Nos últimos meses, o Banco Central do Brasil (BC) liquidou extrajudicialmente sete corretoras que possuíam autorização para realizar operações no mercado de câmbio, por descumprimento de suas obrigações legais, em especial aquelas relacionadas à prevenção à lavagem de dinheiro e de comunicação de operações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
Adicionalmente, de acordo com informações constantes no site do BC, as penalidades administrativas aplicadas a corretoras nos últimos quatro anos subiram substancialmente: R$ 1 milhão (2012), R$ 22 milhões (2013), R$ 98 milhões (2014) e R$ 567 milhões (2015).
Não são apenas as corretoras que estão sofrendo tais penalidades. Em 2015, o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), por sua vez, julgou os primeiros processos administrativos contra dois bancos por falha nas suas obrigações de comunicação tempestiva de operações suspeitas de lavagem de dinheiro.
Nos dois casos, aplicou penalidades às instituições e seus diretores nomeados perante o BC como responsáveis por tal comunicação, sendo que as multas aos bancos foram de aproximadamente US$ 4 milhões e R$ 2,7 milhões, respectivamente, e aos diretores a inabilitação por dois e três anos, bem como multas de US$ 2 milhões e R$ 273 mil, respectivamente.
Também em 2015, um banco brasileiro sofreu uma multa de US$ 310 mil por ter realizado três operações de câmbio de uma empresa que estava indicada na lista restritiva da OFAC (Office for Foreign Asset Control). Em novembro o banco acabou realizando um acordo com a OFAC, pelo qual concordou em pagar US$ 140 mil para encerrar a questão e possíveis penalidade adicionais relacionadas a tais transações. Foi a primeira penalidade do tipo para um banco brasileiro.
Em todos os casos verificados, o valor das multas equivale a um percentual do valor do conjunto das operações não comunicadas. Em um dos casos a penalidade atingiu 10% sobre o valor total da operação. Considerando que em operações dessa natureza e perfil o ganho das instituições é geralmente entre 0,3% e 3% sobre o valor da operação de câmbio, é possível estimar que a penalidade aplicada tenha representado entre 300% e 3.000% o valor da receita gerada por tal transação ao banco. Portanto, pode-se verificar que as penalidades aplicadas são severas se comparadas à receita gerada por tais transações.
Não é segredo que as instituições financeiras são muito visadas pelas organizações criminosas para movimentar os recursos oriundos da lavagem de dinheiro, pela facilidade e rapidez com que se movem, podendo rapidamente passar por diversos locais e contas. O mercado de câmbio, por sua vez, é ainda mais atrativo, uma vez que, realizada a transferência dos recursos ao exterior, dificulta-se o controle e localização destes recursos pelas autoridades brasileiras.
Por esse motivo, o BC, em linha com as recomendações nº 27 e 35 do Gafi/FATF (Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo – Gafi/FATF), tem exigido cada vez mais o devido cumprimento da Lei nº 9.613/98 (Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e de Financiamento ao Terrorismo), a qual obriga as instituições financeiras, dentre outros setores, a (i) manter procedimentos e controles visando a correta identificação dos seus clientes; (ii) monitorar as operações dos clientes, em especial diante da compatibilização com suas informações cadastrais; e (iii) comunicar ao Coaf sempre que verificar operações com indícios de lavagem de dinheiro, ainda que não tenha a sua comprovação.
Adicionalmente, pela Circular nº 3.461/09, o BC regulamentou, no âmbito do mercado financeiro, as políticas, procedimentos e controles a serem adotados pelas instituições financeiras, destinados a prevenir sua utilização para ocorrência dos crimes de lavagem de dinheiro. Posteriormente, o BC expediu a Carta Circular nº 3.542/12, que divulga uma relação de operações e situações que podem configurar indícios de ocorrência dos crimes de lavagem de dinheiro, portanto passíveis de comunicação ao Coaf.
Nas decisões do CRSFN acima mencionadas, os conselheiros do órgão apresentaram diversos fatos que justificam a aplicação de referidas penas, dentre os quais: (i) inobservância das regras e políticas internas do próprio banco; (ii) prazo excessivo para comunicação de operações ao Coaf; e (iii) os clientes e operações em questão apresentavam diversas situações sugeridas como suspeitas pela regulamentação em vigor na época das ocorrências (Carta Circular nº 2.826/98, revogada pela Carta Circular nº 3.542/12).
Algumas situações suspeitas mencionadas em relação a tais clientes e operações nas decisões foram que: (i) não tinham tradição em comércio exterior; (ii) não possuíam capital social compatível com os valores transacionados; (iii) celebraram operações em valores fracionados; (iv) não aparentavam ter capacidade financeira compatível com os negócios realizados; e (v) em um dos casos, havia notícias de sonegação fiscal veiculadas na mídia em relação ao cliente.
Assim, como pode se verificar, há uma vasta quantidade de normas relacionadas à prevenção à lavagem de dinheiro aplicáveis ao mercado de câmbio, que vão desde os seus conceitos gerais às especificidades de cada modalidade de operação, bem como um acréscimo da fiscalização e penalização às instituições financeiras na hipótese de não observância de referidas normas.
Por esse motivo, é fundamental que as instituições financeiras façam uma avaliação de risco (risk assessment) de suas operações e políticas em vigor, bem como se seus controles internos, auditoria e compliance estão adequados e diligentes o suficiente para atender a tais normas e aumento da fiscalização.
Adicionalmente, é fundamental que suas equipes estejam devidamente treinadas para superar o grande desafio de detectar indícios de operações ilícitas por trás de aparentes operações legais, uma vez que as organizações criminosas acabam por utilizar estruturas sofisticadas e documentos com aparente legalidade.
por Aloísio Matos é advogado, sócio responsável pelas áreas de câmbio, governança corporativa e compliance de Amatuzzi + Matos Advogados, membro do comitê jurídico e de compliance da Associação Brasileira das Corretoras de Câmbio (Abracam) e membro do conselho consultivo da IMTC, the International Money Transfer Conferences.
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Fonte : Valor
Via Alfonsin.com.br
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