A Lei nº 13.606/2018, que introduziu no ordenamento brasileiro os artigos 20-B, 20-C, 20-D e 20-E na Lei nº 10.522/02, sofreu, dentre outros, um veto específico quanto ao art. 20-D.[1]
Mencionado artigo prevê, no caso de indícios de ilícito tributário imputável ao sócio, administrador e demais responsáveis, a possibilidade de a PGFN, a critério exclusivo da autoridade fazendária, notificar essas pessoas para, entre outras providências, instaurar procedimento administrativo tendente à apuração de responsabilidade por débito inscrito em dívida ativa da União, ajuizado ou não, observadas, no que couber, as disposições da Lei nº 9.784/99.
No trâmite legislativo, o veto foi derrubado e a primeira reação dos contribuintes foi o receio quanto à possibilidade de extensão do instituto da averbação pré-executória prevista na Portaria PGFN nº 33/2018 para os bens dos sócios das pessoas jurídicas.
Isso porque, ao se cotejar o art. 20-D, inciso III, com o procedimento administrativo de reconhecimento de responsabilidade previsto na Portaria PGFN nº 948/2017 (PARR), já discutido antes nessa Coluna, concluir-se-ia, em um primeiro momento, que a simples constatação de indícios de responsabilidade dos sócios e administradores poderia autorizar averbação e possível constrição de bens em instância administrativa, como previsto no art. 21 e seguintes da Portaria PGFN nº 33/2018.
A nosso ver, este entendimento pode causar insegurança jurídica, à medida que a Portaria PGFN nº 948/2017 (PARR) é específica para casos de dissolução irregular e o artigo 20-D da Lei 13.606/2018 é bem mais abrangente, englobando outras hipóteses de aplicação de responsabilidade tributária.
Além disso, o caput do art. 20-D é mais amplo quanto aos possíveis responsáveis, sugerindo, inclusive, uma nova hipótese de redirecionamento uma vez que abrange a responsabilidade de terceiros por parte do contribuinte, sócios, administradores, pessoas relacionadas e demais responsáveis, se houver indícios da prática de ato ilícito previsto na legislação tributária, civil e empresarial, o que vai muito além das exigências para hipóteses de responsabilidade tributária previstas no art. 135, III, do CTN e na dissolução irregular, por exemplo.
Isso porque, para que seja válida e legítima a responsabilização tributária do sócio-gerente, administrador ou representante legal de uma pessoa jurídica é necessário que a Fazenda Pública junte aos autos provas robustas do cometimento de excesso de poderes, da prática do ato ilícito, da infração ao contrato social ou ao estatuto e da efetiva e comprovada gerência do suposto responsável à época do fato gerador (STJ – AGA 492.210/PR), ou, por outro lado, a prova da dissolução irregular/extinção ilegal da empresa (STJ – ERESP 100.739/SP).
Este é o entendimento, inclusive, proposto pelo Parecer PGFN/CRJ/CAT nº 55 de 2009, que reafirma ser incumbência da Fazenda Pública a comprovação dos casos de prática de ato ilícito por parte do sócio com efetivos poderes de gerência à época do fato tributário, além de destacar que a falta de recolhimento de tributos não é ato ilícito, nos termos da súmula nº 430 do STJ.
Além disso, deve ser respeitado o recente Parecer PGFN/CAT nº 31 de 2018, que, em sua conclusão, sinaliza a impossibilidade jurídica da configuração da responsabilidade tributária por infração à lei na hipótese de fraude à execução da dívida ativa.
Portanto, só poderia ocorrer a responsabilização nos casos em foco se o Fisco comprovasse concretamente a correspondente hipótese geradora, com o preenchimento de todos os elementos antes expostos, tudo de modo a viabilizar o devido processo legal, o direito ao contraditório e a ampla defesa por aquele que se quer qualificar como responsável tributário, pessoa que, frise-se, não pode ser incluída, como se regra geral fosse, no polo passivo da relação jurídico-tributária.
Elencados esses procedimentos a serem observados por qualquer regulamento que trate de responsabilidade tributária, a insegurança jurídica ainda se revela, pois há diversos temas em debate e pendentes de resolução sobre responsabilidade tributária nos Tribunais.
Sendo assim, é importante aguardar, por exemplo, a definição da questão em discussão no Resp 1.377.019 (tema 962) relativa ao redirecionamento da execução fiscal contra o sócio administrador da empresa à época do fato tributário ou à época da dissolução irregular ou de ambos (STJ – Tema 962 – Resp 1.377.019); bem como, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) em trâmite no TRF da 3ª Região (processo piloto nº 0017610-97.2016.4.03.0000), que discute a aplicação do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica (IDPJ) em executivos fiscais, para fins de responsabilização de sócios administradores.
Outrossim, sobreleva ressaltar que, qualquer possível procedimento sobre responsabilidade tributária, como o estipulado no artigo 20-D, III, da Lei nº 13.606/2018, deve levar em consideração a possibilidade de indisponibilidade de bens somente pelo Poder Judiciário, a teor do artigo 185-A do CTN, sob pena de infringência à lei e à inafastabilidade do Poder Judiciário, fazendo prevalecer a averbação pré-executória determinada pela autoridade fazendária, de forma unilateral e arbitrária, principalmente quando o contribuinte não responder ao processo administrativo, dada a opção que possui de renúncia a essa instância.
Dessa forma, verifica-se necessária a preservação dos direitos dos contribuintes a partir de um procedimento de responsabilização válido e legítimo que não implique na indevida inclusão dos sócios no polo passivo e, consequentemente, na averbação de seus bens pessoais na esfera administrativa.
É dizer, o procedimento regulatório deve qualificar a exigência das provas e preenchimento dos requisitos da lei que competem à Fazenda Pública, visitando os precedentes, as súmulas vigentes, e os temas pendentes de exame sobre a matéria de responsabilização tributária, respeitando os princípios constitucionais da legalidade, da inafastabilidade do Poder Judiciário e dos direitos e garantias do cidadão, evitando-se assim o aumento de litigiosidade que já se tem envolvendo a responsabilidade.
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[1] Art. 20-D. Sem prejuízo da utilização das medidas judicias para recuperação e acautelamento dos créditos inscritos, se houver indícios da prática de ato ilícito previsto na legislação tributária, civil e empresarial como causa de responsabilidade de terceiros por parte do contribuinte, sócios, administradores, pessoas relacionadas e demais responsáveis, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá, a critério exclusivo da autoridade fazendária:
(…)
III – instaurar procedimento administrativo para apuração de responsabilidade por débito inscrito em dívida ativa da União, ajuizado ou não, observadas, no que couber, as disposições da Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
Camila Baldasso – Advogada do RL Schwartz Advogados, Especialista e Mestranda em Direito Tributário pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e Membro do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição.
Mirella Baldez Coelho de Oliveira – Advogada do Lourenço Advogados Associados, Especialista e Mestranda em Direito Tributário pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e Membro do Núcleo de Direito Tributário da mesma instituição.
Fonte Oficial: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/pauta-fiscal/apuracao-administrativa-da-responsabilidade-tributaria-15062018.
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