: se a Constituição diz que a lei pode escolher o setor, a função única da lei é dizer o setor. Para aquele setor, o ciclo integral terá que ser não cumulativo, sob pena de provocar o hibridismo.
ConJur — Então, mais uma vez, estão brigando pelo ponto errado da questão?
Hamilton Dias de Souza — Eu, com 47 anos de profissão, me dou o luxo de arriscar a falar o que ninguém falou. Se estiver errado, eu, no mínimo, provoco um debate.
ConJur — E o que é não cumulativo?
Hamilton Dias de Souza — O conselheiro Acácio diria que não cumulativo é o que não é cumulativo. Cumulativo é aquilo que entra na última operação, que não se não extingue, porque foi custo das operações anteriores. Tudo aquilo que, na cadeia, virou custo, é cumulativo. O conceito de não cumulatividade precede a questão jurídica. É um conceito econômico. Se virar elemento de custo, é cumulativo. A primeira consequência prática é tudo aquilo que entra como elemento de custo, toda parcela que foi onerada pelo PIS/Cofins e que virou elemento de custo e não dá direito a crédito, é cumulativo. Há outras questões que, na cadeia econômica, não são custos e podem criar cumulação. Exemplo: eu posso ter despesas que interferem no cálculo do custo do produto, ainda que na contabilidade sejam definidos como despesas e não como custos, que interferem diretamente no produto. Um exemplo é a publicidade. Quantos por cento dos gastos da Hyunday são com a publicidade que transformou a marca em uma gigante? E eu não tenho a menor dúvida de que a publicidade é alocada no cálculo de custo do veículo. Ela é um elemento fundamental. Eu não tenho a menor dúvida. Se eu não calcular o PIS/Cofins sobre a publicidade, eu vou ter cumulação.
ConJur — E o que dá direito ao crédito?
Hamilton Dias de Souza — Tudo que tiver uma relação de inerência com o produto. Não se encontrou fórmula alguma. O que é inerente ao produto dá direito a crédito. Já uma propaganda institucional não é inerente ao produto.
ConJur — Mas como se define o que é inerente?
Hamilton Dias de Souza — É possível apontar o insumo que se desgasta no curso do processo. Por exemplo, em uma empresa de laticínios, a higiene é fundamental. Logo, a limpeza da empresa é inerente ao custo do produto. Não é diretamente, mas é inerente.
Por Alessandro Cristo e Marcos de Vasconcellos
Fonte: Conjur
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