O efeito da reforma trabalhista, prevista para ser sancionada hoje, poderá ser o contrário do esperado por parlamentares e empresários. Os 3,6 mil juízes trabalhistas espalhados pelo país poderão ter muito mais processos para analisar. A entidade que os representa, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), espera um aumento na demanda acima de 30% – por conta de rediscussões de questões consolidadas como a terceirização e inconstitucionalidades no texto.
"Nossa expectativa é que haja um boom de ações. Se parte do patronato esperava uma redução, achamos que, infelizmente, deverá haver muito mais litigiosidade nos próximos dez anos", diz o presidente da Anamatra, Guilherme Guimarães Feliciano. A previsão é que o crescimento seja verificado a partir de 2019, "quanto efetivamente o texto começar a surtir efeitos mais claros".
Para ele, um dos questionamentos envolverá a prevalência do negociado sobre o legislado. Esse seria um dos pontos de inconstitucionalidade da reforma, por estar fora das hipóteses autorizadas pelo artigo 7º da Constituição. "Pouco importará ao trabalhador se a lei mudou e o sindicato concorda. Vai perceber o prejuízo e irá para a Justiça do Trabalho", diz Feliciano.
Outra inconstitucionalidade no texto, de acordo com o ex-presidente da Anamatra, o juiz Germano Siqueira, é a que trata da necessidade de abertura de edital e consulta a entidades representativas antes da elaboração de súmulas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). "O dispositivo é inconstitucional por caracterizar interferência do Legislativo no Judiciário", afirma.
O conteúdo de eventuais ações judiciais vai depender dos pontos vetados ou a serem modificados por meio de medidas provisórias da Presidência da República. O Ministério Público do Trabalho já anunciou que poderá optar por ação direta de inconstitucionalidade ou por arguição de inconstitucionalidade em ações civis públicas. A Anamatra, por sua vez, pretende levar seus questionamentos à Procuradoria-Geral da República (PGR).
Há, porém, segundo o presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, Wilson Fernandes, um antídoto no texto aprovado pelo Congresso que poderá intimidar a proposição de ações: a exigência de pagamento de honorários de sucumbência pelo trabalhador em pontos em que for derrotado. "Vai exigir um cuidado maior", diz. "Mas num primeiro momento vai gerar [a reforma] muitas ações."
Para o desembargador Sérgio Pinto Martins, do TRT de São Paulo, a reforma trabalhista não reduzirá o volume de processos judiciais. "Nas negociações diretas entre empregado e empregador, por exemplo, se a empresa impor determinada situação e o empregado se sentir prejudicado, procurará a Justiça do Trabalho", afirma o desembargador.
No caso de o trabalhador processar a empresa alegando ter firmado contrato individual porque tinha que manter o emprego, bastará comprovar coação ou vício. "Se houver prejuízo ao trabalhador, ele poderá alegar que houve um retrocesso social e comprovar a piora da qualidade. A Constituição garante que a negociação deve ser feita para melhorar a condição de trabalho", diz Martins. "Contudo, quem definirá a questão será o Supremo Tribunal Federal (STF), que nunca analisou a questão dessa forma."
Mesmo entre advogados existe a percepção de que inconstitucionalidades vão gerar um intenso litígio na Justiça trabalhista. "Há uma grande possibilidade de que alguns dispositivos sejam levados ao STF, sobretudo pelos partidos políticos que eram contrários à reforma", diz a especialista em direito constitucional Eloísa Machado, da FGV Direito SP.
"A Constituição determina que a atividade empresarial deve estar fundada na valorização do trabalho humano e tem por finalidade assegurar a todos uma existência digna. E quando falamos de direitos trabalhistas aplica-se também o princípio internacional da proibição de retrocesso", afirma a professora. Mesmo a possibilidade de terceirização da atividade-fim poderá ser contestada, segundo ela.
O advogado Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques, porém, não enxerga violação à Constituição Federal. Para ele, que também é professor de direito constitucional da USP, não caberá alegar inconstitucionalidade, por exemplo, porque a reforma reduziu a atuação da Justiça do Trabalho. "Os juízes têm medo de perder o poder, mas o Judiciário é acessório das pessoas e não o contrário", diz.
Se uma empresa decidir adotar o regime de acordo coletivo e outra, da mesma categoria, manter o regime da CLT, também não poderá ser alegada violação ao princípio constitucional da isonomia, segundo o professor. "A isonomia não obriga a adoção do mesmo regime de trabalho. E, nesse caso, nem se trata de ilegalidade", afirma Marques.
Para o advogado Paulo Sérgio João, professor de direito do trabalho da FGV Direito, se as empresas investirem mais em formas de prevenção, haveria menos conflitos na Justiça do Trabalho. Ele lembra que a atual legislação trabalhista já prevê as comissões de conciliação prévia, para uma tentativa de acordo extrajudicial entre a empresa o empregado.
Por Laura Ignacio e Arthur Rosa | De São Paulo
Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br/
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