Chegado o mês de janeiro, é comum que as empresas tracem novas metas de vendas ou produtividade. Necessário para as companhias, esse tipo de estratégia tem sido regulada pela Justiça do Trabalho, que coleciona exemplos de abusos de empregadores para fazer cumprir os objetivos do ano.
Não é só a fixação de metas inalcançáveis que pode gerar a necessidade de pagar danos morais aos empregados. A exposição de funcionários que não atingiram os números estabelecidos, com a adoção de apelidos ou castigos, por exemplo, é considerada irregular pela Justiça trabalhista, assim como forçar o funcionário a fazer hora extra para cumprir a meta.
Também especialista em direito do trabalho, o advogado Mauricio Tanabe, do escritório Tauil & Chequer Advogados, afirma que as metas podem ser agressivas, mas a empresa deve garantir que existam condições de o empregado cumprir o que foi fixado. Para ele, a empresa deve questionar se o ambiente de trabalho é propício para cumprir a meta. “A falta de estrutura gera insegurança, além de autocobrança excessiva”, diz.
Para Tanabe, as empresas também devem estar alertas para acompanhar periodicamente as metas traçadas. Fazer ajustes, reduzir os parâmetros traçados anteriormente ou elevar os recursos disponíveis para o atingimento da meta são ações que podem evitar pressões excessivas e mostrar que o empregador está facilitando o cumprimento dos números estabelecidos.
Cobranças excessivas
Para os juízes trabalhistas, mesmo que as metas sejam factíveis, ocorre o assédio moral se há abusos na hora de cobrar o que foi fixado pela empresa. Esse tipo de condenação é bastante comum, e a jurisprudência está repleta de exemplos.
Em 2014, por exemplo, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) manteve condenação à fabricante de pneus Pirelli, após um funcionário alegar que durante o período que atuou na empresa era ameaçado de demissão caso não cumprisse as metas (Processo nº 1627-09.2011.5.04.0231).
Procurada, a Pirelli não comentou a decisão até a publicação desta reportagem.
Em outra decisão, de dezembro de 2015, o tribunal superior entendeu que era devida indenização a uma ex-funcionária de uma cooperativa de Goiás. Os gerentes da instituição, segundo consta no processo, ameaçavam os empregados de não terem horário de almoço caso não cumprissem as metas.
“Constatado o rigor excessivo implementado pela empregadora em relação ao cumprimento de metas, por meio de ameaças à supressão de direitos indisponíveis da autora, indispensáveis à segurança e higiene do trabalho, impõe-se o dever de indenizar”, afirmou o relator, ministro José Roberto Freire Pimenta, no Processo nº 1129-07.2013.5.23.0006.
Cobranças coletivas
Segundo Sílvia, a Justiça tem considerada irregular a adoção da chamada “gestão por stress” imposta por empresas. Nestes casos, a pressão excessiva para cumprir metas atinge não apenas funcionários isoladamente, mas todos os trabalhadores da companhia. “Quando a política da empresa é ilícita e afeta um grupo de trabalhadores começa a surgir a figura do assédio moral organizacional”, explica.
A fundamentação foi utilizada no final de 2014 pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 2ª Região (SP) para condenar a Via Varejo (Casas Bahia e Pontofrio) em R$ 20 mil. De acordo com a decisão, uma funcionária da companhia procurou a Justiça, entre outros motivos, por causa da pressão a que estava submetida.
Em um e-mail citado no Processo nº 2329-79.2012.5.02.0067, um gerente reconhece a pressão sofrida pelos trabalhadores, e afirma que existem, na unidade, trabalhadores que podem ser considerados pipocas e outros que podem ser comparados a um piruá (milho que não estoura), destacando que o destino do último é o lixo. “Você é como a pipoca, que reage até mesmo sob a ação do fogo, mas reage e se transforma? Ou você é como o piruá?”, questiona o superior.
Para o relator do caso, desembargador Sérgio Winnik, ao invés de incentivar, as palavras escolhidas pelo superior humilham e constrangem os funcionários, caracterizando o assédio moral institucional. A prática, para o magistrado, ocorre quando um setor ou repartição “é obrigado a trabalhar sob grave pressão psicológica e ameaça iminente de sofrer castigos humilhantes”.
O caso chegou ao TST, mas o tribunal não conheceu do recurso porque o julgamento do tema implicaria análise de provas. O procedimento é vedado aos tribunais superiores.
Procurada pelo JOTA, a assessoria de imprensa da Via Varejo informa que repudia qualquer ação que possa ferir o Código de Conduta Ética da Companhia e tem suas relações pautadas no respeito e no cumprimento da Legislação Trabalhista vigente. A empresa afirma que, uma vez identificadas situações em desacordo com o padrão de conduta, são tomadas medidas educativas e sanções adequadas.
Coação a cumprir as metas
Submeter os funcionários a cumprir horas extras, pular o horário de almoço ou não comprar produtos para atingir metas também pode caracterizar assédio moral para a Justiça do Trabalho. Um caso curioso envolvendo o assunto foi julgado em 2015 pelo TST.
De acordo com o Processo nº 34600-65.2006.5.04.0013, um funcionário procurou a Justiça afirmando que era coagido a comprar produtos da Ambev. Segundo o processo, havia pressão para que os funcionários atingissem as metas, o que levava alguns deles a adquirir mercadorias difíceis de serem vendidas para conseguirem os bônus.
O TST confirmou decisão do TRT da 4ª Região (RS), que considerou que, apesar de não haver, por parte dos superiores, uma ordem para aquisição dos produtos, a Ambev se beneficiava da atitude dos funcionários, devendo ser responsabilizada pelos gastos dos funcionários com a compra de produtos.
Procurada, a Ambev não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Exposição dos funcionários que não cumpriram as metas
Para advogados trabalhistas, é importante que as empresas se preocupem com a linha entre incentivar e expor os funcionários. Profissionais da área jurídica salientam que não é ilícito apresentar rankings de funcionários ou destacar os melhores do mês, mas se a conduta humilhar os que tiveram pior colocação pode estar configurado o assédio moral.
Entram nessa categoria a aplicação de apelidos ou outros elementos que diferenciem de forma pejorativa os funcionários. Exemplo consta em uma decisão do TRT da 1ª Região (RJ), envolvendo as Casas Bahia. A empresa foi condenada por obrigar os trabalhadores a utilizarem bottons de diferentes cores, dependendo de sua colocação no ranking de vendas.
Ainda de acordo com a decisão (Processo nº 0001667.67.2013.5.01.0501), os funcionários eram coagidos a praticar venda casada para cumprirem as metas. Os vendedores eram questionados sobre a quantidade de garantias estendidas e seguros oferecidos, o que os levava a embutir os produtos nas compras dos clientes.
Outro exemplo, julgado pelo TST em 2013, envolve o Itaú (Processo nº 349-73.2010.5.01.0042). O banco foi condenado por deixar uma funcionária “de castigo” por não cumprir as metas. De acordo com o processo, um superior determinou que a trabalhadora ficasse um dia em casa, sem trabalhar, por não ter aberto um determinado número de contas no dia. A Justiça considerou que a atitude do gerente infantilizou a funcionária, gerando a necessidade de indenização.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Itaú Unibanco informou que repudia “qualquer prática que não esteja alinhada à nossa cultura de ética e respeito às pessoas, e primamos pelo bom relacionamento com nossos colaboradores”. A instituição afirmou que o caso será apurado.
Por Bárbara Mengardo
Fonte: Jota
Nenhum comentário:
Postar um comentário