Segundo o Plano Anual de Fiscalização da Secretaria da Receita Federal do Brasil para o ano-calendário 2018[1], as empresas denominadas “grandes contribuintes”, representando menos de 0,01% do total de empresas no Brasil (8.885 pessoas jurídicas), foram responsáveis por 61% da arrecadação total. Em que pese o estudo não traga esta informação, se considerarmos 1% dos maiores contribuintes, certamente teremos mais de três quartos da arrecadação.
Como é cediço, na economia globalizada, as grandes empresas possuem importante papel no desenvolvimento e enriquecimento de uma nação, trazendo muitos investimentos, tecnologia de ponta, criando demandas e, também, gerando arrecadação, o que favorece toda a população. Tampouco vamos discutir os efeitos da globalização em prol da sociedade, basta citar que a população que vivia em extrema pobreza caiu de 1,9 bilhão para 700 milhões de pessoas no período de 1990 a 2015 (sendo que a população mundial cresceu 40% no período).
Seguindo na temática, e utilizando as premissas do relatório Doing Business do Banco Mundial[2], grandes empresas demandam muito capital e, também, um ambiente de negócios propício, com infraestrutura, falta de burocracia e, sobretudo, segurança jurídica, com rapidez e clareza na resolução de conflitos, mormente área fiscal. Em um país com alta carga tributária, como o Brasil, isso ganha entorno ainda mais relevante.
Todavia, na prática, não é isso que ocorre. Temos nas diversas esferas jurídicas nacionais uma delonga na definição de questões de máxima importância e impacto na economia, afugentando o capital e inibindo os investidores. A título de exemplo, segundo a “Auditoria Conjunta CGU e TCU – Avaliação da Integralidade do CARF”, o tempo médio de apreciação de um processo no órgão máximo de julgamento da Receita Federal (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF), em 2014, foi superior a 5 anos. O Judiciário padece da mesma dificuldade, não raro arrastando julgamentos de questões tributárias fundamentais por mais de 10 anos (por exemplo: constitucionalidade do Funrural).
Neste cenário, uma análise de investimento teria que aguardar diversos anos para conhecer o efetivo passivo tributário de uma empresa (isso se algum dia for possível verdadeiramente determinar) e o resultado da operação. Sem segurança jurídica, as empresas não conseguem operar adequadamente, deixando de gerar arrecadação que financiará de escolas, hospitais, programas sociais, etc. Isso vai contra o interesse de toda a sociedade.
Qual a solução para este problema?
Primeiramente temos que considerar que questões tributárias de direito material não podem ser decididas fora do poder Judiciário e/ou órgãos próprios da Receita Federal do Brasil. Assim, quaisquer iniciativas privadas de resolução de contendas seriam inconstitucionais.
Da mesma forma que já existem varas especializadas criminais, fazendárias, falimentares, de família, etc.; o Judiciário deveria instituir varas e órgãos especiais para grandes contribuintes, garantindo maior presteza e celeridade no atendimento destas empresas. Vale lembrar que esses contribuintes já possuem acompanhamento diferenciado pela Receita Federal do Brasil.
Aos que pensam que isso fere o princípio da igualdade, não podemos esquecer que igualdade, como dito por Aristóteles, significa “tratar os iguais igualmente e os desiguais desigualmente, na medida de suas desigualdades”. Esses contribuintes carecem de atenção especial, isso, no final, é de interesse de toda a sociedade.
Obviamente estas “cortes especiais” poderiam possuir regras de custeio diferenciadas, com custas em valor mais elevado, visando manter esses órgãos. Ademais, magistrados com conhecimentos especializados e mais afetos ao cotidiano de negócios destas companhias certamente trariam uma melhor visão do nosso sistema jurídico. Esta maior disponibilidade para análise e julgamento dos casos concretos gerariam precedentes capazes de auxiliar a vida dos demais magistrados, gerando uma otimização do sistema como um todo.
Fechar os olhos para esta realidade é não entender a importância das grandes empresas para um país e para o desenvolvimento de uma economia (basta ver os nefastos efeitos das dificuldades enfrentadas pela Petrobrás). Tratar da mesma forma, clamando pela ordem cronológica instituída pelo Código de Processo Civil de 2015, uma ação de restituição de R$ 100 mil e uma discussão sobre Pis/Cofins em combustíveis (com impacto de bilhões nos cofres públicos), por exemplo, é uma total distorção do princípio da igualdade. Essa especialização judiciária para grandes contribuintes favoreceria todos, sendo também um importante passo em direção a uma justiça mais efetiva. Nesta linha, não podemos esquecer dos ensinamentos de Rui Barbosa, “Justiça tardia nada mais é do que injustiça institucionalizada”.
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[1] http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/resultados/fiscalizacao/arquivos-e-imagens/2018_02_14-plano-anual-de-fiscalizacao-2018-versao-publicacao_c.pdf
[2] http://portugues.doingbusiness.org/data
Rafael Peroto – sócio da Oliveira e Olivi Advogados e Associados desde 2012.
Fonte Oficial: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/justica-tributaria-especializar-para-otimizar-29062018.
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