O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) aceitou duas operações feitas por contribuintes com a finalidade principal de pagar menos impostos. As decisões, da 1ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção, contrariam entendimento da Câmara Superior, que não costuma admitir essa motivação nos julgamentos.
Em uma delas, os conselheiros anularam uma autuação de R$ 89,8 milhões recebida pela Sofisa Serviços Gerais de Administração Limitada. A decisão, unânime, afastou cobrança de Imposto de Renda (IRPJ) para o exercício de 2010. A turma entendeu que não existe regra que considere operação feita apenas para economia tributária como negócio jurídico inexistente ou sem efeito.
A Sofisa foi autuada por falta de contabilização de ganho de capital. Para a fiscalização, a empresa seria a real vendedora e beneficiária dos valores recebidos pela comercialização das cotas da SOFcred e teria omitido o ganho de capital obtido, apresentando em seu lugar, como vendedores, o Banco Sofisa e a Sofisa CFI. Em sua defesa, a empresa afirma que o Fisco não cogitou a existência de simulação e que não ocorreu planejamento fiscal ilícito.
Para o relator, conselheiro Daniel Ribeiro Silva, representante dos contribuintes, a busca da redução de incidência tributária já constitui propósito negocial que viabiliza a reorganização societária, desde que cumpridos os demais requisitos. "Entendo que a ausência de propósito negocial, sob a ótica do Fisco, não pode ser suficiente para desconsiderar as operações realizadas, até mesmo porque a economia tributária pode ser considerada um propósito negocial", afirma em seu voto.
Em maio, a mesma turma aceitou o recurso da MCLG Empreendimentos e Participações. Seguindo o relator, o mesmo do caso da Sofisa, a turma decidiu, por maioria, que o fato dos atos praticados terem como objetivo a economia tributária não os torna ilícitos ou inválidos. No caso também ficou demonstrada justificativa extratributária (processo nº 16561.720111/201424).
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ainda pode recorrer das decisões à Câmara Superior. Em nota ao Valor, o órgão afirma que vem acompanhando os julgamentos que tratam de planejamentos realizados com exclusivo intuito de obter economia fiscal. De acordo com a PGFN, a Câmara Superior já analisou inúmeros planejamentos tributários realizados exclusivamente com finalidade fiscal, dentre eles aqueles envolvendo ágio, mas a conclusão depende da análise do caso concreto.
Em 2017, a 1ª Turma da Câmara Superior manteve uma decisão favorável ao contribuinte. Mas sem analisar o mérito. O recurso não foi aceito por causa dos paradigmas apresentados. No processo, era discutida uma autuação recebida pela Serasa por causa da operação de compra de seu controle pela europeia Experian (processo nº 10880.734249/2011-79).
Em 2016, a 1ª Turma da 2ª Câmara da 1ª Seção havia cancelado a autuação recebida pela Serasa, por maioria de votos. Os conselheiros consideraram, entre outros motivos, que a busca de eficiência fiscal em si não configura hipótese de perda do direito de dedução do ágio, ainda que tenha sido a única razão aparente da operação. Para a turma, a existência de outras razões de negócio, além do benefício fiscal, só ratifica a validade e eficácia do negócio.
Já em julgamento realizado em janeiro, na Câmara Superior, os conselheiros decidiram que na reorganização societária da Raízen Energia não existia motivo além da criação artificial de condições para obtenção de vantagens tributárias e esse motivo não poderia ser imposto à Fazenda Pública. Embargos de declaração ainda serão julgados (processo nº 16561.720093/2011-38).
Para a advogada Shirley Henn, no escritório BPH, com base na jurisprudência que está se formando, parece que a tendência do Carf é afastar apenas a reorganização societária e a consequente redução tributária que seja considerada fraude.
As decisões da 1ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção, acrescenta o tributarista Marco Aurélio Poffo, do mesmo escritório, são "uma luz no fim do túnel". Ele reforça que não há lei que considere operação feita apenas para economia tributária como negócio jurídico inexistente ou sem efeito.
De acordo com a advogada Luciana Simões de Souza, do escritório Trench Rossi Watanabe, esse é um dos grandes debates dos contribuintes com o Fisco. No passado, o Carf foi muito rigoroso e por isso, acrescenta, a orientação aos clientes era de que as operações precisariam de outro propósito – além da economia fiscal. Mas os julgamentos recentes, segundo ela, reavivaram o debate sobre a legitimidade dessas operações.
Por Beatriz Olivon | De Brasília
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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