Após mais de duas décadas de discussões o Supremo Tribunal Federal firmou a tese de que o ICMS só incide nas operações que impliquem circulação jurídica, isto é, quando ocorrer a troca de titularidade ou posse da mercadoria. Daí porque afastada a tributação na hipótese de deslocamento da mercadoria de um estabelecimento para outro do mesmo titular.
Esse posicionamento equivocado veio a ser afastado mediante o reexame do fato gerador do ICMS à luz do texto constitucional original que se refere a “operações relativas à circulação de mercadorias” a exigir um negócio jurídico que implique alteração de titularidade da mercadoria ou bem.
De fato, afastado o conceito de circulação jurídica, para prender-se ao conceito de entrada do bem ou da mercadoria procedentes do exterior, configurar-se-ia a bitributação jurídica, posto que a entrada de mercadoria ou bem constitui fato gerador do imposto de importação (art. 19 do CTN), conforme sustentado pelo STJ (REsp nº 622283). O certo é que o leasing nacional ou internacional figura na lista de serviços tributáveis pelo ISS. (item 15.09 da lista anexa à LC nº 116/03).
Por tais razões o STF no Recurso Extraordinário julgado sob a égide de repercussão geral decidiu, por maioria de votos, que não há incidência do ICMS na operação de arrendamento mercantil internacional (RE nº 540.829/SP-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 16-6-2015).
Dessa forma, após longo tempo de insegurança jurídica a Corte Suprema, finalmente, afastou a confusão lançada pelo poder reformador, conferindo ao disposto na letra a, do inciso IX, do § 2º, do art. 155 da CF a única interpretação possível, exigindo a circulação jurídica do bem ou mercadoria importada do exterior como condição inafastável à incidência do ICMS.
Contudo, ainda não há posicionamento do STF quanto à incidência do ICMS na venda do bem arrendado ao arrendatário no final do prazo contratual. Posicionamo-nos contra a tributação nesse caso tendo em vista que o leasing financeiro, por expressa definição legal (Lei nº 6.099/74 com as alterações da Lei nº 7.132/83 e Resolução nº 2.309/06 do Banco Central) pressupõe a existência de tríplice opção conferida ao arrendatário:
(a) devolução do bem arrendado no final do prazo contratual;
(b) prorrogação do contrato de arrendamento no final do prazo pactuado;
(c) exercício da opção de compra no final do prazo do pacto firmado.
A ausência da cláusula de opção de compra pelo valor residual, ao final do prazo contratual, descaracteriza o contrato de leasing. Essa cláusula é elemento estrutural do contrato de leasing.
Logo, se a opção de compra é elemento integrante do contrato de leasing financeiro, ensejador da incidência do ISS, o exercício dessa faculdade pelo arrendatário não pode implicar a incidência do ICMS, sob pena de bitributação jurídica não permitida pela Constituição Federal. A compra de bem arrendado no final do prazo contratual é uma operação abrangida pelo contrato de leasing financeiro.
Se atentarmos para a redação conferida do item 15.09 anexa à Lei Complementar nº 116/03 verificamos que não há incidência do ICMS na hipótese de compra e venda. De fato, no item pertinente ao leasing não há a costumeira ressalva da tributação pelo ICMS como nos demais itens (por exemplo: conserto de máquinas e motores, exceto fornecimentos de peças). Logo, pelo princípio segundo o qual lei posterior revoga a anterior em sentido diverso, fácil de se compreender a inaplicabilidade do inciso VIII, do art. 3º da LC nº 87/96.
Nesse sentido decidiu o E. TJSP conforme ementa abaixo:
ICMS. Importação de aeronave. Contrato de arrendamento mercantil (leasing). Não caracteriza o fato imponível do ICMS.
I – Os bens importados em decorrência do leasing não se destinam ao consumo, nem ao ativo fixo do importador, porque continuam integrando o patrimônio do arrendante.
II – Em que pese a circunstância de o artigo 3.º, inciso VIII, da Lei Complementar 87, de 1996, prescrever que, ao fazer a opção de compra, o arrendatário estaria sujeito à incidência do ICMS, tal mandamento contraria a sistemática do leasing, pois, ao ser exercida a opção de compra, não há mais mercadoria e, como se isto não bastasse, não ocorre nenhuma operação mercantil, mas tão somente, uma operação de financiamento (TJSP, AC 57.384-5/SP, Rel. Des. Guerrieri Rezende, 7.ª Câmara de Direito Público, j. 05.04.1999, JTJ v. 218, Lex, p. 74-78, jul. 1999).
A cobrança do ICMS sobre o leasing por ocasião do exercício da opção de compra pelo arrendatário, com base na segunda parte do inciso VIII do art. 3.º da LC 87/96, é inconstitucional, quer por invadir a esfera de competência impositiva do Município, quer por implicar exigência de imposto sem a necessária base de cálculo.
por Kiyoshi Harada
Fonte: Haradaadvogados.com.br/
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