domingo, 10 de junho de 2018

Futurologia sobre averbação pré-executória

O que o recente julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) pela constitucionalidade do protesto extrajudicial de certidões da Dívida Ativa, autorizado pela Lei nº 12.767/2012, pode antecipar quanto à futura manifestação da Suprema Corte pela constitucionalidade, ou inconstitucionalidade, da averbação pré-executória, instrumento recém-criado do novo modelo de cobrança da Dívida Ativa Federal (Lei 13.606/2018 e Portaria PGFN 33/2018)?

Há interessantes relações entre a declaração da constitucionalidade do protesto extrajudicial de certidões da Dívida Ativa (CDAs) e a averbação pré-executória. Ambos os institutos são alternativas de desjudicialização da cobrança da Dívida Ativa, contudo possuem naturezas distintas e produzem consequências jurídicas igualmente singulares.

O protesto extrajudicial de CDAs dá publicidade à dívida tributária, mas não restringe o direito à propriedade diretamente. Já a averbação pré-executória prevê de forma expressa a indisponibilidade dos bens como consequência.

O protesto extrajudicial de CDAs dá publicidade à dívida tributária, mas não restringe o direito à propriedade

A composição da Corte se mantém praticamente idêntica, com o ingresso do ministro Alexandre de Moraes no lugar do ministro Teori Zavascki, que havia votado pela constitucionalidade do protesto extrajudicial das CDAs.

O ministro Luis Roberto Barroso, relator da ADI 5.135, entendeu que o protesto extrajudicial não representaria sanção política, assim entendida como medida extrajudicial que restringe desproporcionalmente direitos fundamentais dos contribuintes (devido processo legal, livre iniciativa e livre exercício profissional) como meio para forçar o adimplemento tributário. Ele foi acompanhado pelos ministros Teori Zavascki, Rosa Weber, Dias Toffoli, Celso de Mello, Carmen Lúcia.

O ministro Marco Aurélio, relator das ADIs sobre a averbação pré-executória (ADIs 5881; 5886; 5890; e 5925), votou pela inconstitucionalidade do protesto extrajudicial, pois o considerou um mecanismo de coação do devedor. Em sua opinião, a Fazenda Pública não necessita do protesto extrajudicial para atribuir liquidez ao título, uma vez que a própria CDA é dotada de presunção de liquidez e certeza na forma da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais). Os ministros Edson Fachin e Henrique Lewandowski também se manifestaram pela inconstitucionalidade do protesto extrajudicial das CDAs.

Dois pontos do voto do ministro Luis Roberto Barroso devem ser destacados para fins da análise da constitucionalidade da averbação pré-executória: a adequação do instrumento; e se há restrição direta ao exercício das atividades empresarias.

Para o ministro Luis Roberto Barroso, existem três dimensões da proporcionalidade: i) a da adequação da medida; ii) a da necessidade/vedação de excesso; e iii) a proporcionalidade em sentido estrito. Para ele, a adequação da medida passa pela análise quanto à existência de meio alternativo menos gravoso e igualmente idôneo à produção do mesmo resultado.

Concordamos que medidas extrajudiciais para a cobrança da Dívida Ativa razoáveis, proporcionais e que garantam os direitos dos contribuintes devem ser implementadas. Contudo, no caso da averbação pré-executória, o instituto é reprovado justamente na dimensão da adequação.

O próprio protesto extrajudicial das CDAs figura como uma medida menos gravosa e igualmente capaz de produzir os efeitos pretendidos pela sociedade: desjudicializar a cobrança da Dívida Ativa de forma eficiente a estimular a adimplência para o alcance da arrecadação tributária. No ano de 2015, por exemplo, o índice de recuperação das CDAs protestadas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) foi de 17,17%.

O segundo ponto que deve ser considerado é que, diferentemente do protesto extrajudicial, a averbação pré-executória afeta diretamente o exercício das atividades empresariais dos contribuintes.

O artigo 20-B, §3º, II, da Lei nº 10.522/2002, inserido pela Lei nº 13.606/2018, autoriza a averbação da CDA nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora para torná-los indisponíveis. Ao regulamentar tal dispositivo, a Portaria PGFN 33/2018 autorizou a averbação pré-executória sobre bens integrantes do patrimônio das pessoas físicas que sejam sujeitos a registro público e sobre bens integrantes do ativo não circulante, sujeitos a registro público, no caso de pessoas jurídicas.

Assim, parece claro que permitir a indisponibilidade de bens de imóveis, terrenos, máquinas e equipamentos usados na prestação de serviços restringe o exercício das atividades empresariais diretamente, tal como os atos reconhecidos como sanção política pelo STF no passado – a apreensão de mercadorias, restrições à expedição de notas fiscais, interdição de estabelecimentos.

Como antecipado, tais reflexões não passam de um exercício de futurologia quanto ao destino da averbação pré-executória. A tendência de desjudicialização da cobrança da Dívida Ativa pode ser sim um caminho para se alcançar maior eficiência, mas com certeza há instrumentos disponíveis mais adequados e que impõem menos restrições aos contribuintes que a averbação pré-executória.

Bruno Renaux e Rachel Delvecchio são associados de Tributário do Tauil & Chequer Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Por Bruno Renaux e Rachel Delvecchio

Fonte : Valor

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