Tema que tem ensejado debate é o direito a auferir juros sobre capital próprio (JCP) por pessoa física usufrutuária de ações ou quotas sociais. Isto porque, a Receita Federal do Brasil faz uma interpretação restritiva de tal instituto, na tentativa de limitar o seu alcance, e por vezes acaba por impor obstáculos à aplicação prática dos referidos juros.
Os juros sobre capital próprio, tal como os dividendos, representam forma de remuneração por intermédio da participação nos lucros empresariais, pagos aos acionistas, titulares ou sócios das empresas, cuja previsão legal encontra-se no artigo 9º da Lei 9.249/95.
No entanto, na análise sobre a efetividade ou não da distribuição de JCP entre os titulares do direito à percepção desses montantes, três requisitos cumulativos devem estar presentes a fim de que se proceda à dedutibilidade para efeitos da determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL e do IRPJ.
Trata-se dos requisitos de observância obrigatória descritos no artigo 9º da Lei nº 9.249/95, combinado com o artigo 78 da Lei nº 9.430/96, quais sejam: a) ocorrência do efetivo pagamento ou crédito dos juros ao titular, sócio ou acionista; b) existência de lucros (computados antes da dedução dos juros) ou de lucros acumulados e/ou reserva de lucros em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados (§ 1º, do art. 9º, da Lei 9.249); e c) limitação do valor dos juros pagos à variação pro rata dia da Taxa de Juros a Longo Prazo TJLP.
Em termos de reflexos tributários, há vantagem quando o recebedor do JCP é pessoa física, pois a legislação do Imposto de Renda autoriza a incidência exclusiva na fonte no percentual de 15%, ao passo que estes mesmos JCP quando pagos a pessoa jurídica estariam sujeitos à incidência de tributação no percentual de 34%, dos quais 25% correspondem a IRPJ e 9% a CSLL. Além disso, possibilitase à pessoa jurídica pagadora a dedução, na apuração do lucro real, do montante integral pago na forma de JCP a título de despesa financeira.
Desta feita, o exame da literalidade do artigo 9º acima mencionado permite concluir que o titular do direito sobre as ações ou quotas sociais é o beneficiário, pessoa física ou jurídica, detentora do direito a perceber os valores relativos ao JCP, e é a este titular que será realizado o pagamento de tais juros proporcionalmente à sua participação nas quotas do capital social.
Posto isso, não há qualquer vedação legal à percepção de remuneração a título de JCP pelo usufrutuário, na qualidade de titular do direito sobre as quotas de participação acionária ou social, se no usufruto estiver estabelecido o repasse mensal dos valores devidos à pessoa jurídica que figura como titular da nua-propriedade diretamente a titulares pessoas físicas, neste caso específico, os usufrutuários.
Tanto é assim que o próprio artigo 1.394 do Código Civil de 2002 atribui ao usufrutuário o direito à percepção dos frutos, e os juros sobre capital próprio são justamente os frutos advindos do capital social.
Ademais, o artigo 205 da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) faz menção expressa ao pagamento de dividendos ao usufrutuário da ação. E, tendo em vista que a grande maioria dos contratos sociais das empresas prevê a utilização subsidiária da Lei das S.A, não se vislumbra óbice na aplicação desse entendimento também às sociedades limitadas.
Outrossim, também a Receita Federal do Brasil admite o pagamento de dividendos vinculados a uma origem usufrutuária, que corrobora o entendimento exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, no sentido de reconhecer a possibilidade de o usufrutuário receber remuneração por intermédio de juros sobre capital próprio (REsp nº 1.169.202/SP).
Face a todo o exposto, entendese pela legalidade e validade formal de usufruto constituído com a finalidade de remunerar por intermédio de JCP as pessoas físicas, as quais figuram como titulares de quotas de participação social nas pessoas jurídicas que integram o quadro social da empresa.
Portanto, o uso do instituto do usufruto para pagar juros sobre capital próprio às pessoas físicas usufrutuárias consubstancia um procedimento absolutamente lícito, com amparo legal, objeto lícito, partes capazes e forma não vedada em lei. O que o torna um ato jurídico perfeito, suscetível de produzir efeitos na esfera jurídica, com reflexos tributários favoráveis tanto a quem paga quanto a quem recebe.
por Gilberto Luiz do Amaral, Cristiano Lisboa Yazbek e Ana Caroline Whattier são advogados da Amaral, Yazbek Advogados, Curitiba e São Paulo Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico.
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Fonte: Valor
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