Uma empresa em recuperação judicial conseguiu liberar bens penhorados pela Fazenda Nacional antes do início do processo de recuperação. A decisão foi proferida pela 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro e chancelada, recentemente, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A situação da companhia do Rio de Janeiro era crítica. Praticamente todo o seu estoque de matéria-prima estava retido para o pagamento de dívidas tributárias e se a penhora fosse mantida ela dificilmente sobreviveria. "A mercadoria era necessária para o giro da empresa", diz a advogada Juliana Bumachar, sócia do Bumachar Advogados Associados e representante da companhia no processo.
A advogada detalha que a empresa, quando entrou com o pedido de recuperação, apresentou liminar para aderir ao parcelamento oferecido pelo Fisco para as companhias em crise - que tem base na Lei nº 13.043, de 2014, e permite o pagamento da dívida em até 84 parcelas - e, paralelamente, pediu ao juiz que liberasse a penhora dos seus bens.
"Não é que ela não quisesse pagar a dívida. Ela queria. Mas o Fisco não permite a adesão ao parcelamento sem a garantia", contextualiza Juliana Bumachar.
O juiz da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, onde tramita o processo de recuperação judicial da companhia, atendeu o pedido e enviou ofício comunicando a decisão para a 3ª Vara de Execuções Fiscais da Justiça Federal - onde corre o processo da Fazenda Nacional contra a empresa devedora.
Esse caso foi levado ao STJ por meio de um conflito de competência (CC 159998). Isso porque o juiz federal entendeu diferente do juiz da recuperação judicial e determinou que os bens continuassem retidos. "Como a penhora de bens se deu em momento anterior à notícia de recuperação judicial, a constrição deverá ser mantida", havia afirmado na decisão a juíza Fernanda Duarte Lopes Lucas da Silva.
A 2ª Seção do STJ, que julgou o conflito de competência, entendeu, no entanto, que não caberia à Justiça Federal, mas sim ao juiz que trata da recuperação judicial definir sobre atos de constrição e expropriação de bens do patrimônio da empresa.
"Muito embora a execução deva prosseguir, compete ao juízo da recuperação melhor avaliar como a expropriação patrimonial deverá ser efetivada, salvaguardando assim o escopo da preservação da empresa contido na Lei nº 11.101", afirma o ministro Marco Buzzi, relator do caso. O entendimento foi seguido de forma unânime pelos demais integrantes da 2ª Seção.
O caso envolvendo a empresa de São Paulo, que teve decisão proferida em 2016, é um pouco diferente. A Fazenda Nacional havia leiloado imóveis da devedora e precisou liberar o dinheiro decorrente da arrematação - que já estava depositado na conta da execução fiscal. A determinação foi do juiz da recuperação judicial, da 4ª Vara de Piracicaba.
Ele entendeu que o montante deveria ser destinado ao pagamento de credores trabalhistas. Isso porque, na hipótese de a companhia ir à falência, os trabalhadores teriam preferência em relação ao Fisco para o recebimento.
Esse caso também foi levado ao STJ por meio de um conflito de competência (CC nº 144.157), em razão de decisões divergentes da Justiça do Estado e da Justiça Federal. A penhora de imóveis da devedora havia sido autorizada pelo juiz federal em abril de 2015 e o pedido de recuperação judicial foi aceito pelo juiz do Estado em agosto do mesmo ano. Já o leilão ocorreu no mês de novembro.
"É certo que os valores auferidos devem ser remetidos ao juízo da recuperação, a quem é atribuída a competência de sobre eles deliberar", afirma, em decisão monocrática, o ministro Luis Felipe Salomão.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) também se manifestou sobre o assunto. Um ano depois da decisão do ministro Salomão, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial julgou um recurso da Fazenda Nacional e manteve o entendimento da primeira instância (processo nº 221 3574-19.2016.8.26.0000).
"Está em trâmite um procedimento concursal, não sendo viável propor a aplicação das regras gerais e atinentes à execução singular", afirma em seu voto o relator, desembargador Fortes Barbosa
Julio Mandel, sócio do escritório Mandel Advocacia, atuou para a empresa de São Paulo. Ele chama a atenção que a situação do Fisco é diferente da dos demais credores porque as dívidas tributárias não se sujeitam ao processo - que geralmente têm planos de pagamentos aprovados com prazo de carência, descontos e em parcelas.
"Para o credor comum, se o plano é aprovado e a dívida renovada, a execução se extingue", diz. O advogado comenta, no entanto, que o objetivo da Lei de Recuperação Judicial e Falências é o de "recuperar a empresa" e não "o crédito" e que se ela se mostrar viável, todas as partes, inclusive o Fisco, têm de fazer esforços. "Porque a empresa viva está pronta para pagar impostos, gerar emprego e riqueza", observa.
Há uma tendência de que bens essenciais para a empresa cumprir o seu plano só podem ser constritos ou alienados com a autorização do juiz da recuperação judicial, afirma a advogada Laura Bumachar, sócia do escritório Dias Carneiro. Isso já acontece, por exemplo, com os pedidos de penhora que são feitos durante o processo: o juiz da execução fiscal encaminha para o da recuperação e este decide como fazer.
A advogada destaca que existem reiteradas decisões do STJ sobre esse assunto. "Porque, sendo bem essencial, pode inviabilizar a recuperação da empresa", diz. "Há novidade em relação à penhora anterior ao processamento da recuperação judicial, mas não me impressiona, já que está justamente dentro dessa tendência", acrescenta.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) foi procurada pelo Valor , mas não deu retorno até o fechamento da edição.
Fonte: Valor Econômico
Via APET
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