1. Introdução
O procedimento administrativo fiscal ou tributário inicia-se com a defesa ou impugnação do contribuinte contra o lançamento de ofício realizado pela autoridade administrativa competente que introduz uma norma individual e concreta que exige determinado crédito tributário ou multa como se crédito tributário fosse, conforme dispõe o § 3º do art. 113 do CTN.
No entanto, existem certas peculiaridades no contencioso administrativo tributário que é melhor tratá-lo como procedimento do que processo; a uma, em razão de que os órgãos julgadores estão intimamente ligados a administração pública fazendária não gozando de autonomia e independência, que são características comuns dos Juízes do Poder Judiciário; a duas, o Julgador administrativo não tem liberdade total para aplicar o direito, está impedido de aplicar normas constitucionais, o que por si só demonstra que no procedimento administrativo tributário não se busca a Justiça; a três, seria a administração pública fazendo o controle de legalidade dos seus atos administrativos, nesse caso, provocada pelo contribuinte; a quatro, em boa parte dos julgamentos o procedimento será decidido por um representante da Fazenda Pública, o Presidente das Câmaras e do Órgão Julgador que sempre é vinculado a Receita Federal ou as Secretarias da Fazenda.2
Paulo de Barros Carvalho define bem a razão de ser procedimento administrativo tributário e não processo, dispondo que
“Estamos em crer que é imperiosa a distinção entre processo e procedimento. Reservemos o primeiro termo, efetivamente, à composição de litígios que se opera no plano da atividade jurisdicional do Estado, para que signifique a controvérsia desenvolvida perante os órgãos do Poder Judiciário. Procedimento, embora sirva para nominar também a conjugação dos atos e termos harmonizados na ambitude da relação processual, deve ser o étimo apropriado para referir a discussão que tem curso na esfera administrativa.
Firmadas estas premissas, é lícito deduzir que a locução adequada para aludirmos à impugnação de atos administrativos, junto à própria Administração, no que tange à matéria tributária, é “procedimento administrativo tributário”, ao contrário do que faz supor o título do presente trabalho”.3
Cabe a autoridade administrativa realizar o lançamento do crédito tributário toda vez que o contribuinte realizar o fato jurídico tributário, não realizar suas obrigações de relatar a ocorrência e/ou não pagar o respectivo tributo devido, bem como não realizar seus deveres instrumentais, de outro lado, o contribuinte inconformado ou com dúvida do lançamento pode impugnar, instaurando o procedimento administrativo tributário, forma de se desenvolver a função administrativa de revisão, modificação ou controle de legalidade do ato administrativo.
Apesar de ser um procedimento administrativo qualificado, tem limites para apreciação pelos julgadores administrativos, os limites da lide seriam o auto de infração ou argumentos apresentados na defesa? O crédito tributário pode ser mantido por motivo diferente do constante no lançamento questionado?
2. O Procedimento Administrativo Tributário no Código Tributário Nacional
Dispõe o artigo 146, III, alínea “b”, da Constituição Federal que cabe à lei complementar estabelecer normas gerais de direito tributário, em especial sobre obrigação, lançamento e crédito tributário.
Obrigação tributária é a relação jurídica tributária entre Fisco e contribuinte que está no consequente da regra-matriz de incidência tributária, tendo como núcleo e vínculo da relação o pagamento do crédito tributário e se instaura quando ocorre no mundo fenomênico a subsunção do fato com a hipótese prevista na norma, devidamente vertida em linguagem competente, ou seja, com o lançamento tributário, nos termos do artigo 142 do Código Tributário Nacional.4
Paulo de Barros Carvalho5 entende que, ao tornar-se concreto o fato previsto no descritor da regra de incidência (pela linguagem competente), surge a relação jurídica de conteúdo patrimonial, a saber, a obrigação tributária.
Sendo o Procedimento Administrativo Tributário mecanismo para a administração rever o lançamento tributário, com efeito, também cabe à lei complementar dispor sobre e o Código Tributário Nacional, diploma legal reconhecido e recepcionado pela Constituição Federal6 com tal competência.
O Código Tributário Nacional estabeleceu normas e diretrizes para o Procedimento Administrativo Tributário em seus artigos 145, 146, 151, inc. III, 156, inc. IX, 173, inc. II e 201.
O artigo 145 do Código Tributário Nacional estabelece que o Procedimento Administrativo Tributário possibilita a revisão do lançamento tributário, disciplinado que o lançamento é passível de revisão pela autoridade administrativa em razão de impugnação do contribuinte ou de ofício pela autoridade administrativa, nos casos do art. 149 do CTN.
Já o artigo 146 do CTN determina que “a modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”.
O artigo 151, inc. III, do CTN disciplina que Procedimento Administrativo Tributário tem efeito suspensivo, ou melhor, determina que a exigibilidade do crédito tributário fica suspensa até o trânsito em julgado da defesa e dos recursos interpostos na esfera administrativa, dispondo que “suspendem a exigibilidade do crédito tributário as reclamações e recursos, nos termos das leis reguladoras do processo”.
O artigo 156, inc. IX, do CTN prevê que a decisão administrativa transitada em julgado em favor do contribuinte extingue o crédito tributário, nos seguintes termos: “extinguem o crédito tributário a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória”.
O artigo 173, inc. II, do CTN prevê que a decadência de constituir o crédito tributário se interrompe quando no procedimento administrativo tributário o lançamento for anulado por vício formal, tendo o fisco cinco anos para realizar novo lançamento, determinando que “o direito de a Fazenda Pública constituir o crédito tributário extingue-se após 5 (cinco) anos, contados: da data em que se tornar definitiva a decisão que houver anulado, por vício formal, o lançamento anteriormente efetuado”.
Finalmente, o Código Tributário Nacional encerra suas disposições sobre o Procedimento Administrativo Tributário expondo que a Fazenda Pública apenas poderá inscrever o crédito tributário em dívida ativa, a qual é o controle de legalidade, certeza e liquidez do crédito, para posterior cobrança após o trânsito em julgado da decisão administrativa, nos termos de seu artigo 201 que dispõe que “constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular”.
As normas que disciplinam o Procedimento Administrativo Tributário têm como finalidade dar certa uniformidade aos diversos contenciosos administrativos existentes na República Federativa do Brasil, tanto no âmbito Federal, como de cada Unidade Federativa e em alguns Municípios, bem como apontar algumas importâncias da existência do procedimento administrativo fiscal, como: o controle de legalidade do lançamento tributário, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, a verificação dos requisitos de liquidez e de certeza do crédito tributário e ainda a observância à prerrogativa da autotutela dos atos administrativos pela própria Administração Pública, reconhecida pela súmula 346 do STF7 e súmula 473 do STJ8.
3. Lançamento Tributário e o Auto de Infração
O procedimento administrativo tributário, decorrente de lançamento de ofício, para solução de litígios relativos aos tributos e respectivas penalidades, instaura-se quando a autoridade administrativa verifica a incidência do fato jurídico previsto na hipótese da norma tributária estrita no mundo fenomênico, vertendo este fato em linguagem competente através do lançamento e consequentemente constituindo o crédito tributário nos termos do art. 142 do CTN, garantindo ao contribuinte o direito e prazo para impugnar o Auto de infração, ou seja, o procedimento administrativo tributário inicia-se quando há lançamento de ofício e a apresentação da defesa por parte do contribuinte.
Na definição do Prof. Paulo de Barros Carvalho “lançamento tributário é o ato jurídico administrativo, da categoria dos simples, constitutivos e vinculados, mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, que tem como antecedente o fato jurídico tributário e como conseqüente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo, a determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e correspondente alíquota, bem como pelo estabelecimento dos termos espaço-temporais em que o crédito há de ser exigido”.9
Como o lançamento tributário é um ato administrativo está sujeito aos princípios constitucionais gerais da administração pública, como: legalidade, supremacia do interesse público, impessoalidade, presunção de legitimidade e veracidade, da autotutela, publicidade, motivação e eficiência.
Desta feita, lançamento tributário é um ato jurídico administrativo e não procedimento, conforme dispõe o art. 142 do CTN, muitas vezes nem precisa do procedimento para chegar ao ato administrativo, às vezes o lançamento é um simples ato isolado. O ato jurídico administrativo é jurídico por gerar efeitos no direito e contém 5 elementos: motivo ou pressupostos; agente competente; forma prescrita em lei; objeto ou conteúdo; e finalidade.
O lançamento é um ato jurídico administrativo da categoria do simples, constitutivos ou modificativos e vinculados. Simples, pois emana da vontade de um único órgão, de uma só vontade. Constitutivo porque cria relações jurídicas e vínculos até então inexistentes. Quando o lançamento é promovido pelo Fisco será constitutivo do fato jurídico tributário como da obrigação. Modificativo, tendo em vista que muitas vezes são realizados outros lançamentos em substituição a aquele ato eivado de vícios.
O lançamento é um ato mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, pois introduz uma norma individual e concreta que guarda subsunção à regra-matriz de incidência. Tem com antecedente o fato jurídico tributário, pois tem que fazer alusão a um fato referente a alteração do mundo econômico-social, devidamente individualizada no espaço e no tempo, com o verbo no pretérito. E, como consequente, a formalização do vínculo obrigacional, pela individualização dos sujeitos ativo e passivo e pela determinação do objeto da prestação, formado pela base de cálculo e alíquota correspondente. A consequência da realização do fato devidamente constituído é a instauração da obrigação tributária por força da relação de causalidade jurídica.
O artigo 142 do CTN estabelece que compete a autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, prescrever o fato jurídico tributário, calcular o valor do crédito e se for o caso aplicar a penalidade cabível. A norma em comento permite que no lançamento contenha dois atos administrativos, o primeiro a exigência do tributo devido e o segundo as penalidades cabíveis por desrespeito as determinações legais.
Como penalidade não pode ser considerada tributo, conforme dispõe o art. 3º do CTN que tributo é a prestação pecuniária, compulsória e que não seja sanção por ato ilícito, foi considerado que o lançamento tributário que contenha o crédito tributário e a penalidade seja denominado auto de infração, que não deixa de ser considerado lançamento tributário.
Nesse sentido, ensina Fábio Soares de Melo que “o Auto de Infração poderá contemplar (i) um ato administrativo de lançamento, quando dele conste exigência tributária, hipótese denominada por lançamento de ofício; e (ii) outro ato administrativo, por intermédio do qual a Administração Pública aplica sanção em virtude da infringência de determinado comando normativo”.10
Assim, o que dá início ao procedimento administrativo tributário é a defesa apresentada pelo Contribuinte em face do auto de infração constituído pela autoridade administrativa que aponta o fato jurídico realizado, a matéria tributária, o cálculo do montante devido a título de tributo, a identificação do sujeito passivo e a penalidade aplicável, pois, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
O ato administrativo de lançamento do tributo ou a lavratura do auto de infração é imprescindível para a instauração do procedimento administrativo tributário, não tendo como ser iniciado sem o requerimento do Contribuinte.
Neste sentido, ensina o Prof. José Eduardo Soares de Melo que “o processo fiscal só tem efetiva e formal existência no caso em que é promovido lançamento do tributo, mediante processo normal, hospedado em Auto de Infração, ou ato equivalente (notificação, intimação, etc), decorrentes de ações fiscais estribadas em levantamentos, falta de registro de operações em notas fiscais, indevida utilização de base de cálculo, etc”.11
Angelina Mariz de Oliveira comunga deste entendimento ao dispor que “o auto de infração é uma norma individual e concreta, contra a qual a primeira defesa comumente é chamada de impugnação. A impugnação tem natureza jurídica de recurso, pois tem por objetivo modificar uma decisão, nesse caso proferida pela autoridade administrativa que lavrou o auto de infração, antes da constituição definitiva do crédito fiscal decorrente da suposta existência de ilícito tributário”.12
São requisitos do auto de infração o motivo do ato (devendo estar instruído com todos os elementos de prova indispensáveis à comprovação do ilícito), a publicidade (o sujeito passivo deve ser notificado ao ser iniciado o procedimento fiscal) e o conteúdo (qualificação do autuado, descrição do fato, determinação da exigência e a intimação para cumpri-la ou impugná-la no prazo determinado e disposição legal infringida e a penalidade aplicável).
Nessa linha de raciocínio, o lançamento é um ato jurídico administrativo mediante o qual se insere na ordem jurídica brasileira uma norma individual e concreta, pois introduz uma norma individual e concreta que guarda subsunção à regra-matriz de incidência tributária, fazendo surgir a obrigação, constituindo respectivo crédito e inicia o procedimento administrativo tributário, quando a norma individual e concreta é expedida pelo sujeito ativo e repelida pelo sujeito passivo.
Com o lançamento do crédito tributário e consequente notificação do contribuinte são oferecidas 5 (cinco) alternativas para o sujeito passivo: pagar em determinado prazo (geralmente 30 dias), apresentar impugnação, parcelar o valor exigido, defender-se na esfera judicial ou permanecer inerte e aguardar a inscrição dos valores em dívida ativa.
Para o presente estudo somente interessa a segunda situação ou alternativa, que o sujeito passivo tem interesse em questionar os lançamentos tributários, através da utilização do contencioso administrativo.
4. Da Motivação do Lançamento Tributário
O art. 142 do CTN utiliza os termos que a autoridade administrativa deve verificar a “ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente e determinar a matéria tributável”. Desse modo, o auto de infração deve conter a descrição do fato jurídico realizado pelo contribuinte com a correspondente obrigação tributária, o contexto e circunstâncias que ocorreu, devidamente instruído com as provas do fato, a determinação da matéria tributável e o cálculo do crédito tributário e da penalidade devida, bem como a indicação dos dispositivos normativos infringidos e dos relativos às penalidades.
Porém, ao dispor que deve a autoridade administrativa descrever o fato tributário da obrigação correspondente refere-se que tem que explicar o motivo que levaram a lavrar o auto de infração e constituir a respectiva obrigação tributária.
É elemento essencial do auto de infração a descrição ou narração dos fatos que levaram ao surgimento da obrigação tributária e isso corresponderia a motivação do lançamento tributário. O fato jurídico tributário realizado pelo contribuinte é o motivo do auto de infração, a descrição e as circunstâncias que ocorreu o fato é a motivação do auto. Portanto, a motivação é elemento essencial do lançamento tributário, conforme dispõe o art. 142 do Código Tributário Nacional.
Marina Vieira Figueiredo também entende do mesmo modo, que “o motivo é o fato que serve de suporte para a prática do ato. A motivação, em contrapartida, é a exposição desse motivo, o que é feito mediante a indicação: (i) da norma na qual está previsto, abstratamente, o motivo para a prática do ato, autorizando, pois, a sua produção; (ii) do evento concreto que preenche as características descritas na hipótese da regra abstrata, motivando a prática do ato concretamente; e (iii) das provas que demonstram a ocorrência desse evento”.13
Nessa linha, também ensina Fábio Soares de Melo que “o motivo compreende as situações de direito e de fato, que determinam ou que autorizam a realização do ato administrativo” e ““motivo” do ato administrativo não deve ser confundido com a “motivação” do ato administrativo, uma vez que a motivação significa, em síntese, a exposição dos motivos pelos quais determinado ato administrativo fora praticado, ou seja, a exteriorização dos motivos que levaram à pratica do ato pela administração pública”.14
Fabio Soares de Melo ainda define “a motivação consiste na exposição, pela Administração Pública, das razões que levaram à pratica de determinado ato administrativo, na explicitação das circunstâncias que, em consonância com as hipóteses normativas, determinaram a prática do ato administrativo”.15
Com sua categoria peculiar Celso Antônio Bandeira de Mello estabelece que “não se confunde o motivo do ato administrativo com a ‘motivação’ feita pela autoridade administrativa. A motivação integra a ‘formalização’ do ato, sendo um requisito formalístico. É a exposição dos motivos, a fundamentação na qual são enunciados (a) a regra de Direito habilitante, (b) os fatos em que o agente se estribou para decidir e, muitas vezes, obrigatoriamente, (c) a enunciação da relação de pertinência lógica entre os fatos ocorridos e o ato praticado”.16
A importância que o lançamento esteja devidamente motivado, para que o contribuinte possa se defender plenamente do que está sendo acusado. Se a acusação ou motivação do ato de lançamento não estiver adequada para aplicação da norma jurídica tributária e estabelecer a relação jurídica entre fisco e contribuinte, impede-se o pleno exercício da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa. Inclusive, pelo princípio da motivação todo ato administrativo deve ser devidamente motivado sob pena de nulidade.
Com a apresentação da defesa ou impugnação administrativa o contribuinte tem os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório respeitados e essa tem a natureza jurídica de modificar, revisar ou extinguir a ato administrativo de lançamento realizado pelo agente administrativo, atacando tanto os critérios formais como os materiais do mesmo.
Sendo o Procedimento Administrativo Tributário instrumento de revisão, modificação e controle de legalidade do auto de infração, os limites da lide administrativa fiscal estão traçados no próprio lançamento tributário, pois estão todos os elementos, requisitos, inclusive motivo e motivação.
Assim, o Julgador Administrativo está atrelado ao que está exposto e estabelecido no auto de infração, não pode inovar ou estabelecer outros elementos ou critérios, até mesmo, se assim o fizer ou alterar o que está prescrito no lançamento tributário, estará na verdade realizando um novo lançamento, o que não é de sua competência. O Julgador Administrativo somente pode reduzir o critério quantitativo ou temporal da regra-matriz de incidência tributária, vertida em linguagem, através do lançamento.
A motivação do auto de infração é o critério jurídico do lançamento e os Julgadores Administrativos estão vinculados à motivação contida no lançamento tributário, não pode o Órgão Julgador manter um auto de infração fundamentada a decisão em outra motivação, diferente da estabelecida no lançamento impugnado.
Ensina Celso Antônio Bandeira de Melo, em sua Teoria dos Motivos Determinantes, que “os motivos que determinam a vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato. Sendo assim, a inovação de motivos de fatos falsos, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato (…)” Vale dizer: “(…) Uma vez enunciados pelo agente os motivos em que se calçou, o ato só será válido se estes realmente ocorreram e o justificavam”.17
Neste sentido, dispõe o artigo 146 do CTN que “a modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”.
Tal determinação que não pode ser modificado o critério jurídico ou a motivação adotada pela autoridade administrativa para realizar o lançamento é também um instrumento de garantia da segurança jurídica, em razão de que o contribuinte a modificação na motivação do lançamento tributário de ofício ou em razão de decisão administrativa somente pode ser efetivada para fatos jurídicos tributários ocorridos posteriormente.
Portanto, caso Órgão Julgador administrativo entenda que a motivação do auto de infração está errada, deve cancelar o mesmo, não pode manter a acusação fiscal sob outra ótica e outro fundamento, tendo em vista que se assim o fizer estará realizando um novo lançamento tributário, que não é de sua competência e também sobre esse novo auto de infração com outra motivação o contribuinte não se insurgiu, desrespeitando assim os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Compete aos Órgãos Julgadores Administrativos Tributários apenas revisar o lançamento tributário, fazer o controle de legalidade ou modificar, mas nunca alterar os motivos que levaram a autoridade fiscal a lavrar o auto de infração, pois se assim o fizerem estarão retirando o suporte de validade do ato administrativo e estarão dando validade a ato administrativo que nasceu de forma inválida e por motivo falso.
5. Conclusões
O contencioso administrativo fiscal é um procedimento administrativo qualificado que não pode ser considerado processo devido a existência de algumas peculiaridades, como o Órgão Julgador Administrativo fazer parte e estar vinculado a própria administração fazendária.
O procedimento administrativo fiscal tem como limites da lide o auto de infração, em razão do controle de legalidade do ato administrativo e da autotutela da administração pública de seus próprios atos.
Instaurado o procedimento administrativo tributário, o auto de infração pode ser revisto, modificado ou extinto, contudo os Órgãos Julgadores Administrativos estão vinculados aos elementos e critérios presentes no lançamento tributário, em especial aos motivos determinantes que levaram o agente público a realizar o ato administrativo, não podendo de forma alguma modificar a motivação para manter o auto de infração.
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1 “Art. 5º…
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
…
LVIII – “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
2 Exceção é o Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo que permite que a presidência das Câmaras Julgadoras seja exercida por julgadores representantes dos contribuintes.
3 Segurança Jurídica no Novo CARF. p. 10
4 “Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo
e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional”.
5 Curso de direito tributário. 2008, p. 358.
6 Dos ADCT – “Art. 34. O sistema tributário nacional entrará em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores.
…
§ 5º Vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a legislação referida nos §3º e § 4º”.
7 Súmula 346 do STF: “A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos”.
8 Súmula 473 do STJ: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”.
9 “Curso de Direito Tributário” – Editora Saraiva – 18ª Edição – 2007 – p. 404
10 “Procedimento Administrativo Tributário: Princípios, Vícios e Efeitos Jurídicos”. Dialética. p 102
11 “Processo Tributário Administrativo Federal, Estadual e Municipal”. Quartier Latin São Paulo. 4ª ed., p. 77
12 RDDT 108/16, set/04
13 “Lançamento Tributário: revisão e seus efeitos”. 1ª ed. São Paulo: Noeses, 2014. p. 212
14 “Procedimento Administrativo Tributário: Princípios, Vícios e Efeitos Jurídicos”. Dialética. p 81/82
15 “Procedimento Administrativo Tributário: Princípios, Vícios e Efeitos Jurídicos”. Dialética. p 61
16 “Curso de Direito Administrativo”. Malheiros. 14ª edição. p. 352
Curso de Direito Administrativo”. Malheiros. 17ª ed. p. 370
por André Felix Ricotta de Oliveira
Doutorando, Mestre e Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Master of Business Administration (MBA) em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV-RJ; Juiz Contribuinte do Tribunal de Impostos e Taxas da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo; Coordenador do IBET de SJC, Professor do curso da Graduação em Direito da FMU e de diversos cursos de Pós-graduação; Advogado.
Fonte: IBET
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