Exercendo sua missão legal de ser a voz constitucional da sociedade brasileira, o conselho federal da Ordem dos Advogados do Brasil ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade — ADI 5.096, sob relatoria do ministro Luis Roberto Barroso, objetivando que o cidadão brasileiro pague menos Imposto de Renda (IR).
Postula-se a correção no mesmo percentual da inflação da tabela de isentos e das faixas tributadas.
Desde 1996, os contribuintes vêm recolhendo o Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) com base nos preceitos da lei 9.250, de 26 de dezembro de 1995, diploma legal responsável por alterar a legislação do imposto, notadamente quando converteu os valores da tabela progressiva referente à tributação das pessoas físicas, até então em Ufir, para o padrão monetário atual.
Com o decorrer dos anos, o valor tido como mínimo necessário para satisfação das obrigações do cidadão e os limites das faixas de incidência do IRPF foram corrigidos de forma substancialmente inferior à inflação do período.
A partir de estudo realizado pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, depreende-se que, de acordo com a evolução do IPCA, índice oficial do governo federal, medido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no período de janeiro de 1996 até dezembro de 2013, já descontadas todas as correções da tabela do imposto, ainda resta uma perda do poder aquisitivo da moeda brasileira da ordem de 62%.
Tal dado é corroborado por nota técnica do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos).
A intenção da ordem jurídica quando definiu o valor para não incidência do IR no ano de 1996 (faixa de imunidade de R$ 900) era o de proteger os assalariados que recebiam menos de 8 salários mínimos por mês (R$ 896), enquanto nos dias atuais (faixa de imunidade de R$ 1.710,78) basta receber 3 salários mínimos por mês (R$ 2.034) para que haja tributação pelo IR.
Direito de propriedade
A não correção da tabela de incidência do IRPF de acordo com a inflação culminou na redução da faixa de imunidade, fazendo com que um número elevado de contribuintes passasse a estar sujeito à incidência do tributo mesmo sem um aumento de salário que excedesse a correção dessa renda pelo índice real de inflação.
Tal quadro ofende diretamente o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, CF), em face da tributação do mínimo existencial.
A correção da tabela do IRPF em percentual discrepante, porque muito inferior à inflação, viola, de igual modo, outras expressas normas da Constituição Federal, asseguradoras do conceito de renda (artigo 153, III), da capacidade contributiva (artigo 145, § 1º) e do não confisco tributário (artigo 150, IV).
Em recente julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, propostas pela OAB nacional e pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviço e Turismo), o Supremo Tribunal Federal vaticinou pela inconstitucionalidade da correção que utiliza índice inferior à inflação, por não preservar o valor real do direito do cidadão, acarretando em ferimento ao direito de propriedade.
O acórdão esclarece que "a atualização monetária dos débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança viola o direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII) na medida em que é manifestamente incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. A inflação, fenômeno tipicamente econômico-monetário, mostra-se insuscetível de captação apriorística (ex ante), de modo que o meio escolhido pelo legislador constituinte (remuneração da caderneta de poupança) é inidôneo a promover o fim a que se destina (traduzir a inflação do período)".
O STF considera que a correção pela inflação é fundamental para evitar confisco ao direito de propriedade. Tal raciocínio pode ser aplicado em relação à correção da tabela do IR, que não pode ocorrer em percentual inferior à inflação, sob pena de se configurar indevido confisco, violando o direito de propriedade e, no caso do IR, a proteção ao salário, bem de vida a merecer máxima proteção da ordem jurídica. Lembre-se que o cidadão brasileiro trabalha cinco meses por ano apenas para fazer face à carga tributária do país.
Violando abertamente a "Constituição, a ordem jurídica do estado democrático de direito, os direitos humanos [e] a justiça social", cuja defesa incumbe à Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 8.906/94, art. 44, I), a postura da União em não corrigir a tabela de IR suscitou a iniciativa do conselho federal da entidade, legitimado universal à propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade.
O cidadão possui o direito de não ter ampliada a carga tributária de modo inconstitucional. Para proteger o exercício dessa prerrogativa do cidadão é que se move a OAB nacional.
*Artigo publicado originalmente no portal UOL no dia 13 de março de 2014.
por Marcus Vinicius Furtado Coêlho é presidente do Conselho Federal da OAB.
Fonte: Conjur
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