Já comentei neste espaço, em novembro, que a Medida Provisória n° 627, de 2013, no âmbito da regulamentação tributária da adoção dos padrões internacionais de contabilidade (IFRS), aproveitou para “corrigir” o que a Receita Federal do Brasil entende estar “errado” em relação ao ágio. Essa “correção” implicou a vedação ao ágio interno e ao ágio em que não há circulação de recursos financeiros (substituição de ações ou quotas).
Naquela oportunidade, foi esclarecido que o ágio é o sobrepreço que o adquirente paga em relação ao valor patrimonial do bem adquirido – no caso, a participação societária (ações ou quotas). Se ocorre a compra de uma empresa, a justificativa econômica natural para que o valor pago seja superior ao valor de mercado (com o perdão do reducionismo) da empresa vendida reside na expectativa de rentabilidade futura.
Por ágio interno, entende-se aquele que decorre de operações de aquisição de participação societária (ações ou quotas) realizadas entre empresas pertencentes a um mesmo grupo econômico, operação na qual não haveria justificativa econômica para que uma empresa pague sobrepreço (ágio) para adquirir outra que esteja sob o mesmo controle, porque, ao fim e ao cabo, o comprador e o vendedor seriam a mesma pessoa.
Por outro lado, com relação ao ágio em operações de reestruturação societária sem pagamento em dinheiro, cujos principais exemplos são a permuta de ações e a incorporação de ações, foi destacado que a norma contábil reconhece que o controle de uma empresa pode ser adquirido sem que haja transferência de caixa, citando as seguintes hipóteses: pela assunção de passivos; quando a empresa recompra um número tal de suas próprias ações de forma que determinado investidor acaba obtendo o controle sobre ela; quando um eventual direito de veto de não controladores que antes impedia uma determinada pessoa de controlar a empresa perde efeito; ou por meio de acordos puramente contratuais (acordo de acionistas, por exemplo).
Considerando que é possível justificar economicamente o ágio em ambas as situações, embora de maneira mais restrita no primeiro caso (“ágio interno”), foram propostas emendas à MP 627 para “corrigir” essa “correção” da Receita. Nesse sentido, o ágio em operações sem fluxo financeiro seria integralmente permitido e o ágio interno seria aceito quando chancelado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) - quando houvesse minoritários a proteger.
Acontece que o deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ), de acordo com o seu relatório sobre a MP 627 lido no Congresso Nacional na quarta-feira, não aceitou qualquer modificação nesses temas relacionados ao ágio. Portanto, prevaleceu o entendimento da Receita.
Inconstitucionalidade
A se confirmar a posição do relator na deliberação do Poder Legislativo, será criado mais um foco de contencioso tributário, pois a vedação do ágio em operações economicamente justificadas é inconstitucional.
Para entender isso, primeiro precisa ser afirmado que a dedução do ágio não é um benefício fiscal ou um favor que a lei concede aos contribuintes. Trata-se de um elemento necessário à composição do conceito constitucional de renda.
O conceito de “renda”, na seara tributária, apresentado pela Constituição Federal e ratificado pelo Código Tributário Nacional (como lei complementar que é), reside no acréscimo patrimonial (riqueza nova). Para se chegar ao acréscimo patrimonial, torna-se imprescindível considerar o patrimônio inicial, as riquezas geradas e os custos necessários a produção dessas riquezas. Dessa forma, deduzir custo e despesa na apuração dos tributos sobre o lucro (IRPJ/CSLL) não é beneplácito das autoridades fiscais, mas, sim, decorre de mandamento constitucional.
No último mandado do presidente Fernando Henrique Cardoso, o então secretário da Receita Federal Everaldo Maciel propôs a obrigatoriedade da adoção do lucro presumido a algumas empresas. Tal proposta não prosperou, e não poderia prosperar, porque imporia um imposto sobre algo que não é renda, já que as empresas assim obrigadas não poderiam deduzir suas despesas legítimas.
Desde que economicamente justificado, o ágio pago na aquisição de controle de uma empresa, seja em operação dentro do mesmo grupo econômico ou em operação que não implica pagamento em dinheiro, terá a natureza de despesa necessária e, portanto, com garantia constitucional para a sua dedução no cálculo dos tributos sobre o lucro.
Caberia, eventualmente, à legislação ordinária determinar os critérios e os prazos para o aproveitamento dessa despesa. Sendo declarados inconstitucionais os dispositivos da MP 627 que tratam dessas vedações – o que parece ser inexorável –, voltaria a vigorar a legislação anterior, assim como suas condições e seus prazos.
por: Edison Fernandes
Fonte: Valor Econômico
Via Aires Gonçalves
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